E ao 13ª dia de guerra, quando a devastação das cidades ucranianas começa a ser cada vez mais semelhante às cidades iraquianas depois da invasão americana, em 2003, ou Grozni, na Tchetchénia, quando as forças russas, nos anos de 1990, praticamente destruíram a cidade nas duas guerras travadas nessa década contra a independência desta antiga república soviética, ou mesmo o actual Iémen, ou o Líbano, na década de 1980, as partes em conflito parecem ter conseguido um entendimento mínimo para poupar as vidas de largos milhares de pessoas que ainda permanecem encurraladas nas suas casas, abrindo corredores humanitários que os media com jornalistas no terreno dizem estar a ser minimamente respeitados.

Esta abertura de vias de saída das cidades sob cerco russo, que já vai na terceira tentativa depois de, tanto em Mariupol como em Kharkiv, nos últimos dias, as duas maiores urbes nesta condição, terem falhado, segundo os russos, porque as forças ucranianas estavam a impedir a saída para terem escudos humanos a protegê-las, e os ucranianos a garantir que foram as forças russas a não cumprir com o acordo, é a primeira vez que as duas partes conseguem um entendimento mínimo, o que está a ser visto por alguns analistas como um bom auspício para o que está para vir.

O embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzya, chegou mesmo a dizer que os ucranianos não querem deixar sair civis das cidades porque estes podem contar ao mundo o que é que os batalhões de nacionalistas-fascistas estão a fazer nas cidades contra a própria população, referindo-se aos milhões de ucranianos com ascendência russa e que continuam a falar russo no dia a dia, afirmando que estes estão a massacrar civis apenas devido à sua génese russófila.

Recorde-se que uma das exigências da Rússia na sequência desta guerra é expurgar os "nazis do regime" ucraniano e as componentes do seu Exército fortemente alicerçadas em valores e em indivíduos que perfilham as teorias nazis como é o caso do conhecido Batalhão de Azov, estacionado na cidade de Mariupol.

A chegada dos séniores ao campo das negociações

E o que está para vir no capítulo das negociações, depois de um bloqueio aparente nas conversações que já vão na 3ª ronda, em Brest, na Bielorrússia, sendo a abertura de corredores de fuga o único ponto positivo concreto, é que os dois ministros dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, da Rússia, e Dmytro Kuleba, da Ucrânia, vão estar sentados à mesma mesa na quinta-feira, no sul da Turquia, numa manobra diplomática de fôlego realizada pelo Presidente turco, Recep Erdogan.

Este encontro, que é o que se apresenta ao mais alto nível desde o início da invasão russa, a 24 de Fevereiro, está a colher grandes expectativas nas chancelarias de todo o mundo, porque ambas as partes correm um grande risco se não houverem quaisquer resultados palpáveis, porque ficaria mal na fotografia aquele que dali sair com o dedo apontado a indicar uma eventual responsabilidade pelo falhanço.

Os analistas notam que é Lavrov quem corre mais riscos porque representa a parte de lançou as suas forças sobre o país vizinho e as suas justificações históricas, como a questão da insustentável adesão da Ucrânia à NATO, que iria colocar a segurança vital da Rússia em risco, não tem o mesmo peso na balança do juízo da comunidade internacional, especialmente no ocidente, onde os media não têm dado qualquer destaque às posições de Moscovo, retractando de forma clara a Ucrânia como vítima do gigante russo.

E, sabendo disso, Sergei Lavrov, que é um dos mais experientes diplomatas em todo o mundo, dificilmente se sentaria à mesa com Kuleba sem garantias mínimas de que este encontro terá resultados facilmente perceptíveis pela opinião pública.

Um dos mais complexos problemas resultantes desta guerra, além da morte e destruição na Ucrânia, é a fuga de milhões de refugiados para os países da União Europeia com fronteiras comuns, como a Polónia, a Roménia ou a Hungria, sendo que neste 13º dia de guerra já vai em perto de 2 milhões de pessoas chegadas a estes países, uma grande parte delas sem nada alé da roupa do corpo.

A ONU já avisou que este número facilmente chegará aos 5 milhões e o pior é que aqueles que á chegaram são os que tinham maior capacidade e meios, sendo que os que vão agora começa a chegar são os mais pobres e carenciados sem apoio de familiares do outro lado, o que quer dizer que vão depender totalmente dos países de acolhimento.

