O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, voou hoje para os EUA, onde tem encontros marcados com o Presidente Joe Biden e com os lideres do Congresso, onde discursará ainda esta semana, naquela que é uma visita histórica por ser a primeira desde que a guerra rebentou mas também por se tratar do principal aliado de Kiev e o, de longe, maior fornecedor de armas e ajuda financeira à Ucrânia, estando alguns dos mais experientes analistas da política internacional a sublinhar que algo está forçosamente a mudar, porque quando Washington manda chamar é para exigir uma mudança nos acontecimentos, embora não seja ainda certo para que lado, se para rumar a um porto seguro que permita a paz, se para o mar alto de uma escalada militar aproveitando eventuais fragilidades na posição russa de forma a reconquistar territórios ocupados para depois negociar com melhores argumentos.

A possibilidade mais credível, olhando para as análises mais consistentes, é que Zelensky se esteja agora a deslocar a Washington para ouvir de Biden o novo olhar dos EUA sobre este conflito, visto que não só internamente, com um registo de inflação histórico e uma recessão ainda como ameaça real para 2023, com uma crescente contestação popular face ao agravamento do custo de vida, mas também entre os aliados europeus na NATO, onde os aumentos, com o mesmo registo e em consequência do refluxo das sucessivas vagas de sanções económicas à Rússia, está a ameaçar destronar Governo após Governo à medida que eleições têm lugar, como já sucedeu em Itália, na Suécia, quase levou ao colapso em França do Governo de Emmanuel Macron... e deverá atingir Espanha mas também Roménia, Chéquia, Eslováquia, Bulgária...

Convencer Zelensky que chegou o momento de fazer um "restart" nesta guerra no leste europeu só será possível com garantias de que quaisquer negociações integrem um poderoso mecanismo internacional de apoio à reconstrução da Ucrânia, devastada que está por mais de 10 meses de destruição míssil após míssil, obus atrás de obus, bem como a reposição dos territórios anexados por Moscovo no mapa ucraniano, embora este seja o ponto mais complexo, até porque Vladimir Putin já disse que isso não é sequer admissível enquanto tópico para discussão.

O que Joe Biden deve estar a preparar é uma fórmula de convencer Zelensky de que terá de fazer cedências territoriais para acabar com o conflito, sob uma perspectiva de integrar Kiev num plano internacional de segurança e com garantias de uma vaga massiva de investimento externo no país, englobando a recuperação e reconstrução de todo o património obliterado pelas explosões.

Se Kiev está disponível para uma abordagem deste tipo, só os dias o dirão, mas o facto de ter dado início a esta viagem oficial a Washington, a primeira em 10 meses de guerra, é garantia de que algum resultado foi previamente alinhavado.

Isto, porque esta não é a única movimentação que está a marcar este final de ano, também Vladimir Putin esteve na terça-feira em Minsk, na Bielorrússia, para um encontro alargado, onde esteve igualmente o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, uma peça-chave nas movimentações diplomáticas em torno desta guerra, com o homólogo Alexander Lukashenko, vizinho a oeste da Federação Russa e o seu principal aliado na região, e a norte da Ucrânia.

Uma visita deste calibre a Minsk é, para vários analistas, a confirmação de que a Bielorrússia vai ter um papel importante neste período, podendo ser parte da preparação de uma ofensiva russa a partir do norte sobre Kiev, como aponta o major-general Agostinho Costa, especialista militar da CNN Portugal, dando seguimento aos exercícios militares conjuntos que decorrem há meses em território bielorrusso, mas há quem veja nesta ida de Putin a Minsk como uma tentativa de mostrar uma normalidade que corre paralela ao conflito, até porque nas declarações que fez para os media, Putin admitiu a fase problemática das unidades russas mas destacou essencialmente a dimensão económica da cooperação entre os dois países.

E foi ainda no rescaldo desta deslocação a Minsk que de Moscovo surgiu a primeira reacção à ida a Washington do Presidente ucraniano, pela voz de Dmitri Peskov, o porta-voz do Kremlin, que atirou a matar: "nada de bom poderá sair da ida do Presidente ucraniano aos EUA", acrescentando que "Moscovo não vê quaisquer possibilidades de isso poder ajudar a que conversações de paz possam ter lugar em breve".

Só que, de Moscovo não poderia vir outra reacção quando se soube também por estes dias que os Estados Unidos vão fazer chegar a Kiev um dos mais graúdos pacotes de ajuda militar e financeira desde o começo da guerra, que deverá incluir os sistemas anti-aéreos Patriot, considerando ainda Peskov que este "continuado fornecimento de armas aos ucranianos só contribui para o aprofundamento e prolongamento da guerra".

