A Organização do Tratado do Atlântico Norte, criada em 1949 para se opor ao avanço da então União Soviética, liderada pelos Estados Unidos, considerou a Ucrânia palco de uma das histórias épicas deste século.
Para definir este território colorido pela imaginação como o seu "campo de batalha", a NATO autodenominou-se como o mágico Harry Potter dos livros de J. K. Rowling, o herói nacionalista escocês do século XIII que muitos historiadores dizem não ter existido, William Walllace, entre outros heróis que protagonizaram obras ficcionadas.
Vincou bem neste tweet que os bons lutam contra os "maus" e deu igualmente exemplos lendários, ficcionados por Hollywood ou pela Marvel, como Thanos (na foto), um malicioso e poderoso senhor da guerra que contracena com o Homem de Ferro, ou o Barão Vladimir Harkonnen, um líder perverso dos Harkonnens, do filme de ficção científica Dune...
Mas, no terreno, a morte e a violência é cada vez mais a sério e a chegada do "gigante asiático" ao "palco" dos protagonistas principais do "filme" do conflito no leste europeu ameaça levar o risco da sua mundialização para um patamar mais elevado, que nem o mai prolífico cérebro do mundo da ficção poderá alguma vez reproduzir.
Primeiro, porque os serviços secretos, a sério, não dos filmes citados pela NATO, dos EUA e do Reino Unido, têm estado, nestes dias, a divulgar que a China está a preparar entrar nesta guerra indo além da parceria estratégica e ilimitada com Moscovo, com a entrega de armas ao Kremlin.
Segundo, porque Pequim tentou colocar-se numa posição de mediador com a apresentação de um roteiro para a paz que acaba de ser recusado pela Federação Russa, com o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, a sublinhar que "ainda não estão reunidas as condições mínimas para a paz" efectiva e sustentável.
Peskov procurou com empenho não melindrar Pequim, dizendo, já esta segunda-feira - o plano chinês foi apresentado na semana passada - que a sua proposta foi e está a ser analisada com toda a atenção mas que se trata de "um longo percurso" e que, neste momento, no actual cenário, "não estão reunidas as condições para que as coisas levem o caminho da paz", anunciando que "a operação militar" vai continuar na Ucrânia.
União Europeia aos quadradinhos...
Foi um banho de realidade entre uma narrativa marcada pelo recurso ao imaginário, como foi o caso da mais poderosa organização militar do mundo, como se a realidade não fosse já ela bastante "colorida" com as chamas e o sangue nas trincheiras do leste europeu... só que ainda não estava fechado o livro das "historinhas".
A União Europeia, um dos maiores blocos económicos do mundo, também entrou de novo na senda das histórias aos quadradinhos, com "tiras" da realidade misturadas com pura ficção, como é o 10º pacote de sanções à Rússia, onde, como lembrou o analista militar da CNN Portugal, major general Agostinho Costa, faz voz grossa nos media, apontando castigos a figuras russas meores dos negócios e dos meios de comunicação...
E, depois, deixa de fora os negócios da energia nuclear, onde a russa Rosatom é uma das maiores fornecedoras de material radiactivo para as centrais nucleares europeias e norte-americanas, a borracha sintética, um produto dos hidrocarbonetos fundamental para a indústria russa, mas também do ocidente, ou ainda os diamantes, porque a Bélgica não deixou que estes fossem incluídos...
Neste 10º pacote de sanções, que todos os analistas menos alinhados com a "ficção" ocidental admitem que estão a ser dribladas facilmente por Moscovo, com a troca dos clientes ocidentais por asiáticos nos itens essenciais, como os combustíveis fósseis, gás e petróleo, a União Europeia diz que foram alvejados personagens importantes ligadas ao circulo próximo de Putin, mas também o Irão foi atingido devido ao fornecimento de armamento à Rússia, como os famosos drones kamikaxe.
E sobre as novas restrições à importação de produtos electrónicos como os microchips, Bruxelas esquece que tudo isso chega facilmente aos russos pelo lado oriental do mundo ou pelas antigas repúblicas soviéticas da EurÁsia... e no que diz respeito à maquinaria, a China é a "fábrica do mundo".
Outra ficção...
... é a protagonizada pelos países que amiúde pugnam pela criação de processos para levar a Rússia ao Tribunal Penal Internacional quando é sabido que nem a Federação Russa nem os Estados Unidos assinaram os tratados que reconhecem a sua existência.