O Presidente Zelensky diz que...

... não vai aceitar quaisquer ultimatos do seu homólogo russo, Vladimir Putin, que, depois de uma conversa com o Presidente francês, Emmanuel Macron, no Domingo, deixou saber que não vai estancar as suas colunas militares enquanto não tiver conseguido os seus objectivos.

Face a isto, o líder ucraniano, que se tem destacado através de sucessivos vídeos nas redes sociais em que desafia claramente o Kremlin, onde diz que vai vencer a guerra e onde pede repetidamente ajuda à NATO para combater o invasor, apelando mesmo a que esta organização de defesa ocidental ataque os aviões russos nos céus da Ucrânia criando uma "no fly zone - zona de exclusão aérea", o que seria a garantia de uma III Guerra Mundial, como já advertiu Putin e o Presidente norte-americano também admitiu que esse seria o catastrófico resultado dessa opção.

Mas Volodymur Zelensky disse avisou ainda Putin para este Sair da "bolha" em que se encontra, onde não tem acesso a informação factual e apenas "recebe as verdades escolhidas", o que o deixa longe de saber o que se passa no terreno, apelando por isso, a que o chefe do Kremlin dialogue com ele como única via de resolver o problema.

Apesar do tom de desafio que permanece, estas palavras de Zelensky encerram uma ligeira viragem em direcção a uma diminuição do tom agressivo, quando apela a Putin para dialogar com ele, o que não parece ser uma impossibilidade se se tiver em conta que os ministros dos Negócios Estrangeiros já o vão fazer na quinta-feira, embora o recente vigor discursivo do líder ucraniano face a Moscovo não deixe adivinhar facilidades nesse caminho repleto de pedras.

Mas Zelensky mantém essa retórica de fricção, como denotam alguns analistas, sabendo mesmo e de antemão que a NATO não vai arriscar um confronto directo com a Rússia, que seria meio caminho andado para um confronto nuclear devastador.

Isso mesmo tem sido repetido pelo Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, no périplo que está a fazer por alguns países europeus da "linha da frente", tendo este repetido na Letónia que nem Washington nem a NATO vão avançar para uma "no fly zone" sobre a Ucrânia, levando a Aliança Atlântica a ser parte do conflito.

Ao insistir num ponto que sabe impossível de ver concretizado, Zelensky arrisca mesmo, segundo os mesmos analistas, um afastamento não declarado mas na prática, dos países da NATO.

Isto, porque o próprio já tem indicadores claros de que esse afastamento já está, de facto, a acontecer, considerando que, por exemplo, naquilo que seria o mais severo castigo, dentro do já pesado pacote de sanções à Rússia pelo ocidente, que era a proibição de comercialização de petróleo e gás natural russos, a Alemanha já disse, segundo a France 24, que não vai seguir por esse caminho, enquanto o próprio Presidente dos EUA, Joe Biden, que depende muito menos que os europeus destas exportações russas, também se mostra bastante reticente a ir por aí.

Entretanto, na frente da diplomacia mundial

Pequim não deixa cair Moscovo. O ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Li, reafirmou, numa conferência de imprensa periódica, que a amizade com a Rússia "continua muito forte" apesar das condenações internacionais da sua invasão da Ucrânia, admitindo que Pequim está dispon+ivel para abordar a possibilidade de mediar as conversações de paz.

Wang disse ainda que a a Rússia é o parceiro estratégico "mais importante" da China, o que não pode deixar de ser visto, a par da recusa da condenação da invasão à Ucrânia, como um desafio e uma advertência claros ao ocidente, especialmente ao EUA, país que persiste numa diplomacia agressiva com Pequim no âmbito da complexa questão de Taiwan.

A posição de Pequim já era, no entanto, conhecida, como sendo de uma complexa equidistância, visto que se tem abstido nas votações nas Nações Unidas onde a opção militar russa é condenada, seja no Conselho de Segurança, seja na Assembleia Geral, mas com repetidas afirmações de que não alinhará com qualquer medida sancionatória a Moscovo, porque, alega, não têm suporte na lei internacional nem sequer existe a possibilidade de poderem influenciar o rumo do conflito.

