Numa guerra, a verdade é a primeira baixa e nesta já foi "abatida" há cinco dias, tantos quantos tem o conflito. A frase batida nunca fez tanto sentido como nesta invasão russa à Ucrânia, que já vai no 5º dia, onde a linha da frente dos combates já está à vista do centro da capital, Kiev, segundo Moscovo, mas com as forças ucranianas a repelirem com sucesso as colunas militares russas.
Os Ucranianos falam em feroz defesa do território, de Moscovo chegam garantias de que os objectivos estão todos a ser conseguidos. A verdade, essa, está esmagada debaixo dos escombros provocados pelas batalhas, mas a paz espreita hoje como nunca desde que esta crise começou.
O lugar nem chega a constar dos mapas, mas pode ser o centro do mundo nas próximas horas. Sabe-se que fica ainda em território bielorrusso, junto à fronteira com a Ucrânia, na margem do Rio Pripyat, um afluente do Dniepre, o grande rio que nasce na Bielorrússia e desagua no Mar Negro, dividindo a Ucrânia em dois pelo caminho, e é ali que as comitivas enviaadas pelo Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, se vão encontrar para, sem condições definidas antecipadamente, encontrar uma forma de acabar com este conflito... antes que seja tarde.
De um lado e do outro, as expectativas são baixas, traduzidas por silêncio de Moscovo sobre o formato que um acordo possa ter, e de Kiev, claramente a transpirar escassa esperança num resultado que permita travar a guerra, mas o mundo está consciente de que já existe pouco tempo para que a humanidade não comece a caminhar no fio da navalha nuclear.
Isto, porque Vladimir Putin, face ao avolumar de sanções por parte do ocidente, da União Europeia aos EUA, Austrália, Japão... do envio de milhares de soldados e toneladas de equipamento bélico, incluindo navios e aviões, da NATO para junto das suas fronteiras no leste europeu, mandou colocar todo o seu sistema de defesa nuclear em alerta máximo, o que, não sendo propriamente a antecâmara de uma guerra nuclear, é um passo nessa direcção que não deve ser ignorado.
E parece que não foi ignorado, até porque o Presidente dos Estados Unidos, que tem mantido um silêncio ensurdecedor nas últimas 48 horas, marcou, também para hoje, uma reunião dos aliados, ou seja dos membros da NATO, que é a Aliança Atlântica criada em 1949 para fazer frente à então União Soviética e ao seu Pacto de Varsóvia, cuja confrontação resultou na "Guerra Fria" que se extinguiu em 1992 com o colapso da então URSS mas que deixou para trás a NATO, que continuou a crescer aglutinando os países do antigo bloco comunista, instalando-se à porta da Rússia, que é a provocação e a ameaça inultrapassável que Putin já vinha a dizer desde pelo menos 2007 que não podia tolerar que continuasse porque punha em causa a segurança e a sobrevivência da Rússia.
Com as negociações de uma possível adesão da Ucrânia à NATO, cujos estatutos, no seu famoso Artº 5º, garantem que todos os membros, 30, entre estes três potências nucleares, EUA, França e Reino Unido, se obrigam a sair em ajuda ao "aliado" que estiver em conflito com um país terceiro, o senhor do Kremlin optou por agir e levou a esta invasão da Ucrânia, que diz ter como objectivos únicos a sua desmilitarização, garantir que se mantém como Estado neutro e fazer desmoronar a estrutura neonazi que alicerça o actual poder em Kiev.
Se do encontro entre os aliados da NATO convocado por Joe Biden, a não ser que dali surja uma surpresa, se espera um avolumar das ameaças à Rússia, seja na forma de sanções, que já chegaram ao seu núcleo duro, que é retirar pouco a pouco o país do sistema SWIFT, uma espécie de corredor prioritário para as transacções financeiras e pagamentos internacionais, e ainda o acrescento de força à força da NATO junto ao território russo, na pequena localidade de nome intraduzível junto às fronteiras da Bielorrússia, Ucrânia e Rússia, pouco a norte de Chernobil, onde se situa a famosa central nuclear que explodiu na década de 1980 e devia servir como exemplo para o que representa uma inimaginável guerra nuclear, onde as delegações de Moscovo e de Kiev, sob a intermediação do Presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, reside a esperança da humanidade de um travão à fundo na caminhada assassina da guerra.
Há, no entanto, sinais de que a haver um caminho para paz desenhado num mapa que ainda não existe, este não vai surgir sem fricção.