Como é igualmente ficção as sucessivas votações no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, onde estas não são vinculativas, embora exponham Moscovo aos crimes registados e conhecidos, incluindo injustificados bombardeamentos de áreas civis sem, que isso fosse conhecido, a presença de alvos militares, embora o mesmo exista do lado ucraniano e não sejam conhecidas iniciativas para castigar os autores desses crimes, como, por exemplo, a divulgação de vídeos onde militares de Kiev executam a sangue-frio solados russos desarmados e no chão...
Esta votação no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, nesta segunda-feira, acontece dias depois da Assembleia-Geral ter votado mais uma resolução a condenar a invasão russa e a exigir a retirada incondicional das tropas de Moscovo de todo o território ucraniano.
Esta exigência, da duas uma, ou é outra ficção ou pode ser o garante para a eternização desta guerra, porque, por um lado, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já disse que não abdica da condição de soberania total em todo o território da Ucrânia, incluindo as cinco províncias anexadas por Moscovo - Crimeia (2014), Donetsk. Lugansk, Kherson e Zaporijia, esta quatro em 2022 - enquanto Vladimir Putin diz que nem sequer admite a possibilidade de falar sobre a ideia de abdicar destes territórios como parte inteira da Federação Russa.
O problema é que a NATO/União Europeia/Estados Unidos já disseram que vão estar com Kiev até onde for preciso, e o Kremlin já deixou claro que o seu arsenal nuclear saíra dos paióis em caso de ameaça existencial ao chão russo... o que deixa o mundo, se estas palavras não tiverem sido... ficção, à beira de um Armagedão nuclear, porque tanto Putin como o Presidente dos EUA. Joe Biden, desde o início desta guerra dizem que um confronto directo entre Washington e Moscovo rapidamente e sem alternativa, evoluirá para um conflito atómico devastador.
Uma acha para a fogueira foi ainda posta por António Guterres, que, apesar do cargo de Secretário-Geral da ONU lhe dar responsabilidades acrescidas, apontou hoje do dedo aos russos como sendo autores da maioria das violações de direitos humanos de sempre.
Guterres disse ainda que se está a viver uma agressão tremenda à Declaração Universal dos Direitos Humanos e que é agora que se escolhe o lado certo da história, deixando claro que o seu foi escolhido... contra a Rússia.
Putin, o criador de ficções...
... não menos dado às coisas do imaginário é o chefe do Kremlin, com as suas veladas ou directas referências ao heróis da "mitologia" russa, como Pedro o Grande ou Catarina, a Grande, monarcas do (sec. XVIII) que contribuíram fortemente para a expansão geográfica da Rússia e que, em declarações feitas esta segunda-feira numa TV russa, acusou o ocidente de querer "destruir a Federação Russa", desmembrando-a.
Vladimir Putin sublinhou nesta entrevista à TV Rossya, que os parceiros da NATO têm repetido que o seu objectivo com esta guerra na Ucrânia e garantir uma "derrota estratégica" aos russos, o que é verdade e foi dito várias vezes na voz da presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, ou do Secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, ambos admitindo a possibilidade de a maior potência nuclear do mundo poder perder uma guerra...
Segundo esta versão da "banda desenhada" do Kremlin, os ocidentais querem "desmembrar a Federação Russa" para, depois, já repartida em diversos Estados, serem, separadamente, acolhidos no "chamado mundo civilizado" de forma a que o mundo possa continuar "nos seus termos, nos seus interesses e no seu domínio que se perpetuaria".
E Putin diz que estas suas palavras não são fruto do seu imaginário fértil, que há provas escritas da estratégia para a evolução da geografia mundial nos EUA onde se preconiza a divisão da Federação Russa em Estados em Moscovo, a parte ocidental, nos Urais, e noutras regiões da vasta Federação Russa que hoje é o maior pais do mundo, um dos mais ricos em recursos naturais, atravessado por 11 fusos horários e com o maior poderia nuclear do planeta.
Para garantir que isso não acontece, o ficcionista Putin saiu do Tratado de Nâo Proliferação Nuclear START, na passada semana, como forma de poder alargar ainda mais o seu poderio... sustentando que não ignora a capacidade nuclear da NATO mas parecendo ignorar que num confronto atómico entre os dois lados desta barricada, não sobraria nada parecido ao que existe hoje quando se olha para o mapa do mundo...
Medvedev, o fala-barato
Neste capítulo, outro dirigente russo com muita imaginação, protagonista de algumas das declarações mais estranhas desde o início da guerra, o antigo Presidente russo, Dmitri Medvedev, voltou ao palco e não deixou de voltar a surpreender.
