... e quando o ocidente se prepara para enviar para as forças armadas de Kiev o seu maior reforço militar de sempre, com os carros de combate pesados alemães Leoprd-2 e os mísseis de longo alcance norte-americanos, que vão servir de alavanca para a escalada no conflito, embora esteja ainda por verificar até onde essa escalada levará o mundo, com cada vez mais analistas a admitirem que esta subida da parada por parte de Washington/NATO vai forçar Moscovo a tomar medidas que podem ser dramáticas, porque se trata de armas que podem mesmo fazer a diferença no curso das batalhas e virar o pendor favorável para o lado dos ucranianos.

Sabe-se que entre os dirigentes europeus que chegaram esta quinta-feira a Kiev para a Cimeira Ucrânia/União Europeia de sexta-feira estão os mais agressivos falcões de guerra ocidentais, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e o chefe da diplomacia europeia, Joseph Borrell, todos apostados em garantir que "a Rússia sai derrotada nesta guerra", o que permite antecipar o anúncio de um reforço do apoio financeiro europeu a Kiev, depois de ter sido aprovada uma ajuda, em 2022, de 18 mil milhões de euros, e ainda o compromisso de uma acelerada admissão da Ucrânia entre os 27, além da garantia de que o núcleo dirigente de Bruxelas vai fazer lobby para que cada vez mais armas ocidentais cheguem ao terreno, incluindo os F-16 que, cautelosamente, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, já disse que não é adequado devido ao risco da tal escalada exponencial das hostilidades.

Entretanto, em Moscovo...

Sergei Lavrov, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, numa entrevista à TV pública russa, optou por explicar o que é que, no seu, e no do Kremlin, entender, está por detrás da profunda deterioração das relações entre os EUA e a Federação Russa, que é visível no cavar permanente de trincheiras diplomáticas em todo o mundo - vejam-se as visitas dos seus governantes a África, por exemplo -, e também na guerra da Ucrânia, onde "os EUA estão dispostos a combater os russos até ao último ucraniano", apontando como razão a ideia de que "os norte-americanos acham que são melhores que todos os outros".

Referindo-se ao conhecido tópico do "excepcionalismo americano", Lavrov disse não ter duvidas de que é esse comportamento que conduz ao antagonismo crescente entre os dois países, sublinhando que esta "raiz do problema" cresce em muitas vertentes e a guerra da Ucrânia é uma delas, porque "Washington crê que os EUA são os melhores e que isso de per si justifica e torna aceitável o seu domínio global".

O chefe da diplomacia do Kremlin, deixando perceber que em Moscovo cresce uma saturação sobre essa ideia dos EUA de que são melhores que todos os outros povos e países do mundo, pediu que as pessoas "aprofundem as suas análises" sobre este confronto, apontando como linha de reflexão a criação da ideia de que sem esse excepcionalismo norte-americano emergiria o caos quando toda essa construção visa defender os interesses nacionais norte-americanos.

E deu como exemplo a famosa expressão "melting pot - pote de mistura", comummente usado para explicar a forma como quem chega aos EUA se incorpora e integra nessa ideia de "América excepcional" para explicar como os Estados Unidos visam que em todo o mundo se aceite o seu domínio e a sua superioridade e infalibilidade para o bem de todos, ideia com que entende serem cada vez mais aqueles que a ela se opõem.

"Estou absolutamente convencido de que é por causa dessa ideia de excepcionalismo que está a decorrer uma guerra onde os EUA combatem uma guerra de proximidade - proxy war - com a Rússia através dos ucranianos.

Ainda sobre a guerra na Ucrânia, e face ao novo conjunto de armamento ocidental, tanques pesados e misseis de longo alcance, que deverão chegar nas próximas semanas, Lavrov explicou, retomando as palavras do Presidente Vladimir Putin, que vai ser preciso afastar as forças ucranianas para tão longe das fronteiras russas quanto for preciso de forma a que não lhes seja possível atingir território da Federação Russa.

Ou seja, a esperada ofensiva russa, apontada por quase todos os analistas militares para este tempo em que os solos da região estão, finalmente, congelados de forma a suportar o peso da artilharia pesada móvel ou os blindados diversos, que já é visível nos ganhos territoriais importantes no Donbass, especialmente na região de Bakhmut (Artyomovsk, para os russos), que é vista como a porta de acesso ao Rio Dniepre, onde, se ali chegarem, impossível, ou muito dificilmente, pelo menos, os ucranianos poderão afastar as forças russas porque este curso de água de grande dimensão serve como obstáculo intransponível.

Wanted - dead or live

A palavra é bem conhecida dos filmes de "cow boys", os velhos westerns norte-americanos, onde em cartazes com as suas fotografias, os bandidos era procurados e atribuídas recompensas a quem os apanhasse, "deado r live - vivos ou mortos", técnica que agora os russos estão a usar para lidar com a ameaça dos blindados pesados alemães e norte-americanos, os Leopard-2 e os M1 Abrams Made in USA.

Depois de uma empresa privada ter dito que pagaria 70 mil euros a quem fizer arder o primeiro tanque ocidental, e 7 mil euros por cada um dos restantes, também as autoridades russas locais, como o Governador de Zabaikalsky, Alexander Osipov, que assinou um decreto onde garante o pagamento aos seus militares que capturarem um dos tanques e 14 mil a quem destruir um Leopard-2 ou um M1 Abrams.

Face a esta estratégia de recompensa pelo "abate" dos tanques ocidentais, o Kremlin, segundo o seu porta-voz Dmitri Peskov, mostra-se em completo acordo porque isso "demonstra unidade e entusiasmo" em levar a cabo com sucesso esta operação militar na Ucrânia.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.