O mundo está com expectativas reduzidas para a 3ª ronda negocial entre as comitivas enviadas por Moscovo e por Kiev para mais uma tentativa de afastar as armas e encontrar espaço para que o dialogo aterre neste conflito com todo o peso da razão, mas já são poucos os que acreditam que isso possa acontecer... a não ser que o Presidente chinês, Xi Jinping decida tomar as rédeas da intermediação.

Se Xi Jinping o fizer, não é só o principal aliado de Vladimir Putin que vai estar a procurar pressioná-lo para uma saída negociada desta guerra que está, além da já evidente tragédia humana, à beira de levar o mundo para a sua mais catastrófica crise económica em séculos; é também a mais sólida "firewall" para que os EUA e as potências europeias, como o Reino Unido, o mais feroz opositor externo a Putin, mantenham um mínimo de cautelas na forma como abordam este tema.

Isto, porque a China é, não só uma das maiores potências militares, a segunda maior economia do mundo e Pequim é hoje, devido aos estratégicos investimentos no mundo menos desenvolvido, a capital com maior capacidade de influenciar o globo no seu pendular movimento de um para outro lado conforme o valor atribuído às potências-chave para o seu equilíbrio, como é o caso de África ou da América Latina.

Além disso, Pequim já advertiu EUA e UE que não vai deixar cair o seu aliado, a Rússia, mantendo o fluxo comercial desde a compra massiva do petróleo e gás russos, nem vai deixar de exportar aquilo de que Moscovo precisar para manter a sua indústria funcional ou bens alimentares, sendo igualmente válido o inverso.

Alias, esta entrada da China no complexo processo negocial é essencial para uma boa parte do mundo, desde logo porque os países menos robustos economicamente, nos continentes africano, asiático e americano, são quem mais vai, a prazo mais ou menos acelerado, sofrer as mais severas consequências. Exemplos claro disso são os cereais, onde a Rússia e a Ucrânia são os maiores produtores mundiais e é dali que lhes chega o "pão", mas também os fertilizantes, ou ainda no que toca à inflação dos bens mais essenciais, como os combustíveis.

Pequim não deixa cair Putin

O ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Li, reafirmou, numa conferência de imprensa periódica, que a amizade com a Rússia "continua muito forte" apesar das condenações internacionais da sua invasão da Ucrânia, admitindo que Pequim está dispon+ivel para abordar a possibilidade de mediar as conversações de paz.

Wang disse ainda que a a Rússia é o parceiro estratégico "mais importante" da China, o que não pode deixar de ser visto, a par da recusa da condenação da invasão à Ucrânia, como um desafio e uma advertência claros ao ocidente, especialmente ao EUA, país que persiste numa diplomacia agressiva com Pequim no âmbito da complexa questão de Taiwan.

A posição de Pequim já era, no entanto, conhecida, como sendo de uma complexa equidistância, visto que se tem abstido nas votações nas Nações Unidas onde a opção militar russa é condenada, seja no Conselho de Segurança, seja na Assembleia Geral, mas com repetidas afirmações de que não alinhará com qualquer medida sancionatória a Moscovo, porque, alega, não têm suporte na lei internacional nem sequer existe a possibilidade de poderem influenciar o rumo do conflito.

"A amizade entre os dois povos é sólida como uma rocha e ambos os países perspectivam uma cooperação vasta e mutuamente vantajosa", atirou Wang nesta conversa com jornalistas de todo o mundo, admitindo, contudo, dar uma resposta positiva aos que, como Josep Borrel, o responsável pela diplomacia europeia, anseiam por ver Pequim como intermediário nas conversas que decorrem entre Moscovo e Pequim.

O negócio energético

No capitulo energético, por exemplo, o custo em persistente agravamento dos combustíveis, está já a levar a forte contestação, mesmo nos países mais desenvolvidos, como os europeus, onde, por exemplo, em Espanha e em Portugal, estes aumentaram já mais de 20% em escassas semanas.

