O antigo primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, da coligação de extrema-direita que suporta o governo de Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni, vem agora propor que os Estados Unidos definam como condição para manter o apoio, evoluindo depois para um plano de grande dimensão - algo parecido com o Plano Marshall, que em 1948 permitiu à Europa recuperar da devastação da II Guerra Mundial (GM - para recuperar o pais, que Kiev aceite um cessar-fogo com Moscovo - o que teria sempre por detrás a perda substantiva de territórios -, o que, a ser aceite, levaria o conflito para a mesa das negociações mas deixaria em maus lençóis os lideres europeus, como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que quer ver a Rússia ajoelhada no campo de batalha.

O caminho proposto por Berlusconi, que aos 86 anos já viu muito e viveu as trágicas consequências da II GM, é, na verdade, uma ideia que anda a germinar nos corredores da política europeia e norte-americana há largos meses e tem agora ganhado terreno depois de um relatório do mais importante think-thank do Pentagono norte-americano, a RAND Corporation, ter vindo defender claramente a aposta de Washington no fim do conflito (ver esta notícia do NJ) porque o seu prolongamento vai ser prejudicial para os interesses dos EUA, embora, oficialmente, em a Administração Biden nem os governos da União Europeia admitam que o que lhes vai na cabeça já não é ganhar a guerra via Kiev - proxy war - mas sim, o que fazer para acabar com aquela que é já a mais devastadora, social, económica e militarmente guerra na Europa desde 1945.

Este contexto está, porém, a ganhar uma nova importância quando, pelo que se pode perceber das movimentação diplomáticas no mundo, com Lula da Silva, o recentemente empossado Presidente do Brasil, também entrou no jogo propondo como solução a criação de um grupo de países de todo o mundo com o foco no exercício de influência junto de Moscovo e KIev para que baixem as armas e levem os termos de um cessar-fogo para a mesa das negociações, onde estaria além do Brasil, a China, a Índia, a União Africana, e, mais dificilmente, os EUA e a União Europeia, porque estes dois blocos têm-se posicionado como parte litigante.

Tão ou mais importante que este pontapé nas águas paradas dado por Lula da Silva, é o anúncio das movimentações previstas para estes dias na frente oriental, com o mais destacado diplomata da China, Wang Yi, que gere o estratégico Gabinete Central dos Negócios Estrangeiros do Partido Comunista chinês, a visitar Moscovo nos próximos dias, segundo a Reuters, enquanto o Presidente do Irão, Ebrahim Raisi, parte esta terça-feira para Pequim, a convite do seu homólogo, Xi Jinping, para uma visita de Estado de três dias, sendo obrigatório ter em conta que tanto a China como o Irão se têm posicionado face ao conflito no leste europeu longe daquilo que deles tem sido exigido pelos EUA e União Europeia, não baixando, pelo contrário, tendo mesmo aumentado, o nível da cooperação económica e diplomática com Moscovo, na qual também a Índia se tem imposto ao elevar de forma significativa o seu relacionamento com a Federação Russa.

Neste quadro, embora seja ainda muito cedo para tirar conclusões, também África emerge como uma plataforma de disputa de influência entre as potências ocidentais e a Rússia e a China, embora aqui a jogar em campos distintos, com a sucessão de deslocações de alto nível, como a que se aproxima do Presidente norte-americano, sem agenda, ainda, ou do Presidente francês, Emmanuel Macron, que tem Luanda como uma paragem confirmada, além das recentes visitas dos chefes das diplomacias chinesa, russa, francesa, alemã, por diversos pontos do continente.

Quem está a ganhar nesta luta por África, é cedo para dizer, mas em França já se discute abertamente nos media que Paris está a perder terreno a cada dia que passa, especialmente na África Central, o coração da histórica "FranceAfrique", onde por exemplo, na France24 se admitia já a possibilidade de começar a erguer-se uma "RussieAfrique", além da já bem saliente perda dos EUA e dos países europeus - todos agora a tentar recuperar do tempo perdido - para a China, nas últimas décadas, sendo notório que quando tantos disputam África, é difícil perceber quem vai ganhar a corrida, mas é fácil perceber que África só não ganha se não quiser... ou souber.