Para o que importa, está igualmente a decorrer uma deslocação do antigo Presidente russos, e actual vice-líder do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, à China, onde se vai encontrar com Xi JInping, o Presidente chinês, para discutir uma mensagem de Putin com foco na guerra na Ucrânia.

Pequim mantém desde o início do conflito uma postura vagamente distante apelando sucessivamente à substituição da guerra pelo diálogo, mas, ao mesmo tempo, de forma que tem enfurecido Washington, finca pé na ideia de que nada pode parar o aprofundamento das relações entre China e Rússia, em todos os níveis - para já não se conhece que estejam a ser enviadas armas chinesas para a Rússia -, incluindo naquilo que é a maior ameaça de sempre ao domínio global dos EUA e do "ocidente": a aposta na criação de uma nova ordem mundial com base da cooperação mútua sem nenhuma potência a ditar regras, desde logo com o fim pretendido de tirar ao dólar o estatuto de moeda franca planetária.

Perante este cenário... Zelensky com Biden em Washington, Putin com Lukashenko em Minsk, Medvedev com Xi Jinping em Pequim, com os lideres da União Europeia, especialmente alemães e franceses, a pugnarem por um fim acelerado da guerra, e com indícios de que até os mais acérrimos aliados de Kiev no apoio à guerra, como a Polónia e os países bálticos, a mostrarem dados que indicam, inesperadamente, uma continuidade dos negócios com a Rússia, a ponto de a Polónia estar a encomendar petróleo russo para 2023, quando se sabe que é o maior defensor em público de uma proibição total à sua importação pela União Europeia, dificilmente a aposta deixará de ser na ideia de algo de novo está a acontecer a oeste para mudar tudo na frente leste desta guerra.

O risco de novo êxodo para o ocidente

Uma das questões mais em foco nas análises dos especialistas no media europeus, onde se sente o mesmo tipo de frio gélido que na Ucrânia, é se a Ucrânia poderá passar este Inverno sem um êxodo gigantesco de milhões de pessoas para os países do ocidente de forma a fugirem do frio, tendo mesmo sido esse o tópico em realce da conversa recente entre os Presidentes Zelensky e Macron.

Apesar desta procura de resposta a um problema em tempo real, a verdade é que, ao observar as diversas abordagens na imprensa ocidental, facilmente se percebe que de Paris a Berlin, de Varsóvia a Budapeste, de Madrid a Roma, o pânico de um novo tsunami de refugiados ucranianos a atravessar as fronteiras para fugirem do frio está a instalar-se.

Isto é um problema porque, se em Março, Abril e Maio deste ano, depois do avanço das forças russas sobre a Ucrânia a 24 de Fevereiro, milhões de pessoas chegaram aos países ocidentais, a resposta foi imediata e eficaz, muito distinta da que a mesma Europa dispensa aos refugiados africanos e asiáticos que demandam aos seus territórios, hoje teme-se que essa resposta seja menos eficaz e pronta, porque os povos europeus estão, também eles, a atravessar dificuldades que jamais pensaram ser possível, devido a esta guerra, sendo, por isso, a disponibilidade, tanto de meios como anímica, muito menor face ao que ocorreu na primeira avalanche de refugiados.

Alguns analistas mais cínicos sublinham mesmo que não é fácil distinguir o que move os lideres europeus de forma mais sonora, se a "solidariedade europeia", se o "medo" de não conseguirem sobreviver às consequências políticas de uma crise de refugiados em pleno Inverno e em plena crise económica de inflação e recessão históricas, podendo ainda suceder que tal movimentação possa baixar ainda mais a vontade popular de manter o apoio a Kiev que os lideres da União Europeia, especialmente a Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, do chefe da diplomacia de Bruxelas, Joseph Borrell, insistem em prolongar e aprofundar, sendo cada vez mais evidentes os sinais de que isso também está a ser menos bem visto nas chancelarias das principais capitais europeias, mas muito apreciado em Washington, o que está também a exponenciar um público mal-estar entre europeus e norte-americanos devido ao efeito de refluxo das sanções e do conflito em si.

Se vai ser possível, só com o passar do tempo se saberá, mas há um dado que os lideres europeus têm estado a sublinhar, que é o facto de este Inverno, apesar de severo, está longe de ser um dos mais frios dos últimos anos, sendo mesmo dos mais amenos de sempre... E nada garante que no ano que vem, tal se repita.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.