O Inverno não trava a guerra moderna, é o Outono, tempo de chuvas abundantes, que impede o avanço dos carros de combate blindados e as peças de artilharia pesada, por causa do vasto lamaçal em que se transformam os campos ao longo da linha da frente de mais de 1.200 kms, mas tudo muda neste cenário russo-ucraniano com a chegada do gelo gerado pelas temperaturas que vão além dos 20 graus negativos em muitos destes locais, permitindo a solidificação dos solos que se transformam em vias rápidas para as unidades móveis do equipamento militar utilizado pelas forças em conflito, sejam os ucranianos, sejam os russos.

Para já, é esse o entendimento que parece estar a substituir o até aqui dado como certo, que o Inverno iria impor um tempo de semi-tréguas, como tem sublinhado por estes dias o major-general Agostinho Costa, especialista militar que comenta este conflito na CNN Portugal e na RTP3, que tem apontado nas suas análises para uma nova fase da guerra na Ucrânia, onde antecipa o aproveitamento do Inverno, com o chão duro e gelado, para que as forças russas, depois de fustigarem quase todo o território ucraniano com uma chuva intensa e contínua de misseis e drones "kamikazes" de longo alcance, entrem agora numa nova ofensiva terrestre, provavelmente para acabar por ocupar as áreas que falta controlar nas repúblicas de Lugansk e Donetsk, no Donbass, e ainda no oeste ucraniano, mais próximo da fronteira da Polónia, para cortar as linhas de abastecimento da NATO/EUA ao esforço de guerra ucraniano.

Para já, segundo as últimas declarações dos responsáveis da NATO e dos Estados Unidos, de longe o maior apoiante da Ucrânia, investindo, dependendo das fontes, de 20 mil milhões a perto de 100 mil milhões USD em apoio financeiro e equipamento militar enviado para Kiev, o apoio não vai parar, pelo contrário, será intensificado, como o sublinhou o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, horas antes de mais uma Cimeira de ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO em Bucareste, na Roménia.

Stoltenberg, que tem desempenhado o papel de falcão de guerra ocidental no esforço que europeus e norte-americanos desenvolvem para fragilizar a Rússia, militar e economicamente, desde que Moscovo invadiu a Ucrânia a 24 de Fevereiro, fez saber que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) vai intensificar o seu apoio aos ucranianos ao longo do Inverno, deixando, no entanto, uma ideia que permite diversas leituras, que é o facto de esta organização militar ocidental criada em 1949 para suster o avanço da então URSS na Europa ocidental, ir aproveitar este encontro na capital romena para "definir um novo conceito estratégico" para fazer face aos russos no leste ucraniano.

Nova estratégia, mais apoio norte-americano

Anunciar um novo conceito estratégico poderia pressupor uma nova abordagem ao conflito para redireccionar os esforços do terreno para a mesa das negociações, mas não parece ser essa a ideia de Washington, tendo os norte-americanos já feito saber que estão a preparar um novo e reforçado pacote de apoio financeiro à Ucrânia para, dizem, garantir uma resposta do regime de Kiev às necessidades de recuperação das infra-estruturas, especialmente energéticas e vias rodoviárias e ferroviárias, destruídas pelos ataques russos com misseis de longo alcance.

O reforço da frente militar tem sido um esforço continuado por parte dos EUA, que, ao longo dos nove meses de guerra, anunciam semana após semana, novos envios de equipamento, incluindo material de tecnologia de ponta, contando-se em destaque os portáteis misseis antiaéreos Stinger ou antitanque Javelin, bem como os famosos sistemas de misseis de longo alcance e precisão milimétrica HIMARS ou ainda os obuses M777, além de sistemas de defesa antiaérea, seja, americanos, sejam alemães, italianos, franceses...

Porém, uma janela de oportunidade...

... pode ser entreaberta neste encontro de alto nível da NATO na capital da Roménia, visto que os americanos, desta feita, anunciam um investimento "financeiro" e não militar (já o Canadá escolheu a linha militar, mas já lá vamos...), o que alguns analistas admitem que possa querer dizer que Kiev pode contar com o apoio firme dos seus aliados na recuperação do país, parcialmente devastado por esta guerra, reconstrução de vias ferro e rodoviárias incluídas, bem como as linhas de transporte de energia...

Os detalhes deste apoio financeiro avultado dos EUA à Ucrânia só serão conhecidos nas próximas horas, depois de explicado pelo Secretário de Estado Antony Blinken, aos participantes, os 30 membros da NATO, em Bucareste, mas o The Guardian já avançou a informação, que recebeu de um membro sénior da Administração norte-americana, de que se trata de uma "verba muito elevada" e que "não será o fim da linha" deste apoio mas sim o princípio.

E a janela de oportunidade surge pelo facto de um investimento desta envergadura na recuperação e reconstrução fazer pouco sentido quando aquilo que for levantado do chão poder ser derrubado no dia seguinte or mais uma chuva de misseis russos enviados de grandes distâncias pelos seus misseis de precisão elevada e de grande precisão, como os Iskander e os Kalibr, ou ainda através dos drones "kamikaze" Made in Iran...

A outra brisa que sopra da Europa ocidental e pode manter aberta a janela de oportunidade para a paz é a insustentável crise económica que varre as grandes economias mundiais ocidentais, desde logo na União Europeia, mas também nos Estados Unidos, com a inflação a bater recordes e a recessão já instalada na Alemanha, Suécia, Itália...