"A amizade entre os dois povos é sólida como uma rocha e ambos os países perspectivam uma cooperação vasta e mutuamente vantajosa", atirou Wang nesta conversa com jornalistas de todo o mundo, admitindo, contudo, dar uma resposta positiva aos que, como Josep Borrel, o responsável pela diplomacia europeia, anseiam por ver Pequim como intermediário nas conversas que decorrem entre Moscovo e Pequim.

O negócio pérfido da guerra

No capitulo energético, por exemplo, o custo em persistente agravamento dos combustíveis, está já a levar a forte contestação, mesmo nos países mais desenvolvidos, como os europeus, onde, por exemplo, em Espanha e em Portugal, estes aumentaram já mais de 20% em escassas semanas.

Também o problema do fornecimento alimentar está a começar a ocupar cada vez mais espaço mediático, como o justifica o facto de a Rússia e a Ucrânia serem, de longe, os maiores produtores de cereais do mundo, o que, só por si, garante que ma disrupção aguda neste sector levará inevitavelmente a escassez de oferta em continentes como o africano e o asiáico, onde os preços estão já a chegar a recordes históricos.

As cadeias de abastecimento começam a registar falhas, especialmente em áreas onde não era esperado, como a questão dos fertilizantes, que dependem, em boa media, no mundo, da produção russa, mas também em alguns sectores industriais, onde estes países são importantes actores, como o aço e outros componentes do negócio metalo-industrial global.

Angola, que tem no crude a sua principal matéria exportadora, mais de 90%, cerca de 35% do PIB e mais de 55% das receitas de funcionamento do Estado, e que tem nestes preços estratosféricos um alívio para as suas contas públicas, apesar de a produção nacional estar a níveis historicamente baixos, perto dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd) - em 2008, quando os valores bateram recordes de sempre, nos 147 USD por barril, a produção nacional estava nos 1,8 mbpd -, é um dos grandes "beneficiados" desta crise global, mesmo que, por outro lado, esteja a pagar substancialmente mais pelos combustíveis e outros refinados importados, que é largamente a maior parte do consumo anual.

O problema nuclear

Uma das principais dores de cabeça da Europa neste 13º dia de guerra na Ucrânia é a questão nuclear, com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a acusar as forças russas de terem feito o mundo correr um risco descomunal quando atacaram a centra nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa, que já está sob controlo de técnicos enviados por Moscovo, mas que o Kremlin, através dos comunicados diários feitos pelo Ministério das Defesa, refuta, afirmando que as explosões sentidas foram da autoria de radicais nacionalistas ucranianos com o propósito de atirar as culpas para as forças russas.

Enquanto Kiev diz que a Rússia tem um plano para atacar as restantes centrais nucleares, colocando em risco toda a Europa, lembrando a tragédia de 1986, em Chernobyl, a Rússia, segundo uma notícia da agência TASS, vem agora alertar a comunidade internacional para um "plano elaborado pelo batalhão de Azov - um grupo militar com conotações nazis na sua criação - que consiste em fazer explodir o reactor do Centro de Pesquisa e Investigação Física de Kharkov".

Este plano", ainda segundo Moscovo, visa libertar uma quantidade de radioactividade controlada à região circundante de forma a colocar a responsabilidade nas forças russas, contando com a participação dos media ocidentais para a divulgação desse "acidente".

Mas, no capítulo mais alargado deste problema, a Agência Internacional de Energia Atómica já veio sublinhar que existe um risco acrescido com os ataques a estas centrais - existem seis activas na Ucrânia - mas que, até agora, não foram registados quaisquer aumentos de radioactividade devido aos confrontos".

Uma explosão num dos reactores nucleares espalharia de imediato, como sucedeu em Chernobyl, em 1986, uma nuvem tóxica por toda a Europa, que matou, dependendo das fontes, entre 27 mil e 200 mil pessoas.

Estes números são tão dispares devido ao facto de em 1986 Chernobyl, no norte da Ucrânia, estar ainda sob domínio da União Soviética, onde estas questões eram tidas como segredos de Estado fortemente controlados.

Contexto

A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte vital das suas garantias de segurança soberanas, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de KIev da soberania russa da Península da Crimeia, integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem ao grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados a sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 35%. Estas sanções abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.