Angola, que tem no crude a sua principal matéria exportadora, mais de 90%, cerca de 35% do PIB e mais de 55% das receitas de funcionamento do Estado, e que tem nestes preços estratosféricos um alívio para as suas contas públicas, apesar de a produção nacional estar a níveis historicamente baixos, perto dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd) - em 2008, quando os valores bateram recordes de sempre, nos 147 USD por barril, a produção nacional estava nos 1,8 mbpd -, é um dos grandes "beneficiados" desta crise global, mesmo que, por outro lado, esteja a pagar substancialmente mais pelos combustíveis e outros refinados importados, que é largamente a maior parte do consumo anual.

O problema nuclear

Uma das principais dores de cabeça da Europa neste 13º dia de guerra na Ucrânia é a questão nuclear, com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a acusar as forças russas de terem feito o mundo correr um risco descomunal quando atacaram a centra nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa, que já está sob controlo de técnicos enviados por Moscovo, mas que o Kremlin, através dos comunicados diários feitos pelo Ministério das Defesa, refuta, afirmando que as explosões sentidas foram da autoria de radicais nacionalistas ucranianos com o propósito de atirar as culpas para as forças russas.

Enquanto Kiev diz que a Rússia tem um plano para atacar as restantes centrais nucleares, colocando em risco toda a Europa, lembrando a tragédia de 1986, em Chernobyl, a Rússia, segundo uma notícia da agência TASS, vem agora alertar a comunidade internacional para um "plano elaborado pelo batalhão de Azov - um grupo militar com conotações nazis na sua criação - que consiste em fazer explodir o reactor do Centro de Pesquisa e Investigação Física de Kharkov".

Este plano", ainda segundo Moscovo, visa libertar uma quantidade de radioactividade controlada à região circundante de forma a colocar a responsabilidade nas forças russas, contando com a participação dos media ocidentais para a divulgação desse "acidente".

Mas, no capítulo mais alargado deste problema, a Agência Internacional de Energia Atómica já veio sublinhar que existe um risco acrescido com os ataques a estas centrais - existem seis activas na Ucrânia - mas que, até agora, não foram registados quaisquer aumentos de radioactividade devido aos confrontos".

Uma explosão num dos reactores nucleares espalharia de imediato, como sucedeu em Chernobyl, em 1986, uma nuvem tóxica por toda a Europa, que matou, dependendo das fontes, entre 27 mil e 200 mil pessoas.

Estes números são tão dispares devido ao facto de em 1986 Chernobyl, no norte da Ucrânia, estar ainda sob domínio da União Soviética, onde estas questões eram tidas como segredos de Estado fortemente controlados.

Entretanto, no terreno...

As forças russas continuam a avançar em direcção às principais cidades ucranianas, cercando as maiores, como Kiev e Kharkiv ou Mariupol, com a quase totalidade da costa do Mar Negro sob seu controlo, faltando apenas tomar Odessa, a 3ª maior cidade do país e, provavelmente, a que tem maior importância económica devido ao seu porto marítimo, que é essencial para o sector exportador ucraniano, especialmente do sector agrícola e mineiro.

Mas o dia de hoje trouxe igualmente esperança a dezenas de milhares de pessoas que estão nessas cidades cercadas, com os russos e o Exército ucraniano a abrirem corredores humanitários para a sua saída em segurança, o que sucede apenas gora, com sucesso aparente, depois de duas tentativas anteriores, no sábado e Domingo.

No mapa das possibilidades, onde, como em todas as guerras, o possível é desenhado pelos avanços e recuos militares, de Moscovo chegam garantias de que o conflito só acaba quando a Ucrânia aceitar as condições da Rússia, e, ao mesmo tempo, Volodymyr Zelensky, que espera um maior envolvimento externo neste conflito, tendo mesmo pedido apoio aéreo aos países da NATO - o que Putin diz ser garantia de uma guerra nuclear - fez saber que a Ucrânia não abdica da sua soberania em todo o territorio do país.

