Para já, na actualidade que tem os confrontos no leste europeu como pano de fundo, ressalta a ida do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, a Nova Iorque, onde presidiu na segunda-feira ao Conselho de Segurança da ONU, sem novidades de maior apesar de existirem expectativas para o seu discurso, onde voltou a acusar o ocidente de ser o "motor" da guerra em que Moscovo combate o "regime nazi em Kiev".

Uma das questões levantadas pela delegação russa é que os EUA não emitiram vistos para os jornalistas russos que estavam indicados para acompanhar esta deslocação de Lavrov a Nova Iorque, ao que este garantiu que a Rússia não vai esquecer e agirá em conformidade.

A estas palavras sem novidade de Lavrov, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, respondeu com as igualmente esperadas frases já conhecidas, acusando a Rússia de ter ferido a Carta das Nações Unidas ao invadir a Ucrânia sem justificação, deixando claro que os russos desrespeitaram a lei internacional.

O momento valeu quase só e apenas para a Federação Russa relembrar ao mundo que é um dos cinco países com lugar permanente e direito de veto no Conselho de Segurança, reafirmar a sua razão histórica para a invasão de 24 de Fevereiro de 2022 e mostrar que, afinal, apesar dos esforços ocidentais, liderados pelos EUA, no principal palco mundial, não é fácil isolar Moscovo.

Mas, por detrás destes momentos para a fotografia, há uma questão que está a tirar o sono a alguns dos líderes mais poderosos do mundo, especialmente em Washington e em Londres, os dois grandes e mais poderosos financiadores do esforço de guerra ucraniano contra os russos, que é o que pode acontecer se a inevitável contra-ofensiva de Kiev, esperada para esta Primavera e alimentada pela entrega recorde de armamento ocidental às forças ucranianas, falhar?

A questão não é de somenos, porque o Politico, um dos mais respeitados media norte-americanos focados na cobertura da política interna e externa dos EUA, publica esta terça-feira um trabalho onde avança que a Administração do Presidente Joe Biden está seriamente preocupada com a possibilidade de as forças ucranianas falharem a contra-ofensiva e o que isso representa no day after.

O Politico diz mesmo, citando fontes da Administração, embora de forma anónima, que por detrás das portas, Joe Biden e os seus mais próximos no Governo em Washington, estão a preparar um plano B porque estão seriamente preocupados com a possibilidade de os ucranianos falharem o objectivo mínimo com a esperada contra-ofensiva.

Isto, porque dificilmente um falhanço ucraniano não será rapidamente ligado a um falhanço norte-americano, porque são os EUA quem mais apoia Kiev, quem mais armas e dinheiro entrega e quem mais "influencia" a estratégia das chefias militares ucranianas nesta guerra, sendo que o objectivo de Kiev é o máximo possível, que é expulsar as forças russas dos territórios ocupados quando se sabe que Moscovo não só estabeleceu uma sólida linha defensiva como se sabe ainda que tem no terreno uma máquina militar capaz de responder a uma ofensiva ucraniana com outra.

Diz este media norte-americano especializado na política nacional e internacional que, apesar de em público, a Administração Biden estar a suportar sem limites o Governo de Kiev e o seu esforço de guerra, nas salas fechadas, já se está a estudar os passos seguintes a um falhanço ucraniano, estando em cima da mesa dois cenários, num sobressaindo a tese dos "falcões" e outro dos sensatos.

Se de um lado se dirá que se os EUA tivessem dado "tudo" que os ucranianos precisariam, como misseis de longo alcance e aviões F-16, o resultado seria diferente, enquanto do outro terá a missão de sublinhar que a escassez de meios entre as forças ucranianas demonstra que com outro tipo de suporte, teriam tido sucesso e é possível expulsar os russos com outros argumentos bélicos.

Porém, na Europa, ainda mais que nos EUA, é já impossível de esconder o cansaço social com esta guerra devido aos seus efeitos nefastos na vida das famílias, seja na forma como está a impedir que as grandes economias consigam responder aos desafios globais, como as alterações climáticas ou a insegurança alimentar, o mais certo, admitem as fontes do Politico na Administração Biden, que se comece a defender abertamente uma paz negociada e não a derrota da Rússia no campo de batalha como solução.

Alias, esta confirmação de que entre a equipa de Joe Biden existem receios de que as coisas possam correr mal para o lado ucraniano, já tinha sido demonstrada pelos mais de 300 documentos sensíveis ou top secret que saíram para as redes sociais pelas mãos de um jovem, Jack Teixeira, que trabalhava numa base aérea da Guarda Aérea Nacional.

Os cereais do Mar Negro

Entretanto, em cima da mesa das principais preocupações da ONU está já a aproximação do fim do prazo do acordo dos cereais do Mar Negro, a 18 de Maio, com os russos a admitirem que este pode não ser prolongado porque não está a servir os seus interesses, apenas os da Ucrânia.

Para resolver esse imbróglio, como notícia a Lusa, o secretário-geral da ONU, António Guterres, entregou ao chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, uma carta dirigida ao Presidente Vladimir Putin, com uma proposta para "melhorar e prolongar" o Acordo dos Cereais do Mar Negro.

A informação foi avançada pelo gabinete de António Guterres, que indicou que o Acordo dos Cereais foi um dos tópicos abordados entre o líder da Organização das Nações Unidas (ONU) e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, numa reunião entre ambos na sede da ONU, em Nova Iorque.

"O secretário-geral expressou preocupação com os recentes obstáculos encontrados pelo Centro de Coordenação Conjunta [grupo que facilita a implementação do acordo dos cereais] nas suas operações diárias", refere o comunicado difundido pela equipa de Guterres.

A mesma fonte adianta que Guterres "entregou ao ministro [Lavrov] uma carta para o Presidente russo, Vladimir Putin, delineando uma proposta de roteiro a seguir visando a melhoria, extensão e expansão do Acordo, levando em consideração as posições recentemente expressas pelas partes e os riscos colocados pela insegurança alimentar global", aponta o texto.

Uma carta semelhante foi endereçada aos outros dois signatários do acordo, acrescentou o gabinete de Guterres, referindo-a à Ucrânia e à Turquia que, em conjunto com a Rússia e com a ONU, foram responsáveis por esta iniciativa firmada no verão passado e que visou o escoamento dos cereais e alimentos bloqueados nos portos ucranianos desde a invasão pela Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Paralelamente ao acordo sobre cereais, foi também firmado um memorando para facilitar as exportações russas de alimentos e fertilizantes, mas que Moscovo diz não estar a ser cumprido.

A Rússia admite mesmo não prolongar o acordo, caso não se verifiquem progressos no cumprimento desses compromissos.

Face às queixas do Kremlin, o secretário-geral "tomou nota das preocupações expressas pela Rússia sobre a implementação do Memorando de Entendimento (...) sobre a promoção de produtos alimentícios e fertilizantes russos nos mercados mundiais", "forneceu um relatório detalhado sobre o progresso já alcançado a esse respeito e reiterou o compromisso da ONU de continuar a trabalhar para resolver os problemas remanescentes".