As forças ucranianas estão, efectivamente, a forçar as linhas russas na região de Donetsk, com especial empenho na cidade de Bakhmut, onde as notícias são contraditórias, indicando umas que os ucranianos furaram as defesas do inimigo a norte e a sul, outras que se tratou de uma fuga das unidades russas e ainda outras que se tratou de um reposicionamento estratégico organizado enquanto os paramilitares do Grupo Wagner continuam a avançar para oeste, onde a resistência ucraniana é feroz mas em nada distinta do que era até aqui.
Outras das indicações de que os ucranianos estão, efectivamente, a dar corda à sua contra-ofensiva é a forma como abateram quatro aparelhos aéreos, dois helicópteros e dois aviões de guerra, naquilo que parece ter sido uma armadilha bem organizada pela força aérea de Kiev, na zona de Bryansk, ainda em território russo não ocupado, embora também aqui as notícias conflituem sobre os factos, porque os próprios ucranianos dizem que os aparelhos russos foram abatidos por "fogo amigo" devido a uma confusão da defesa anti-aérea de Moscovo.
Outro indicador que os analistas militares estão a apontar como elementos de prova de que uma contra-ofensiva está em marcha são as quantidades de homens e armamento posicionado em áreas estratégicas na retaguarda claramente criadas para apoiar avanços militares imediatos porque se assim não fosse, expunham-se perigosamente a ataques aéreos devastadores pelos misseis e aviação russa, embora isso ainda não tenha acontecido.
O que pode denunciar alguma desorganização ucraniana ou uma espera quase desesperada por novos meios de ataque como os já confirmados misseis de longo alcance (mais de 300 kms) britânicos Storm Shadow, antes de um avanço mais decidido, o que se ficará a saber sem margem para dúvidas nas próximas 24 a 48 horas, porque estes roquetes, que eram um derradeiro pedido de Kiev aos aliados ocidentais para fazer avançar a máquina de guerra sobre as linhas de defesa russas ao longo dos mais de 1.200 kms, já estão a ser usados e foram responsáveis por um violento e mortífero ataque à cidade de Lugansk, que já não era atacada há largos meses por estar a mais de 100 kms das posições ucranianas.
Alias, esta aparente indefinição naquilo que está a acontecer no terreno, se é a muito falada contra-ofensiva a avançar por etapas, previstas e programadas, ou mesmo desorganização, já está a dar resultados para os russos.
Embora os media ocidentais tenham bloqueado esta informação, neste fim-de-semana, 13 e 14, foram vistas e ouvidas as maiores explosões em território ucraniano desde o início do conflito - nalguns comentários nas redes sociais chegou-se a avançar que aquelas dimensões dos "cogumelos" que saíram das explosões só poderiam ser provocadas por ogivas nucleares de menor dimensão, as chamadas armas nucleares tácticas.
Estas explosões que visaram a destruição de vastos armazéns de armamento ocidental, incluindo como possibilidade as famosas e polémicas munições com urânio empobrecido que os britânicos ofereceram a Kiev, munições convencionais, misseis e combustível de avião, ocorreram nas cidades de Khmelnytsky (centro da Ucrânia), que alberga um estratégico nó ferroviário e rodoviário, um gigantesco parque industrial, e Ternopil (oeste), que, além de ser uma localização estratégica rodoviária e ferroviária na passagem da Polónia e Roménia, de onde chegam as cargas de armas e munições ocidentais, para o leste da Ucrânia, o seu aeroporto serve ainda uma base para a aviação de guerra considerada fundamental.
Da linha da frente para o coração da Europa ocidental...
... foi o que fez o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que nos últimos dias esteve, além de Berlim e Paris, e já hoje, Londres, na capital italiana, Roma, e no Vaticano, onde se encontrou com o Papa Francisco, a quem disse, depois de um encontro de uma hora, que a Ucrânia não precisa de mediadores mas sim de uma "paz justa", que o próprio já explicou que quer dizer a saída de todos os soldados russos do território histórico ucraniano, incluindo a Crimeia, o que o Kremlin deixou claro ser um assunto inegociável.
