Com destino a Trípoli, no Líbano, o barco carregado de milho largou a costa ucraniana às primeiras horas da manhã desta segunda-feira, dentro do calendário estipulado no âmbito dos acordos de Istambul, Turquia, assinados pela ONU e Turquia com, em documentos separados, Kiev e Mosvoco, a 22 de Julho.
"Razoni", registado na Serra Leoa, é o nome do navio que zarpou de Odessa, e, nas primeiras milhas navegadas, sem incidentes conhecidos, estando prevista a sua chegada a Istambul na terça-feira, onde será inspeccionado pelos elementos do "comando" sob liderança da ONU e da Turquia, de forma a garantir que não leva qualquer carga ilegal.
A ONU reagiu de imediato, saudando de forma efusiva esta primeira etapa do acordo cumprida, o que atesta igualmente o sucesso da aposta diplomática do Secretário-Geral, António Guterres, para este desfecho.
A União Europeia, que se manteve afastada destas negociações - no que foi já considerado por vários analistas como um dos seus maiores falhanços diplomáticos -, devido à sua posição de defesa da continuação da guerra, com a presidente da Comissão, Ursula Leyen, e o responsável pela diplomacia dos 27, Josep Borrell a defenderem que a Rússia deve ser derrotada no campo de batalha, e de apoio consolidado como política oficial de Bruxelas a uma das partes em guerra, a Ucrânia, também já veio elogiar este "primeiro passo" para combater a insegurança alimentar no mundo.
Também o Kremlin veio a terreiro mostrar satisfação pela partida do "Razoni" carregado de cereais, sublinhando a liderança russa que agora é essencial verificar se todas as partes cumprem o acordo integralmente.
A Presidência ucraniana também alinhou pelo mesmo diapasão nos elogios a este passo, embora, desde que o acordo foi assinado a 22 de Julho, tenha insistido na ideia de que os russos não iriam permitir a saída dos navios carregados de cereais dos seus portos.
Este acordo foi assinado depois de ambas as partes, sob intermediação da ONU e do Presidente turco Recep Erdogan, que, com Guterres, foi quem melhor saiu desta fotografia, onde a União Europeia é o mais ruidoso ausente devido à sua posição de "falcão de guerra", contrariando décadas de opções distintas desta agressividade agora demonstrada, terem batalhado para garantir, os russos, que os navios que rumam aos portos ucranianos não transportem armamento, e, os ucranianos, exigindo que a frota russa do Mar Negro não permaneça uma ameaça na linha do horizonte.
"A União Europeia congratula-se com a saída do primeiro navio comercial do porto de Odessa desde a assinatura do acordo de 22 de Julho, após meses de bloqueio por parte da Rússia, e após a Rússia ter bombardeado este mesmo porto um dia após a assinatura", reagiu o porta-voz da Comissão Europeia responsável pela política externa, citado pela Lusa.
Segundo Peter Stano, porta-voz principal do Alto Representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, "este é um primeiro passo bem-vindo para mitigar a crise alimentar global, que foi agravada pela agressão ilegítima da Rússia contra a Ucrânia e o bloqueio russo dos portos ucranianos".
O acordo assinado não limita as acções militares nos portos desde que não sejam visados navios civis ou a infra-estrutura essencial para os carregamentos de cereais.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.