Mas há mais. E não é pouca coisa. Começa a crescer na Europa um movimento de contestação à forma como a economia europeia está a ser rapidamente deteriorada por esta guerra, muito por causa da questão da energia, com as sanções sucessivas que estão a impedir a compra "normal" de gás natural e crude à Rússia, para que estes sejam adquiridos nos Estados Unidos a preços que chegam a ser quatro vezes mais caros.

O foco desta contestação está em Paris, mas com a Alemanha logo a seguir, tendo o Governo francês do Presidente Emmanuel Macron já feito saber às claras que começa a ser injustificável o prejuízo para a indústria europeia e as vantagens claras dos norte-americanos.

Isso mesmo foi avançado pelo Politico, um dos mais prestigiados media norte-americanos de análise política internacional, que há dias publicou um artigo onde aborda de forma profunda esta questão, descrevendo uma crescente fúria europeia face aos ganhos de Washington com as consequências desta guerra, sendo especialmente destacada a questão energética, porque os EUA estão agora a vender aos europeus o seu gás natural extraído peal indústria do "fracking" a um preço quatro vezes superior ao que era comprado à Rússia.

Para este sentimento de insatisfação rugosa dos europeus para com os norte-americanos, ainda segundo o Politico, está a questão do negócio do armamento, com a indústria militar dos EUA a obter encomendas milionárias umas atrás das outras devido a este conflito, especialmente pela forma como os países ocidentais estão a ser conduzidos para uma situação de "obrigação" de adquirir as armas que enviam para apoiar os ucranianos aos fabricantes norte-americanos quando existe igualmente uma indústria capaz de responder a essa demanda na Europa e esta está a ser ostracizada neste negócio bilionário que beneficia apenas Washington.

Por outro lado, e não menos importante, os europeus estão irritados com a legislação recente feita aprovar pela Administração Biden para apoiar a indústria norte-americana que se está a impor como concorrência desleal ao bloquear qualquer possibilidade de as companhias europeias puderem competir neste cenário que está a ser erguido com, entre outra, a Lei Anti-Inflação e os seus inerentes incentivos financeiros atirados para cima das empresas americanas.

Europeus fartos do conflito, o Canadá quer mais guerra...

... e isso pode ser uma fonte de atrito entre os membros da NATO que estão reunidos até quarta-feira, 30, em Bucareste, na Roménia.

A ministra dos Negócios Estrangeiros do Canadá, Melanie Joly, em declarações aos jornalustas, não podia ser mais clara: "A NATO vai apoiar militarmente a Ucrânia para que as suas forças aguentem este Inverno com segurança".

"A Rússia não está na mesa das negociações de todo e, por isso, o nosso objectivo é agora reforçar as capacidades ucranianas no terreno através de ajuda militar, apoio na área da intelligentsia e apoio financeiro", disse a responsável pela diplomacia do Canadá, em declarações que, se por um lado, surgem alinhadas, por exemplo, com a postura do Reino Unido, que é claramente de apoio à continuação da guerra contra a Rússia, aparecem igualmente em contracorrente com aquele que é o cada vez mais audível sentimento europeu de urgência para acabar com a guerra.

Todavia, Melanie Joly também não fechou totalmente a janela de oportunidade para a paz, ao adiantar que este esforço de apoio à continuação da guerra, reforçandno as posições ucranianas, são "uma forma de consolidar a posição de Kiev quando surgir a possibilidade de uma solução negociada, como sempre sucede nas guerras, embora ainda não se esteja nesse ponto no caso ucraniano".

A guerra de trincheiras que faz lembrar a carnificina da I GM

Actualmente, no que toca ao conflito no terreno, é na região de Bakhmut, na província de Donetsk, uma das quatro - com LUgansk, Zaporijia e Kherson - integradas em Setembro na Federação Russa após referendos, que se travam os mais pavorosos combates, com o terreno pejado de trincheiras e cadáveres de um lado e do outro que fazem, segundo relatos da imprensa co acesso ao terreno, lembrar a carnificina da I Guerra Mundial na Europa /1914-1918) onde morreram centenas de milhares de soldados e civis para conquistar meros avanços de dezenas de metros no terreno.

Segundo é possível saber através dos relatos que chegam aos media internacionais, a área de Bahkmut está a ser palco dos mais selváticos confrontos desta guerra, num cenário que os analistas militares, como o major-general Agostinho Costa já considerou como sem sentido face ao preço que os dois aldos estão a pagar para procurar pequenos avanços que, no conjunto, são insignificantes, apesar de se tratar de uma cidade geograficamente estratégica.

Com o reforço de milhares de soldados russos, oriundos da mobilização recente, depois de semanas de treino, e das forças que estavam na cidade de Kherson, de onde os russos saíram há pouco mais de uma semana, a ofensiva em Bahkmut está, ligeiramente, a pender para o lado russo.

Este esforço em vidas e equipamento destruído, segundo os analistas militares, só fará algum sentido se as lideranças miliares de topo e políticas já souberem que se está na antecâmara de uma nova ofensiva negocial imposta aos ucranianos pelos Estados Unidos e as posições em que as forças de um e do outro lado estiveram no momento de se sentarem à mesa serão, provavelmente, consideradas como consolidadas.

Este cenário, plausível mas não garantido, faz com que as declarações incendiárias do regime de Kiev, como as do Presidente Volodymyr Zelensky, que quer ir passar férias à Península da Crimeia - ocupada e integrada na Rússia desde 2014 - na Primavera de 2023, não passem de meras ferramentas de desinformação e desvio das atenções, por exemplo, da frente de combate, onde Moscovo tem anunciado repetidamente a destruição de várias concentrações militares, sendo a última a de um campo de "mercenários" estrangeiros onde terão morrido mais de cem combatentes da denominada legião estrangeira ao serviço de Kiev.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.