O quer diz Duda...

... deve ser ouvido com atenção, porque Andrzej Duda, o Presidente da Polónia, é só o mais destacado aliado da Ucrânia na União Europeia, este é o país que mais tem defendido a intervenção directa da NATO nesta guerra, já entregou a Kiev todo o armamento que podia entregar, estando agora a pugnar fortemente pelo envio de aviões de guerra F-16 para reforçar a capacidade ofensiva ucraniana... e veio agora admitir com todas as letras que a Ucrânia "vai perder esta guerra" se em tempo recorde o ocidente não enviar para a frente de batalha mais carros de combate pesados, artilharia pesada, mais aviões de guerra, mais sistemas de defesa antiaérea modernos, como os Patriot...

Não sendo novidade, o que diz Duda, ser Andrzej Duda a dizê-lo, faz toda a diferença, porque a Polónia é o país que está mais comprometido nesta guerra, a par dos EUA e do Reino Unido, e uma derrota de Kiev seria vista internamente como uma derrota da Polónia, à qual dificilmente o Governo de extrema-direita do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki sobreviveria politicamente...

Em entrevista ao francês Le Figaro, citado pelo Britânico The Guardian, Duda destaca que o prazo limite para a chegada das armas em grande volume e evitar a derrota da Ucrânia são semanas e não meses, no que pode também ser um recado corrosivo para o Presidente norte-americano, Joe Biden, que anunciou a entrega de blindados pesados M1 Abrams à Ucrânia, mas condicionou a sua entrega no tempo, esticando esse prazo para o final de 2023, demasiado tarde, como entende o Chefe de Estado polaco...

Entretanto, na frente...

... é a Rússia que ganha terreno, que domina as operações de avanço, sendo já bastante claro que as forças de Moscovo deram o tiro de partida para a grande ofensiva que vinha a ser anunciada há semanas, depois de terem chegado ao leste da Ucrânia, especialmente às regiões separatistas - anexadas formalmente pela Rússia em Outubro de 2022 - do Donbass (Donetsk e Lugansk) mais de 350 mil homens mobilizados em Setembro do ano passado, e um volume considerável de novo armamento, incluindo os recentemente modernizados blindados pesados T-90, os helicópteros de ataque, o mais testado Ka-52 e o estreante Mi-28 NM, além de novas peças de artilharia, como os superpesados morteiros de 240 mm, que tem sido apresentado pelos media russos como uma das estrelas da artilharia de Moscovo, ou as dezenas de blindados ligeiros BMPT Terminator.

Este caudal de poder ofensivo russo, com todos os analistas a admitirem que as forças ucranianas, além do desgaste em meios humanos - volumoso e trágico dos dois lados - está a perder quase toda a sua capacidade blindada, bem como a artilharia pesada, como os canhões norte-americanos M777 ou os franceses Caeser, estão quase todos fundidos no campo de batalha, só poderá ser contrabalançado com a chegada de centenas de novas peças de artilharia ocidental e os esperados "tanques" alemães Leopard-2, porque os Made In USA não deverão chegar até ao fim deste ano, além dos foguetes de média distância para uso nos sistemas móveis HIMARS...

Segundo o analista militar major-general Agostinho Costa, esta guerra pode estar a ser jogada com o tempo a servir, como poucas vezes aconteceu na história dos conflitos, como elemento estratégico preponderante, porque, neste momento, devido à superioridade russa, a Ucrânia está a "perder a guerra".

O analista da RTP3 e da CNN Portugal admite que os russos optaram por uma estratégia de atrição, desgastando os meios humanos e equipamento ucraniano, à medida que vão avançando em postos fulcrais, como Bahkmut, no Donetsk, ou, mais a norte, em Lyman, estando a exaurir progressivamente a espinha dorsal da artilharia e dos blindados ucranianos.

Isso mesmo parece ter percebido o Presidente polaco, que, nesta entrevista ao Le Figaro, vem agora admitir que se o novo equipamento ocidental não chegar à Ucrânia em escassas semanas, "tudo estará perdido para Kiev" e para os seus principais aliados.