Isto, porque Zelensky já disse que não acredita muito num acordo de paz com a Rússia e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, ainda foi mais drástico, afirmando que Moscovo só aceita negociar porque a sua "Guerra relâmpago não está a resultar no terreno" como esperavam, enquanto do lado russo, se garante que "todos os objectivos foram alcançados", que os centros das cidades não são o objectivo, que o avanço das colunas militares foram limitados para dar espaço às negociações e que se estas não tiverem sucesso, esta denominada "operação especial" voltará aos carris...
Para já, este encontro nas margens do pequeno rio que desagua no gigante Dniepre, é a mais forte possibilidade de parar com os confrontos.
Mas esse processo pode estar a ser contaminado a partir de fora, porque se é verdade que a Rússia é uma potência militar incomensuravelmente superior à Ucrânia, e, por isso, o avanço das suas colunas pelo país está a ser relativamente rápido, as Forças Armadas ucrabianas estão a receber centenas de misseis terra-terra antitanque dos países da NATO, e ainda milhares dos famosos Stinger, que limitam muito a superioridade aérea das forças de Moscovo, o que pode levar Zelensky e os seus generais a pensar duas vezes na assinatura de um acordo porque este apoio externo de última hora tende a dar mais lastro a capacidade de defesa de Kiev.
Nas televisões internacionais estão, vindas já desta manhã, imagens de uma coluna de veículos militares com perto de sete quilómetros a caminho de Kiev, a partir do norte, o que, segundo os especialistas, é um avanço da força russo para um patamar que ainda não tinha sido atingido e que pode, igualmente, forçar as coisas na mesa das negociações.
Igualmente pungente são as filhas com milhares de carros com famílias ucranianas que se aproximam das fronteiras com a Polónia e a Roménia, tendo já as Nações Unidos a admitir que este conflito pode gerar mais de 7 milhões de refugiados nos países da União Europeia com fronteira com a Ucrânia.
Entretanto, também nas Nações Unidas se prepara a realização de uma Assembleia Geral extraordinária para debater esta crise no leste europeu, depois de o Conselho de Segurança ter visto negado uma resolução dos EUA chumbada devido ao veto da Rússia e à abstenção da China e da Índia.
Sobre este conflito, numa curta nota, Angola, através do Ministério das Relações Exteriores, veio a público defender um "cessar-fogo, primando pela solução pacífica do conflito".
"A República de Angola acompanha com preocupação os novos desenvolvimentos do conflito que opõe a Federação Russa e a Ucrânia", diz ainda a nota do MIREX.
"Este conflito, além de provocar danos humanos e materiais, tem resultado num clima de tensão entre os dois respectivos países, com proporções internacionais", o que leva Luanda a defender a observação de "um cessar-fogo, primando pela resolução pacífica do conflito, por via do diálogo político, em pleno respeito do Direito Internacional, conforme consagrado na Carta das Nações Unidas".
Os efeitos das sanções
Para já, sabe-se que as sanções e a própria guerra estão a devastar a economia russa, desde logo com perdas de 40% registadas na sua moeda, o Rublo, e as suas bolsas de valores a registarem perdas históricas.
Há ainda o congelamento das contas do Banco Central da Rússia, o que impede, por exemplo, o país de combater a desvalorização galopante da moeda nacional, porque o Governo deixa de poder usar as divisas, como o dólar dos EUA, para comprar rublos e, assim, inverter a sua quebra, podendo apenas aumentar os juros, coisa que já fez, mas medida que fica longe do necessário.
Mas estes efeitos tendem a ser diluídos pelo facto de o barril de crude estar hoje a subir substancialmente nos mercados, ao mesmo tempo que o gás natural. E a Rússia é um dos maiores produtores mundiais de um e de outro, sendo que fornece mais de 40% do gás consumido pela Europa e perto de 25% do crude, de que é responsável por mais de 9 milhões de barris por dia injectados nos mercados globais, sendo o segundo maior exportador do mundo.
Este cenário garante um caudal de divisas a entrar nos seus cofres que garante, por exemplo, que o país, com uma divida externa pequena, menos de 30% do seu PIB, mantenha reservas no valor de 650 mil milhões USD, suficientes para alguns anos de "normalidade" na sua economia, embora os efeitos sejam garantidos. E podem piorar se as sanções ocidentais aumentarem, como se espera que possa suceder se não for assinado um acordo sustentável para a paz.