Quando o líder do regime ucraniano disse, durante uma entrevista à agência norte-americana Associated Press, que tinha decidido defender Bakhmut, cidade estratégica pela concentração de vias de comunicação que ali se cruzam, porque perdê-la seria uma vitória relevante para a Rússia, esperava que os reforços em armamento ocidental chegassem a tempo de permitir criar um tampão de fogo na parte da malha urbana que Kiev ainda controla.

Todavia, como os seus chefes militares admitem já, segundo o britânico The Guardian, as unidades de combate russas, maioritariamente dos privados do Grupo Wagner, já tomaram a zona industrial de Bakhmut, a que os russos chamam Artyomovsk, deixando em maus lençóis as posições ucranianas, porque este avanço propicia aos homens de Yevgeny Prigozhin posições privilegiadas para flagelar com a artilharia, especialmente morteiros pesados, as ainda numerosas unidades leais a Zelensky, que os analistas, incluindo ocidentais, dizem estarem a ser castigadas com milhares de baixas diárias entre mortos e feridos

O chefe do Grupo Wagner, considerado no ocidente como mercenários, admitiu, já esta quinta-feira, que também o seu lado está a sofrer "baixas muito pesadas", como, de resto, tem sido sublinhado pelos especialistas militares que notam há meses que uma guerra de atrição como esta tem sempre como resultado escasso ou nenhum avanço no terreno, mas um número muito expressivo de mortos e feridos, o que conduz, comummente, a fragilização da frente e pode mesmo hipotecar planos, de um e outro lado, para realizar ofensivas ou contra-ofensivas relevantes.

As palavras recentes do Presidente Volodymyr Zelensky colocaram ainda mais carga estratégica na defesa e conquista de Bakhmut, especialmente quando afirmou que o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, iria maximizar uma eventual vitória nesta cidade do Donbass, na região de Donetsk, a ponto de isso poder ser um momento decisivo neste conflito.

E as coisas devem mesmo estar muito complicadas para os ucranianos, visto que o norte-americano, Instituto para o Estudo da Guerra, um think thank claramente alinhado com os interesses ucranianos, e que se tem destacado na criação de cenários artificiais para serem "injectados" nos media ocidentais procurando vantagens para Kiev na "guerra" da informação, acaba de anunciar que os avanços russos em Bakhmut são efectivos, com avanços especialmente importantes a sul e a sudoeste da cidade.

A cidade mineira de Bakhmut tem importância estratégica para ambos os lados porque se situa no centro de uma malha viária que conduz ao extremo desta província que a Rússia anexou em Outubro do ano passado, tal como Lugansk, Kherson e Zaporijia, após referendo, contestado e não reconhecido pelo ocidente, nem pela ONU, concretamente as cidades de Sloviansk e Kramatorsk, que, sendo tomadas, deixaria a totalidade da região nas mãos de Moscovo.

E o que o Zelensky, apesar de garantir que os seus "rapazes" estão a aguentar bem, já admitiu é que se Bakhmut cair para as mãos dos russos, o seu objectivo principal nesta guerra estará irreversivelmente conseguido, que é dominar 100% da região de Donetsk, depois de Lugansk, já estar, sob controlo total há meses, embora ainda faltem duas grandes manchas de território tanto em Kherson como em Zaporijia para que os russos possam ter as duas mãos nas quatro regiões anexadas, que juntou à Crimeia, anexada já em 2014.

Com este cenário, o mais certo é que esta cidade, que muitos já comparam à francesa Verdun, na I Guerra Mundial, onde morreram dezenas de milhares de soldados de ambos os lados, alemães e aliados, por uma terra que depois se verificou não ter essa importância estratégica.

Alias, ambos os lados têm sublinhado, ao mesmo tempo que referem avanços importantes, que esta batalha está a servir os seus interesses de médio e longo termo, porque estão a conseguir desgastar o inimigo, causando-lhe pesadas baixas, o que compromete quaisquer intentos futuros de organizar ofensivas de larga escala. Não é possível saber se estão ambos certos ou ambos errados, ou qual o que está mais certo...

Putin cada vez mais "livre" da intenção de captura do TPI

Mas a guerra na Ucrânia não se ganha ou perde apenas com avanços e recuos face à linha da frente, é no xadrez mundial que esta "partida" também está a ser disputada, como o prova a "jogada" ocidental com o mandado de captura internacional emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o Presidente russo.