A resposta de Moscovo chegou pela porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, que foi às redes socias dizer a Andrezj Duda que com ou sem novo material ocidental, a Ucrânia "não poderá mudar o curso inexorável deste conflito".

"Kiev e os seus aliados ocidentais estão condenados à derrota", disse, acrescentando, citada pela Russia Today, que "mais armas para a Ucrânia só vai piorar as coisas para os ucranianos" e que "o arrependimento é a única saída para os ocidentais" no quadro deste conflito.

E, para piorar o cenário para Kiev, o chefe do gabinete do Presidente Volodymyr Zelensky, Igor Zhovkva, veio a público admitir que as unidades de combate ucranianas estão "com os paióis de munições a zero" por causa da intensidade dos combates das últimas semanas...

Como vão chegar os reforços...

... é agora a questão principal para as chefias ucranianas, porque, segundo estão a relatar os media russos, mas também os ucranianos, coincidindo no essencial, a recente vaga de ataques com misseis e drones dos russos destruiu grande parte da infra-estrutura de fornecimento de energia às linhas de caminho-de-ferro que ligam a Polónia à Ucrânia, bem como os nós ferroviários e pontes foram agora, coisa que ainda não tinha sido feita pelos comandos de Moscovo, destruídas, alegando que essa destruição era essencial para evitar o transporte de veículos e artilharia pesada para a frente leste...

Estes ataques, segundo o canal ucraniano estatal Suspilne, visaram linhas férreas de Kherson e a linha que liga Lviv, a maior cidade do oeste ucraniano, próxima da fronteira com a Polónia, e a capital, Kiev, está agora inoperacional, estando os passageiros a ser transportados via sudeste, a partir de Mykolaiv, cidade que fica já na costa do Mar Negro, de autocarro...

Entretanto, os EUA emitiram uma nota aos seus cidadãos que ainda permanecem em Território da Federação Russa para que saiam imediatamente, alegando que esta medida extrema é resultado da evolução da guerra na Ucrânia...

O sinal do Congresso dos EUA que a Europa temia

Um dos problemas com que se debatem os lideres europeus é que existe hoje a possibilidade, e, talvez, por isso, também o líder checheno Kadirov tenha dito o que disse, de se verem com o "bebé nas mãos" porque em Washington, apesar da Administração Biden, democrata, ser totalmente a favor do apoio militar e financeiro a Kiev, "pelo tempo que for preciso", os republicanos, oposição, com a maioria na Câmara dos Representantes, estão agora a dar sinais de que se ganharem as eleições do ano que vem, tudo mudará na frente leste europeia.

Isso mesmo parece demonstrar a resolução que os republicanos fizeram chegar ao Congresso que prevê um brusco arrefecimento do apoio militar dos EUA à Ucrânia, por causa do insustentável custo para os cofres do Estado, por causa do risco de uma escalada com os russos e porque os impostos dos norte-americanos já suportarem mais de 30 mil milhões USD em equipamento militar enviado para a guerra.

Esta resolução, que já foi baptizada de "a resolução do cansaço dos ucranianos", impõe que Washington ponha fim ao apoio militar e financeiro a Kiev e exige esforços para que seja conseguido um acordo de paz negociado.

Ao apresentar esta resolução, que se for aprovada pode mudar o curso da guerra, o congressista da Florida Matt Gaetz lembrou que o próprio Presidente Joe Biden tinha dito em 2022 que aumentar o apoio militar a Kiev era o mesmo que lançar o mundo na III Guerra Mundial e que isso seria o mesmo que dar início a uma catástrofe nuclear global.

Ora, se os EUA, embora isso não seja claro que venha a suceder, deixarem ou diminuírem substancialmente o apoio à Ucrânia, terão de ser os países da Europa ocidental, especialmente o Reino Unido, a França, a Alemanha e a Polónia, bem como a Comissão Europeia, a suportarem os custos do apoio a Kiev, uma tarefa que seria uma tragédia económica para a Europa ocidental sem o apoio dos Estados Unidos.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo..

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.