A resposta não é apenas difícil, é impossível de ser dada de forma taxativa, porque em questão estão interesses que vão muito além do campo de batalha, com Kiev a ter de dar seguimento ao que dele se espera entre os seus aliados ocidentais, liderados pelos EUA, que estão há meses a encher os paióis ucranianos de armas e munições com a contra-ofensiva na mira.
Se não avançar a contra-ofensiva, com que Volodymyr Zelensky diz querer retomar a integralidade dos territórios ocupados pelos russos desde 24 de Fevereiro de 2022, o que vai fazer às armas e o que vai dizer a quem lhas está a oferecer como ferramenta para derrotar a Rússia no campo de batalha, ou, pelo menos, fragilizar o gigante da EurÁsia, como, de resto o afirmam, entre outros, o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, e a líder da Comissão Europeia, Ursula Leyen.
Alguns analistas, no que são corroborados pelos documentos secretos do Pentágono que foram recentemente parar às redes sociais, admitem que a Ucrânia não está em condições de avançar com a contra-ofensiva, porque está ainda mal equipada militarmente e porque tem sofrido um número alarmante de baixas nas suas fileiras, especialmente nas batalhas extenuantes de Bakhmut e Avdiivka , na região de Lugansk, onde diariamente são evaporadas centenas de vidas.
Depois do telefonema, ficou-se ainda a saber que Pequim vai enviar uma delegação a KIev chefiada por um experiente diplomata, com o objectivo de conversar com o Governo de Zelensky sobre os passos que se seguem a esta entrada em cena da diplomacia chinesa.
Com esta chamada, realizada, ao que tudo indica, ainda durante o dia de terça-feira, mas reportada esta quarta, 26, Xi Jinping pode estar a contar com essa realidade para melhor ser recebido nas suas propostas pelo Presidente ucraniano, embora Zelensky não tenha baixado, nos últimos dias, a bravura dos seus discursos em vídeo diários, onde insiste que quer recuperar tudo o que perdeu para os russos desde 2014.
Como divulgou o Governo de Pequim, através do seu Ministérios dos Negócios Estrangeiros, e também Kiev, a conversa serviu para os dois lideres clarificarem posições, tendo Xi reconfirmado o seu posicionamento em defesa de negociações para aabar com o conflito, enquanto Zelensky mandou dizer que defendeu o fortalecimento das relações entre os dois países, o que vai ficar mais facilitado com o envio do novo embaixador da Ucrânia para Pequim.
Naquela que terá sido a primeira conversa entre os dois desde o início da guerra, e depois de Xi ter estado em Moscovo, há cerca de um mês, onde se começou a aflorar a possibilidade de uma visita do líder chinês a Kiev, embora Pequim tenha clarificado que o contacto seria por telefone e quando Jinping entendesse ser o momento apropriado, pouco ou nada se sabe do que de mais relevante passou pela linha telefónica, mas há teses defendidas por alguns analistas que abrem perspectivas de uma eventual paz negociada...
Que passaria por Xi Jinping colocar os seus trunfos em cima da mesa, que é um forte apoio do gigante asiático ao complexo, demorado e caro processo de reconstrução do país, alinhando estratégia de mútuo interesse, como a questão da Nova Rota da Seda, que Pequim poderá fazer passar estrategicamente pela Ucrânia rumo à Europa ocidental.
Este chamariz pode ainda ser potenciado com a ideia de que a China estará na posse de informações privilegiadas sobre a situação social na Ucrânia, onde a contestação não é mediaticamente visível mas onde se sabe que cresce o descontentamento das famílias que não sabem dos seus filhos, maridos ou familiares enviados para a linha da frente, o que deixará Zelensky mais flexível para um entendimento com Moscovo.
Isso seria igualmente desejo de cada vez mais países ocidentais, saturados que estão das consequências da guerra nas suas economias, embora tal só seja possível se em Moscovo Vladimir Putin conseguir reajustar a sua bússola estratégica para reduzir, e muito, o seu apetite por territórios ucranianos anexadas em 2002 - Donetsk, Lugansk, Zaporijia e Kherson -, porque a Crimeia, a estratégica península no Mar Negro, será carta fora deste baralho negocial para o Kremlin, até porque é ali que tem uma das suas mais importantes bases navais, em Sebastopol.
Para já, numa das citações mais usadas pelos media a partir desta conversa, Xi Jinping disse a Zelensky que a China "não vai incentivar nem um nem o outro lado nem atirar gasolina para a fogueira", defendendo a posição do primeiro minuto, que é levar a resolução do conflito para a mesa das negociações.
Porém, esta posição, que já foi aceite por Moscovo, e está a ser defendida cada vez por mais lideres, como os Presidentes do Brasil e da França, esbarra claramente nos "falcões" ocidentais, dos EUA à Polónia, passando pelo Reino Unido e pela Comissão Europeia, que não admitem oura solução que não seja a retirada das tropas russas na totalidade e de todos os territórios ocupados, incluindo a Crimeia, sendo que esta posição é facilmente imposta a Kiev pela via do apoio gigante que lhe têm proporcionado, em dinheiro e armamento.
A China, todavia, também está limitada pela sua própria realidade, como o demonstra o mapa de 12 pontos apresentado em finais de Fevereiro com a sua posição oficial, onde não pode aceitar outra posição que não seja o respeito pela integridade territorial da Ucrânia, apesar das relações de grande proximidade com Moscovo, porque é o mesmo posicionamento que exige dos EUA e da União Europeia sobre a ilha rebelde de Taiwan.
Entretanto, no terreno, a chuva tardia desta Primavera pode estar a ser uma aliada da paz, porque está a atrasar a contra-ofensiva anunciada por Kiev, e que se vier a acontecer, será de tal dimensão a tragédia humana, as mortes que a ela seguramente vão ficar associadas, o que seria acrescentar um obstáculo mais ao caminho para a mesa das negociações.
E esta chamada de Pequim para Kiev pode ser a última possibilidade para evitar o pior, porque se a Ucrânia está a juntar centenas de carros de combate pesados fornecidos pelo ocidente, novas peças de artilharia, lança-mísseis... e aviões de guerra, com o treino proporcionado por forças do Reino Unido, Espanha, Alemanha, etc, contando com mais de 200 mil homens em armas, a Rússia também fez chegar à linha da frente dezenas de milhares de militares recentemente treinados, com as suas unidades fabris de produção de "tanques" e munições no máximo, ao mesmo tempo que passou os últimos meses a erguer uma linha defensiva ao longo dos territórios ocupados.
Com tal cenário pela frente, qualquer iniciativa ucraniana de avanço sobre o terreno, será respondido com uma força russa de artilharia e infantaria, apoiada em centenas de carros de combate, com não se viu desde o fim da Grande Guerra, em 1945, o que só permite antecipar uma tragédia colossal em perdas de vidas de ambos os lados...
Se Xi Jinping conseguir evitar tal cenário, e encaminhar os beligerantes para a mesa das negociações, então, provavelmente terá conseguido o maior feito da diplomacia chinesa de sempre e Pequim está decididamente lançada como ma grande potência diplomática, visto que económica e miliar já o é...
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.