As conversas de Macron

Segundo uma notícia da Lusa, o Presidente Emmanuel Macron falou com Vladimir Putin para "garantir" a segurança das centrais nucleares na Ucrânia e também para exigir o fim do conflito, relembrando ao líder russo as regras de tratamento dos civis durante conflitos armados

"A chamada do Presidente Emmanuel Macron a Vladimir Putin tinha um objetivo principal, que era garantir a segurança das centrais nucleares na Ucrânia. Para além disso, era importante transmitir ao Presidente Putin as suas preocupações e exigências em termos humanitários e políticos para que ele se comprometa, finalmente, com uma negociação que coloque um ponto final às operações russas", disse fonte do Eliseu aos jornalistas.

Vladimir Putin respondeu que "não tem intenção" de atacar as centrais nucleares russas, tendo-se mostrado disponível para continuar a cumprir as regras da Agência Internacional de Energia Atómica e rejeitando que as forças russas tenham atacado a central nuclear de Zaporizhia esta semana.

O líder russo disse aceitar uma cooperação mais próxima com o diretor da Agência Internacional de Energia Atómica, Rafael Mariano Grossi. O dirigente desta organização da energia nuclear reuniu-se esta semana com urgência com Emmanuel Macron.

O chefe de Estado francês frisou ainda que "é necessário que o direito internacional seja plenamente respeitado" e que isso significa que a proteção dos civis "deve ser organizada", permitindo assim ajuda humanitária, nomeadamente rotas de fuga seguras para os ucranianos que desejem abandonar Mariupol.

Ainda segundo fonte do Eliseu, Putin retorquiu que a "responsabilidade é dos ucranianos de deixarem ou não sair as populações das cidades" e Macron disse que o mais correto seria fazer uma "pausa humanitária" nos combates para permitir a saída dessas pessoas.

Os termos do fim da invasão voltaram a ser enumerados por Vladimir Putin ao longo desta conversa de uma hora e 45 minutos, incluindo a desnazificação da Ucrânia, com o líder do Kremlin a repetir também que os seus objectivos serão atingidos "quer por negociações quer através da guerra".

Tentando novos esforços para negociações, Macron lembrou que isso terá um custo também para a Rússia e que seria melhor voltar à mesa de discussões.

Emmanuel Macron vai falar ainda esta tarde com Volodymir Zelensky e também com o primeiro-ministro israelita, Naftali Bennett, que esteve em Moscovo no sábado.

Guterres pede bom senso...

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, veio dizer, entretanto, que é "absolutamente fundamental" encontrar forma de garantir um intervalo nos combates para que seja possível a evacuação dos civis nas cidades cercadas exército.

Guterres quer ainda garantias de os corredores humanitários vão, finalmente, ser criados e com condições para que cumpram os seus objectivos, que é permitirem a saída das pessoas aflitas que se encontram no interior de cidades cercadas.

O périplo de Blinken

Mas também na linha da frente do combate diplomático está ainda o Secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, cujo périplo europeu já o levou à Polónia, a Moldávia e a Roménia, estando previstos encontros com o Presidente francês e o chanceler alemão, Olaf Scholz.

Blinken tem como agenda única a questão do conflito na Ucrânia e subtema igualmente único a consolidação da frente UE-EUA contra a Rússia, nomeadamente na solidez das sanções a aplicar. Um dos pontos quentes deverá ser quando o norte-americano se confrontar com a noticiada recusa de Berlim de alinhar no boicote ao crude e gás russos.

Isto, porque, como o admitiu o Presidente dos EUA, que tem estado menos activo nesta frente externa da política norte-americana, a questão da proibição da importação de crude russo está em cima da mesa.

Contexto

A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte vital das suas garantias de segurança soberanas, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem ao grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados a sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 35%. Estas sanções abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.