As duas pequenas localidades nas imediações de Kiev onde António Guterres esteve, Bucha e Borodyanka, estão já no mapa dos pontos quentes mais importantes desta guerra porque nelas se trava uma "batalha" decisiva pela verdade, que é saber quem foram os responsáveis pelos mortos espalhados pelas ruas e nas valas comuns e se se trata de vítimas colaterais do conflito ou assassinados com intenção por uma das partes em confronto, ou pelas duas.
De um lado, o Governo de Kiev, suportado pela imprensa ocidental, diz que foram palco de graves crimes de guerra e contra a humanidade, falando mesmo de genocídio, cometidos pelos russos enquanto ocuparam Bucha e Borodyanka desde os primeiros dias da guerra, e ao longo de quase um mês, mostrando as valas comuns encontradas após a saída das forças do Kremlin, ou as imagens dos corpos espalhados pelas ruas de Bucha.
Do outro, Moscovo enfatiza que durante o tempo em que as suas forças estiveram nestas duas cidades-satélite da capital ucraniana, num contexto de cerco a Kiev, as populações locais foram tratadas com respeito e que não existiu qualquer morte premeditada de civis, alegando, por outro lado, que os corpos filmados pelas forças ucranianas na estrada, que correram o mundo, resultam de bombardeamentos dos nacionalistas leais a Kiev ou assassinadas por estes por serem próximos dos russos, como dizem prova-lo as braçadeiras brancas - marcas que distinguem, tal como as vermelhas, as forças russas em combate, sendo que os ucranianos usam braçadeiras azuis ou amarelas - que alguns dos cadáveres tinham nos seus braços.
Mas, como admitem alguns analistas, com esta ida a Bucha, pelo seu forte simbolismo e elemento considerado por Kiev como prova mais forte dos crimes de guerra de Moscovo, Guterres voltou a expor-se à crítica por tender claramente para a posição ucraniana quando, ao intitular-se "mensageiro da paz", teria mais hipóteses de sucesso se não se posicionasse desta forma.
Isto, porque, considerando que o principal argumento usado hoje pelo Kremlin para justificar esta invasão da Ucrânia é o ataque persistente ao longo de oito anos às populações russófilas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugasnsk, na região do Donbass, e que o que as forças russas estão a fazer é a defender estas populações de, também, crimes de guerra, onde Guterres não se empenhou para visitar.
Nesta sua ida aos limites geográficos de Kiev, Guterres defendeu ainda, nas declarações de fez aos jornalistas no local, que "uma guerra no século XXI é um absurdo", tendo acrescentado que o pior dos crimes é a guerra em si mesma.
Mostrou-se favorável à investigação em curso sobre os alegados crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), pedindo colaboração nesse sentido à Rússia, um dos países que não reconhece este tribunal nem a sua jurisdição, sublinhando assim o seu pedido anterior de que seja feita uma investigação independente aos crimes de guerra cometidos nesta guerra, que já leva 64 dias desde que as forças de Moscovo avançaram sobre a Ucrânia, embora oficialmente, para o Kremlin, seja uma "operação militar especial".
Ainda hoje, depois de na terça-feira ter estado com o Presidente russo, Vladimir Putin, Guterres vai-se sentar à mesa com o Presidente ucraniano, Zelensky, para depois fazer um balanço deste "tour" pelos países do leste europeu em conflito, sendo que. Antes, na segunda-feira, esteve na Turquia a conferenciar com o Presidente Recep Erdogan, um dos mais empenhados lideres internacionais para procura de uma saída pacífica para este conflito.
O Secretário-Geral da ONU colocou como objectivo de topo deste seu périplo "salvar vidas" e criar condições para que possa ser declarado um cessar-fogo, pelo menos que permita a abertura de corredores humanitários de forma a retirar civis de áreas onde se travam batalhas, como ainda é o caso de Mariupol.
Entretanto, na frente de combate
Nas últimas horas desta quarta-feira, 27, ocorreu um episódio cuja importância no mapa deste conflito ainda não é totalmente claro, com várias explosões sentidas na Transnistria, uma faixa de território na Moldova, com perto de 500 mil habitantes, com fronteira com a Ucrânia, a sul, e que é um auto-proclamada república pró-russa, ocupada por tropas de Moscovo desde o colapso da União Soviética, em 1991.
Os analistas admitem que se trate de uma manobra artificial para levar a Rússia a reclamar esta "república" para o seu universo de influência ou justificar o avanço das suas forças para esta área no sul da Ucrânia. Mas pode igualmente ser o início de uma revolta interna para exigência políticas de natureza ainda desconhecida.
Na frente de batalha, as forças russas continuam a reforçar a sua estrutura ao longo da extensa linha da frente, perto de 500 quilómetros, com os reforços vindos da região de Kiev, que ocuparam no início da guerra, e com reforços provenientes da Rússia, estando, segundo alguns analistas, mais de 150 mil homens fortemente apoiados por meios aéreos e terrestres.
Do outro lado, estão perto de 90 mil ucranianos, as melhor preparadas e melhor equipadas unidades de combate leais a Kiev, que estão a receber de forma quase ininterrupta, excepto quando os russos conseguem destruir os carregamentos de armamento, nomeadamente misseis Stinger e Javelin, Made in USA, mas também artilharia de diversos calibres, oriundos do oeste da Ucrânia, que chegam ao país pelas fronteiras da Polónia e da Eslováquia, na sua maioria por caminho-de-ferro, cuja teia de nós e estações e pontes estão a ser meticulosamente destruídos por misseis de precisão de médio-alcance russos.
Para já ainda não começou a ofensiva russa terrestre, estando as forças de Moscovo a apostar essencialmente, apesar de pequenos avanços de aldeia em aldeia, nos disparos de artilharia e ataques com misseis de precisão nos objectivos militares ucranianos, visando especialmente as suas defesas anti-aéreas e os depósitos de armamento chegado dos países da NATO.
Os especialistas militares chamam a atenção para o facto de os ucranianos terem criado condições de defesa sólidas ao longo dos últimos anos, tratando-se como se trata de unidades de combate veteranas que estão a combater as milícias independentistas de Donetsk e Lugansk, nma guerra de baixa intensidade que já dura há oito anos e já fez mais de 14 mil mortos entre as populações locais maioritariamente russófilas.
O que quer dizer que a ofensiva terrestre russa só deverá começar quando as suas chefias militares entenderem que os bombardeamentos já danificaram estas defesas quanto baste para reduzir os riscos da infantaria que tem de avançar no terreno disputado palmo a palmo, como sucedeu na II Guerra Mundial, prevendo-se inúmeras baixas de um e do outro lado...
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.