A proposta de Dmytro Kuleba para a realização de uma Cimeira de Paz intermediada pelo Secretário-Geral da NATO, António Guterres, para Fevereiro, surge horas depois de o próprio Presidente Volodymyr Zelensky ter retomado a garantia de que o fim das hostilidades só será possível com a saída do último soldado russo de todo o território ucraniano, tendo, já na segunda-feira, essa ideia, sido retomada pelo chefe da secreta de Kiev, Kyrilo Budanov, acrescentando que a guerra vai ser levada até à Crimeia para que a Ucrânia volte às fronteiras delimitadas pelo mapa reconhecido pela comunidade internacional, ou seja, o que era antes de 2014, quando Moscovo anexou a Península após um referendo popular que a aprovou por esmagadora maioria.

Kuleba justifica, sem explicar o que está por detrás desta mudança de postura, que a escolha das Nações Unidas como local para estas eventuais negociações é o facto de a eventual intermediação de Guterres não é a favor de nenhuma das partes mas a busca de um resultado benéfico para o mundo.

Como explicar então este volte-face? Para já, só através de especulação, mesmo que especulação produzida por analistas conhecedores da realidade no terreno e do que á e real politik que comanda as relações e os interesses das grandes potências, passando a tese mais benigna para Kiev um acordo definido em Washington aquando da visita relâmpago de Zelensky, com Joe Biden.

Acordo erguido por detrás dos panos e longe do olhar dos jornalistas, visando uma alteração da postura de agressividade retórica por uma mais flexível de forma a não impedir que seja negociado um acordo num futuro próximo, atendendo a que tanto os EUA como os seus aliados da Europa ocidental já dão há muito mostras de um crescente cansaço com as consequências da guerra na economia global que está a atirar milhões de famílias para o desespero, incluindo aquelas que estão a ser vítimas das sanções contra a Rússia aprovadas pelos seus Governo, cada vez mais sob contestação popular.

Já a outra possibilidade, menos simpática para as cores ucranianas é que a guerra está longe de demonstrar que o extenso e intenso apoio financeiro do ocidente em armas e dinheiro poderá levar a uma derrota militar e ou ao colapso económico da Rússia, tornando o actual fluxo de armamento, cada vez mais sofisticado e caro - só um sistema de defesa anti-aérea Patriot são mais de mil milhões USD -, insustentável, tanto para europeus como para os norte-americanos.

Tido isto como razoável, mesmo sendo apenas uma sumula de teses e análises publicadas em diversos media ocidentais, encaixa no cenário a declaração, nesta segunda-feira, de Vladimir Putin onde o senhor do Kremlin volta a insistir na disponibilidade total da Rússia para negociar uma saída pacífica para este conflito, acusando mesmo Kiev e Washington de estarem empenhados em travar essa possibilidade, tendo sido dado ainda um sinal amistoso de Moscovo à União Europeia com o anúncio da retoma do fornecimento de gás sem condições prévias, depois uma sucessão de embargos ocidentais à energia fóssil Made in Russia.

China volta a assumir o palco...

E, no cimo deste "bolo" armadilhado, nas últimas horas, quando a generalidade dos analistas militares e diplomáticos, avençados da NATO ou apenas alinhados com o ocidente, que são a grande maioria com presença nos media ocidentais, em contraponto com as posições mais próximas de Moscovo projectadas pelos media russos com igual foco na manipulação da informação como arma, apontavam para uma dificuldade cada vez mais substantiva por parte do Kremlin para lidar com a frieza chinesa, apesar da fluidez dos negócios na área da energia, eis que o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, vem retomar, com forte ruído diplomático, a tese do aprofundamento ilimitado das relações, a todos os níveis, entre Pequim e Moscovo.

Citado pelas agências de notícias internacionais, Wang Yi veio, nas últimas horas, reconfirmar o aprofundamento da cooperação alargada e sem limites entre Pequim e Moscovo em 2023, o que já tinha sido a linha mestra dos pronunciamentos quando, logo em Março, depois de a guerra ter início a 24 de Fevereiro, Yi e o seu homólogo russo, Sergei Lavrov, se terem encontrado no extremo oriente.

Nesta declaração pública, o chefe da diplomacia chinesa não só defendeu a posição de Pequim nesta guerra, que é de um distanciamento inclinado para Moscovo com insistentes apelos a uma paz negociada entre Kiev e Moscovo, acusando mesmo os Estados Unidos de serem responsáveis únicos pela deterioração das relações entre os dois países, apontando ainda como "profundamente errada a política de Washington para com a China".