Conseguiu a atenção do mundo aa prometer um Armagedão nuclear se a Rússia perder a guerra, refinando as palavras com a ideia de que o ocidente está a colocar em causa a existência humana ao ameaçar a existência da federação Russa.
"O ocidente vive na ilusão se pensa que, depois de levar a URSS ao colapso, poderá enterrar a Federação Russa sem enfrentar problemas enormes para si mesmo" ao incendiar a Ucrânia contra a Rússia, disse ainda Medvedev, sublinhando que isso são "perigosas ilusões".
"Se o assunto da existência da Rússia for colocada na mesa de forma séria, este assunto não será decidido na Ucrânia, será decidido de forma directa e com a questão da própria existência humana em questão", acrescentou o actual vice-presidente do Conselho Nacional de Segurança da Federação Russa.
... pode uma guerra sem futuro ter futuro? Não!
Esta guerra não tem futuro, está condenada a ser "fuzilada" por um acordo de paz porque ninguém a pode vencer. Como todas as outras, também esta acabará na trincheira das negociações. Até lá, vai "só" mudar o mundo tal como o conhecemos. E isso não é ficção...
O leste da Ucrânia - como o ocidente vê o campo de batalha -, as novas fronteiras da Federação Russa - como é visto a partir de Moscovo -, é o palco de uma guerra com todos os condimentos de um confronto tradicional, mas nela está muito mais em jogo que os ganhos territoriais sobre a trincheira do inimigo: é uma nova balança de poderes globais que está a ser desenhada a sangue e lágrimas.
Pouco depois de 24 de Fevereiro de 2022, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, e da China, Wang Yi, estiveram reunidos para definir como objectivo estratégico da sua parceria "ilimitada" a reconfiguração da Ordem Mundial, visando substituir a actual, baseada em regras, por uma definida pela sujeição a uma multipolaridade de centros de decisão e à cooperação.
A actual Ordem Mundial é fruto do "estirador" dos vencedores ocidentais da II Guerra Mundial, com os Estados Unidos a liderar o ocidente, definindo as "regras" para as quais criaram os "vigilantes" globais, desde o Banco Mundial e o FMI, às próprias Nações Unidas, onde o ocidente tem a maioria do Conselho de Segurança, o coração da ONU para todos os efeitos, ou a NATO.
Quando os líderes ocidentais, do Secretário da Defesa dos EUA, Loyd Austin, à presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, dizem que a Rússia "tem de ser derrotada no campo de batalha", o que estão a dizer é que derrotar os russos é a única forma de impedir o triunfo do eixo Pequim/Moscovo na construção de uma Ordem Mundial fora do controlo directo do ocidente alargado.
Mas e se Kiev claudicar neste conflito que se trava há um ano, faz precisamente nesta sexta-feira, 24, um ano?
Embora seja impossível de adivinhar o futuro, é razoável admitir que o eixo Pequim-Moscovo, caso o ocidente colapse no seu esforço de guerra de braço dado com a Ucrânia, se alargará e poderá agregar outras capitais, com algumas potências médias, como a África do Sul, ou grandes, como a Índia, neste horizonte, tendo, então, mais força para levar aos grandes palcos mundiais a proposta de alterar a Ordem Mundial forjada pela pena do ocidente por uma outra, onde sobressaia como azimute a multipolaridade e a cooperação inter pares.
Se esta nova ordem triunfar, não é possível saber se será melhor, ou, pelo menos, mais justa, que aquela que vigora desde os anos de 1950, mas sabemos que a que existe levou a um mundo onde quase metade da Humanidade - 8 mil milhões de pessoas - nasce com fome e morre com fome, acorda sem cumprir os seus ideais e vai dormir sem poder sonhar com dias melhores...
O mais certo é que não se chegue tão longe e o conflito termine sem um vencedor no campo de batalha, triunfando, finalmente, o bom senso. Como será o novo desenho da geografia russo-ucraniana, ninguém pode saber, para já, mas a Ordem Mundial que nos Governa há 70 anos, tem os dias contados... seja de forma radical, seja com acertos de agulhas feitos no day after ao aordo de paz que vai ser, sem dúvida, assinado entre russos e ucranianos, mais cedo ou mais tarde...
Nesse caso, não veremos mudanças drásticas, veremos, seguramente, novas vozes, mais justiça, e é em África onde está mais será apreciada... Isto, se um catastrófico "cisne negro" nuclear não atravessar o espaço aéreo da decência mínima...
Esta guerra, que não pode ter vencedores fulgurantes, vai mudar muito mais que fronteiras de dois países, vai mudar o curso da História. E África, se houver visão, pode ser um dos vencedores do... futuro!
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.