O Presidente francês, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, vão ter de dizer ao Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, olhos nos olhos, que a guerra vai ter de acabar porque já é social e politicamente insustentável para os seus povos, devido ao ricochete da guerra que está a provocar uma inflação galopante, a gerar desemprego e, entre outros efeitos nefastos, o colapso nas bolsas e a quase estagnação económica quando se esperava o contrário depois de dois anos e meio de pandemia da Covid-19.

Ao mesmo tempo, os três lideres terão de se confrontar com a cada vez mais ruidosa exigência do Governo ucraniano de ver acelerada a entrada do país na União Europeia, embora seja um processo que, normalmente, demora décadas - a Turquia aguarda a conclusão desse processo desde 1987 - e de ver acelerada a entrega das armas pesadas que considera essenciais para fazer frente ao poderio das forças russas que a 24 de Fevereiro deram início à invasão da Ucrânia.

E sabem, Scholz, Macron e Draghi, que Zelensky não os quer em Kiev apenas para fazerem uma fotografia para as capas dos jornais e ecrãs de tv"s, quer resultados concretos em pelo menos três frentes: acelerar a entrada na União Europeia, garantir a lubrificação da engrenagem da entrega de armas e consolidar o apoio financeiro robusto para que o país, depauperado por mais de três meses de guerra, possa encarar a reconstrução das suas cidades e manter o Estado a funcionar.

Os três "chefes" europeus chegaram a Kiev manhã cedo nesta quinta-feira, de comboio, oriundos da fronteira da Polónia, pairando sobre eles uma nuvem negra de críticas por parte dos países do leste europeu que defendem um papel mais incisivo da NATO e da União Europeia no combate aos russos, Polónia e Bulgária, além dos países bálticos, como a Lituânia, a Estónia e a Letónia, e da Ucrânia, especialmente à Alemanha e à França, que vão procrastinando no processo de apoio militar a Kiev e uma alegada brandura excessiva na forma como ainda lidam com Moscovo e com o Presidente russo, Vladimir Putin.

E à sua espera estava um recado público e notório de Oleksiy Aristovych, um dos conselheiros de Zelensky, deixado nas páginas da imprensa alemã, sobre um fundado receio de Kiev de que os três líderes europeus estejam hoje na capital ucraniana para forçar o Governo ucraniano a aceitar um acordo a qualquer preço com a Rússia para acabar rapidamente com a guerra.

"O que eles nos vão dizer é que precisamos de acabar com a guerra rapidamente porque esta está a gerar problemas alimentares e económicos em todo o mundo e também que precisamos de salvar a face de Vladimir Putin", admitiu Aristovych ao alemão BIld.

Por detrás desta ideia estão as palavras de Emmanuel Macron, na quarta-feira, na Roménia, que defendeu isso mesmo e de forma clara, como nunca tinha sucedido desde o início da guerra, apontando como fundamental que se volte à mesa das negociações para que seja possível de imediato um cessar-fogo e de seguida um acordo de paz.

Alemanha e Itália são dos países mais dependentes do gás natural e do crude russos e a França vive uma das piores crises sociais e económicas em vários anos por causa da guerra e dos seus efeitos colaterais.

Recorde-se ainda que Macron, Scholz e Draghi chegam a Kiev dias antes de uma das mais importantes e esperadas reuniões do Conselho Europeu, que já não esconde ter de lidar com uma mudança na forma como os europeus estão a olhar para este conflito, pressionado claramente para que seja encontrada uma solução e que qualquer acordo por esta altura terá de consubstanciar uma perda de territórios para a Ucrânia, faltando saber o que podem os europeus desenbolsar para KIev de forma a que isso possa ser encarado e negociado.

Europeus mudam de linha forçados pelo custo de vida

E a provar os receios dos três líderes europeus está a primeira sondagem feita aos europeus sobre a forma como olham para esta guerra que revela uma clara mudança de posição, deixando um apoo quase generalizado para serem agora críticos e mais focados nos efeitos do conflito na sua qualidade de vida em processo de degeneração galopante, especialmente por causa do gigantesco aumento dos preços dos alimentos e dos combustíveis.

Estas palavras de Francisco, que se traduzem claramente numa procura de impedir o afunilar de potenciais saídas para esta guerra, encaixam igualmente num contexto europeu em que a generalidade das populações estão a substituir aquilo que nos últimos meses foi um apoio claro e inequívoco à Ucrânia por um posicionamento mais pragmático e determinado pelos efeitos devastadores do conflito no seu bem-estar social, que diminui dia para dia sob os "bombardeamentos" da inflação, as "rajadas" de desemprego e as "explosões" de preços nos combustíveis e na falta de bens nas prateleiras dos supermercados que é já visível a olho nu.

Isso mesmo é revelado numa sondagem que envolveu 10 países europeus realizada pelo Conselho Europeu para as Relações Internacionais (ECFR, na sigla em inglês)), onde fica claro a mudança de pensamento sobre este conflito, que está agora mais focado no custo de vida que no apoio aos ucranianos, embora uma larga percentagem se mantenha ainda coerente com essa avassaladora convicção inicial.

Como se pode ler no documento divulgado pelo ECFR, a união dos europeus sobre este tema está agora claramente fragmentada e o seu foco a mudar de forma acelerada do campo de batalha para a bolsa, com uma maioria clara a querer agora uma solução rápida para o fim da guerra quando ainda há alguma semanas essa maioria estava do lado do que queriam ver a Rússia severamente punida pela sua opção de invadir o país vizinho.

Embora, apesar das alterações, ser ainda alta a percentagem dos que apoiam a Ucrânia, a mudança para o lado do que já não suportam a guerra e as suas consequências na qualidade de vida, o impacto no seu bem-estar social, é por demais evidente nos 10 países onde esta sondagem foi conduzida: França, Finlândia, Portugal, Alemanha, Itália, Polónia, Roménia, Espanha, Suécia e Reino Unido.

Um dos autores do estudo, Mark Leonard, admite mesmo que se os europeus surpreenderam Moscovo com o seu apoio à Ucrânia, os problemas resultantes da guerra só agora estão a chegar de forma pesada e muito vai depender da capacidade dos Governos europeus conseguirem o apoio dos seus povos para as medidas políticas severas que vão ser obrigados a considerar e adoptar.

E uma das mais pesadas conclusões deste estudo é que a maioria dos europeus actualmente já só quer ver a guerra acabar, a sua vida voltar ao normal, mesmo que a Ucrânia tenha de conceder territórios aos russos.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da

Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 6 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.