Claramente mostrando sinais de cansaço de Pequim com o "bullying" norte-americano sobre a economia chinesa, desde a pressão sobre os negócios na área da tecnologia ou na questão incandescente dos Direitos Humanos no gigante asiático, ou ainda com as permanentes pressões para que o Presidente Xi Jinping condene a invasão russa na Ucrânia, Wang Yi, depois de sublinhar a decisão de aprofundar as ligações estratégicas com Moscovo, voltou a explicar que Pequim olha para a guerra na Ucrânia de forma "objectiva e imparcial" sem favorecimento de qualquer dos lados, deixando claro que, ao contrário dos EUA, a Chuna não "atira gasolina para a fogueira" no leste europeu ou sequer procura "ganhos egoístas" com este conflito.

Naquilo que foi, segundo a informação veiculada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma declaração por videoconferência, o responsável pela diplomacia chinesa também frisou que as relações com os EUA, apesar desta tensão, não são para menosprezar, sublinhando que as duas maiores economias do mundo estão condenadas a manter um entendimento mutualmente benéfico, deixando como garantia do seu Governo que tudo será feito para que as relações com Washington e com Bruxelas são para manter e reforçar, lamentando ainda, e mais uma vez, que os norte-americanos continuem a ver a China como o seu "grande competidor global" quando Pequim "busca apenas criar relações frutíferas para e com todos".

Mas o mesmo pensamento não está, pelo menos de forma verbalizável, na cabeça do ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa.

"Não vamos colaborar com russofóbicos", diz Lavrov

A Rússia não vai tomar mais nenhuma iniciativa para tentar um acordo sobre segurança global, nem tão pouco tem a intenção de propor quaisquer novas iniciativas de propor mais nenhum acordo sobre, por exemplo, armas nucleares, revelou o ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov numa entrevista publicada pela agência noticiosa TASS esta terça-feira, citado aqui pela Lusa.

Lavrov apelou ainda ao Ocidente para exercer a máxima contenção na esfera nuclear "altamente sensível".

O ministro disse ainda que as relações com a União Europeia "estão no nível mais baixo da história" porque "eles declararam uma guerra híbrida".

"Somos realistas. Vamos continuar com os poucos europeus que valorizam a amizade com a Rússia. Não vamos colaborar com russofóbicos", afirmou.

Foi ainda Lavrov que disse, numa inflamação da retórica, agora por parte da Rússia, que os EUA estão a congeminar o assassinato do Presidente Putin.

O chefe da diplomacia russa disse ainda em declarações à TASS que são os Estados Unidos quem mais tem mostrado empenho na defesa e prolongamento deste conflito.

Explicando de seguida que a preparação do assassinato do chefe do Kremlin chegou ao conhecimento da Rússia através das declarações de alguns funcionários do Pentágono no sentido de sublinharem a vantagem de "decapitar" a liderança russa, o que é o mesmo que dar indicações de um assassinato do Presidente da Federação Russa.

Putin mexe mais uma peça no xadrez ucraniano

Entretanto, o presidente russo, Vladimir Putin, aprovou a concessão de passaportes aos habitantes das quatro regiões ucranianas anexadas pela Rússia: Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia, o que permite traduzir por mais uma indicação que Moscovo não admite sequer a possibilidade de ceder estes territórios em eventuais negociações com Kiev para acabar com a guerra.

De acordo com a agência estatal russa TASS, citada pela agência espanhola EFE, e aqui reproduzida pela agência de notícias portuguesa, Lusa, o decreto presidencial inclui o regulamento para o pedido e concessão de documentos de identidade russos a todos os que renunciem a cidadania ucraniana. Tal inclui menores de 14 anos, que podem tornar-se automaticamente cidadãos russos.

O passaporte não será concedido em casos em que o habitante de uma das quatro regiões anexadas se negue a jurar lealdade à Rússia.

De acordo com o decreto, os requerentes deverão receber o passaporte em mãos, num prazo que não exceda os dez dias desde que remetem a documentação necessária.

Em setembro, o Presidente russo anunciou a anexação de quatro regiões ucranianas (Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson), depois de se terem realizado 'referendos' locais denunciados como fictícios por Kiev e pela comunidade internacional.

O exército russo não controla a totalidade de nenhum destes territórios. Atualmente, a Rússia controla quase todo o território de Lugansk, grande parte de Zaporijia, mais de dois terços de Kherson e pouco mais de metade de Donetsk.

Com a anexação destas quatro regiões, a Rússia conta agora com 89 entidades federais, embora Donetsk e Lugansk (no leste ucraniano) sejam consideradas repúblicas, e Kherson e Zaporijia (no sul da Ucrânia) apenas regiões.

As alterações à Constituição russa, introduzidas em 2020, impedem a entrega a um país estrangeiro de territórios que pertencem ao Estado russo.

Tal inclui territórios como a península ucraniana da Crimeia, as quatro regiões anexadas e as ilhas Kuriles, reivindicadas pelo Japão.