Com este movimento, protagonizado por uma instância judicial internacional limitada, porque conta apenas com 130 signatários e de fora ficaram desde o início os países mais relevantes, como a China, os EUA, a Rússia, a Índia, ou a própria Ucrânia e Israel, pensou-se que Vladimir Putin iria ficar sem mobilidade internacional, pela ameaça de detenção, como, por exemplo, um país como Portugal se apressou, pela voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, a dizer que cumpriria o mandado, mas essa ideia é já hoje escassa...

A solidez da decisão do TPI ficou logo ferida de credibilidade porque, então como actualmente, é liderada por um juiz da Polónia, e o procurador que assina o documento é um britânico, Karim Khan, sendo que a Polónia e o Reino Unido são, a par dos EUA, os mais sólidos aliados de Kiev na defesa da guerra como solução para derrotar a Rússia.

E essa solidez foi agora praticamente terraplanada com países como a África do Sul, a China, ou a Turquia, já terem deixado claro que Putin é bem-vindo nos seus territórios, tendo mesmo o Presidente turco Recep Erdogan, feito um convite público ao chefe do Kremlin para se deslocar ao seu país aquando da inauguração da sua primeira central nuclear, em Akkuyu, que foi construída com tecnologia da agência russa para o nuclear de uso civil, Rosatom, que vai ocorrer a 27 de Abril.

Este convite de Erdogan é simbolicamente demolidor para os aliados ocidentais de Kiev porque a Turquia é um dos mais relevantes membros da NATO, a organização militar liderada pelos EUA, que concentra a principal "linha de fogo" ocidental sobre Moscovo, embora, na prática, individualmente, mesmo que as decisões estejam a ser tomadas de forma conjunta na sede da organização em Bruxelas.

Pouco depois da, ainda não confirmada ida à Turquia, partindo do principio que Putin não vai ignorar a possibilidade de ali se deslocar, até porque isso lhe permite dar uma bofetada com luva branca ao ocidente, o Presidente russo vai estar, em Agosto, em Durban, na África do Sul, para a 15ª Cimeira dos Chefes de Estado dos BRICS, uma organização global em forte crescimento e com dezenas de pedidos de adesão, criada pelo Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.

Recorde-se que o mandado do TPI é justificado com o envio ilegal de milhares de crianças das regiões da Ucrânia em guerra para a Rússia, numa operação que Moscovo considerou tratar-se de um bem conseguido plano para salvar a vida de milhares de crianças que estavam expostas às nefastas consequências do conflito armado, enquanto Kiev mantém a versão de que os russos procuram com esta "deportação forçada" russificá-las.

Entretanto...

... nas últimas horas ficou-se a saber que os serviços secretos russos, o FSB, deteve um jornalista do norte-americano Wall Street Journal, sob a alegação de espionagem porque Evan Gershkovich estava a tentar obter informação classificada na região das Montanhas Urais, na cidade de Ekaterinburg.

As autoridades russas dizem que o jornalista foi apanhado em flagrante, embora sem apresentar quaisquer provas.

Alegadamente, essa informação era referente a uma unidade russa de produção de armamento.e lembrou que este possui uma creditação oficial para trabalhar no país.

O jornal já negou categoricamente as acusações que pendem sobre o seu jornalista e exigiu a sua libertação imediata e incondicional.

Quase ao mesmo tempo, a China, naquilo que parece ser uma resposta às acusações ocidentais de que poderá estar a planear fornecer armamento aos russos, veio informar que as suas forças armadas estão a trabalhar conjuntamente com a congénere russa de forma a fortalecer a cooperação na área das comunicações e coordenação.

O ministro da Defesa chinês avançou que os dois países estão a implementar iniciativas na área da segurança global, aprofundando a confiança militar e o esforço conjunto para erguer confiança e justiça internacional, que vai passar por novos projectos de exercícios miliares navais e terrestres bem como patrulhamentos aéreos.

Soube-se igualmente que em Kiev cresce o mal-estar com o insucesso de isolamento da Rússia, que vai assumir já a 01 de Abril a presidência do Conselho de Segurança da ONU.

O ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros, Dmitri Kuleba, veio a público que esse assumir da Rússia pela liderança do CS das Nações Unidas "é uma anedota de mau gosto" quando "moscovo conduz uma guerra colonial na Ucrânia", e, quando o seu Presidente é "perseguido pelo TPI".

Tudo isto é "garantia de que o mundo não é um lugar seguro" se Moscovo estiver a presidir a este órgão da ONU.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.