Os media russos, como a Russia Today, estão a avançar, nesta terça-feira, 27, último dia dos quatro marcados para o decurso dos referendos, que os votantes escolheram em largas percentagens pela adesão à Rússia em Lugansk e Donetsk com 97%, Kherson com 87% e em Zaporijia por 92%.

Estes referendos foram anunciados há apenas duas semanas pelo Presidente russo, Vladimir Putin, mas logo foram dados como ilegais pela esmagadora maioria das organizações internacionais e pelos países europeus, EUA, entre outros, embora isso pareça incomodar pouco o Kremlin, até porque o mesmo sucedeu na Crimeia, em 2014, e o processo avançou de forma célere e sem problemas de maior para os interesses russos.

Ao mesmo tempo, o Kremlin anunciou uma mobilização parcial de mais de 300 mil reservistas para se juntarem ao esforço de guerra que a Rússia trava no leste da Ucrânia, desde 24 de Fevereiro, e que pode agora observar uma forte deslocação da denominada "operação militar especial" para uma guerra total assim que a Duma-Parlamento russo aprovar a legislação necessária para que estas quatros regiões sejam legalmente absorvidas pela Federação Russa.

Isto, porque, quando esse passo for dado, o que, se correr como previsto, pode suceder já na sexta-feira, quando está previsto um discurso à Nação de Vladimir Putin, então os ataques das forças ucranianas a estes territórios serão vistos por Moscovo como ataques à Federação Russa, levando a uma escalada que pode ser de nível nuclear.

Mas, ao contrário do que tem sido noticiado pelos media ocidentais, o recurso ao nuclear não é justificado pelo Kremlin por apenas um ataque convencional a território russo, porque isso já aconteceu na Crimeia e na região de Belgorod, mas sim quando os ataques forem de movo a ameaçar a existência da Federação enquanto ou ainda se estiver face a um ataque nuclear contra a Rússia.

Mas Putin já advertiu que não se trata de um "bluff" quando diz que pode recorrer ao seu arsenal nuclear na guerra da Ucrânia, porque, como lembrou o senhor do Kremlin, a Rússia está a lutar contra a NATO (EUA e Europa ocidental) que mantém um fluxo interminável de armas para a Ucrânia e um rodo de dinheiro sem fim para as despesas de guerra de Kiev. ~

Moscovo considera ainda que se trata de uma guerra de proximidade, onde os Estados Unidos combatem a Rússia por interposto exército ucraniano sem envolverem um único soldado nos combates mas condenando a uma mortandade tremenda os homens de Kiev.

Ou seja, já nos próximos dias o mundo pode assistir a uma escalada sem precedentes naquele que é já o mais devastador conflito na Europa deste a guerra na antiga Jugoslávia, no início da década de 1990 e tendo a ser já o pior desde a II Guerra Mundial.

Isto assume ainda maior relevância qando se sabe já, porque até os mais próximos de Moscovo, como a Turquia, que a generalidade da comunidade de países ocidentais e as suas organizações, como a União Europeia, ou ainda a ONU, não vão reconhecer estes referendos.

Isto, porque se trata de regiões reconhecidas como parte da Ucrânia e não obedecem ao mínimo de regras próprias das auscultações populares em democracias, como os referendos ou os plebiscitos..

O que esperar de Moscovo e da reacção ocidental

Em causa está a forma como Moscovo vai reagir face aos ataques ucranianos a estas quatro regiões, que deixarão de ser territórios sob controlo das forças russas, como é o caso de Zaporijia e Kherson, a sul, ou as repúblicas independentes de Donetsk e Lugansk, no leste, apenas reconhecidas pela Rússia, para passarem a ter o estatuto de províncias da Federação Russa de pleno direito, o que conduzirá à passagem daquilo que o Kremlin diz ser uma "operação militar especial" para uma guerra plena com a Ucrânia, com as inerentes alterações tácticas e estratégicas.

Os analistas admitem que esta alteração de estatuto do conflito de operação especial para guerra, que será inevitável após a anexação plena das quatro províncias onde decorrem os referendos, vai levar a uma mudança dos alvos na Ucrânia, sendo, desde logo, esperado que as centrais eléctricas, as barragens, as grandes vias de comunicação, ferroviárias, rodoviárias, e aéreas (aeroportos) sejam flagelados, e até é ainda possível que as lideranças ucranianas (centros de decisão) até aqui fora dos alvos russos, passem a ser fustigados com os mísseis de longo alcance aeronavais da Federação Russa.

O próprio Presidente Zelensky, numa entrevista difundida pela norte-americana CBS News, veio admitir que a Rússia poderá usar as armas nucleares, ao contrário do que pensava anteriormente.

O líder ucraniano admitiu mesmo que aquilo que antes pensava ser um "bluff" de Putin, hoje pode não ser assim tanto improvável e pode "ser mesmo realidade".

Também o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, veio admitir que não se pode continuar a dizer que se trata de bluff quando quem tem a decisão na mão diz claramente que não se trata de bluff.

Mas o mais claro e inequívoco posicionamento perante essa possibilidade, de uso do nuclear por Moscovo, veio do conselheiro de segurança nacional do Presidente norte-americano, Jack Sullivan, optando por contra-atacar com um aviso claro ao Kremlin: "O uso de qualquer arma nuclear por parte da Rússia terá uma resposta inequívoca com consequências catastróficas para a Rússia".

Sullivan, num novo posicionamento norte-americano, veio ainda dizer, também em entrevista à CBS News, que os EUA já comunicaram, através de vias institucionais e privadas, com os decisores de topo russos, que o uso deste tipo de armas terá um resultado inequívoco: Os EUA e os seus aliados "responderão de forma decisiva".

O conselheiro de segurança de Joe Biden admitiu ainda que "é para ser levada muito a sério" a ameaça de Putin, que, na passada quarta-feira, veio dizer que a Federação Russa tem as armas adequadas, algumas superiores às da NATO e dos EUA, que permitem tirar quaisquer dúvidas sobre o que está em causa e que serão utilizadas se a existência do país estiver posta em causa.

Este responsável norte-americano não esmoreceu as promessas de apoio continuado à Ucrânia em equipamento militar e financeiro para mantar a capacidade de resposta aos ataques russos.

Uma demonstração clara de que se vai assistir a uma escalada violenta nesta guerra surge pela aprovação, na Duma, Parlamento russo, de legislação fortemente punitiva para comportamentos desviantes por parte dos militares russos em combate ou em fase de mobilização, entre os vários procedimentos estão punições com 10 anos de cadeia para quem se render ao inimigo,

Os mesmos 10 anos de cadeia esperam aqueles que se recusarem a combater ou desertarem, e ainda 15 anos para quem roubar bens de pessoas ou instituições em tempos de guerra ou numa operação militar.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.