Esta resposta foi dada por Zelensky ao apelo de Francisco para que Ucrânia e Rússia avancem com sinais de paz e esperança para as populações martirizadas, sendo que o Papa se propôs como mediador para as partes se sentirem mais confortáveis, mas o homem forte de Kiev rejeitou já essa proposta, embora tenha agradecido, pedindo ao sumo pontífice que condene os crimes de guerra perpetrados pelos russos na Ucrânia.
Defendeu ainda que "não pode haver equidade entre vítima e agressor", deixando claro que a única via para a paz que admite é a sua fórmula conhecida como "dez passos" porque é o "único algoritmo que pode alcançar uma paz justa".
Este périplo de Zelensky não foi anunciado e foi sendo desenrolado à medida que acontecia, estando apenas prevista a deslocação à capital alemã, Berlin, no Sábado, porque Roma, Vaticano, Paris e já esta segunda-feira, 15, a Londres, onde visitou o primeiro-ministro britânico Rishi Sunak na sua casa de campo, a quem agradeceu a oferta de, entre 200 e 300, segundo as diferentes fontes, misseis Storm Shadow.
No Domingo foi a vez de o "tour Zelensky" passar por Paris, onde ouviu do Presidente Emmanuel Macron, quase sem excepções, as mesmas juras de amor eterno que ouvira antes em Roma, da boca de Giorgia Meloni, a primeira-ministra italiana, incluindo a necessidade de aumento da pressão internacional sobre a Rússia e novos pacotes de sanções
"A Ucrânia e França estão de acordo quanto à necessidade de aumentar a nossa pressão coletiva sobre a Rússia através de novas sanções, para enfraquecer a capacidade do país de prosseguir a sua guerra de agressão ilegal", declararam os chefes de Estado dos dois países num comunicado citado pela Lusa.
"Nas próximas semanas, França vai treinar e equipar diversos batalhões com dezenas de veículos blindados e tanques ligeiros, entre os quais os AMX-10RC", especificaram, na declaração conjunta.
Paris vai também concentrar os "esforços no apoio à capacidade de defesa antiaérea da Ucrânia", acrescenta-se no texto.
"Tour Zelensky" para mostrar força ou...
... preparar o caminho para uma solução logo após a contra-ofensiva? Esta é a questão que mais ruído está a provocar nas colunas faladas e escritas por analistas e estrategas militares e políticos em quase todo o mundo.
Porque há uma coisa que se sabe sem margem para dúvidas, como se sabe que todos os caminhos vão dar a Roma: O que chega aos media durante, antes e após estas visitas é uma fina capa da realidade que esconde o que de verdadeiramente importante é discutido e acordado.
Factos:
1 - A contra-ofensiva ucraniana está a ser exigida de forma agressiva mesmo pelos lideres das organizações que mais têm dado a cara pelo apoio ocidental a Kiev, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, que disse, mesmo antes dos Storm Shadow, que Kiev já tinha tudo o que pedira para mandar avançar as tropas sobre as posições russas, acrescentando agora que Kiev só pode almejar entrar na NATO se vencer os russos nesta guerra, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que não se cansa de repetir que a Rússia tem de ser derrotada no campo de batalha dê por onde der.
2 - Os países da Europa ocidental estão a atravessar crises económicas e sociais severas, que as suas populações, segundo vários estudos de opinião, atribuem à guerra na Ucrânia e às suas consequências económicas, desde logo pelo corte no acesso à energia russa, petróleo e gás baratos, devido às sanções, a inflação historicamente alta.
3 - Cresce sem margem para dúvidas o protesto popular contra os gastos astronómicos com a Ucrânia - na visita a Berlin, Zelensky recebeu mais 3 mil milhões USD - à medida que se agravam as dificuldades entre as famílias europeias.
4 - Esta contra-ofensiva é a derradeira oportunidades dada pelo ocidente aos ucranianos e somam-se as indicações de que a seguir Kiev será obrigado pelos seus parceiros ocidentais a sentar-se à mesa. Esta percepção é cada vez mais fundada em factos, como é disso demonstração as recentes palavras de Mikaylo Podolyak, o principal conselheiro de Zelensky, que veio alertar (em tom de ameaça) os aliados ocidentais para os "ataques terroristas" nos seus países se deixarem de apoiar militarmente a Ucrânia.
Face a este cenário, a visita de Zelensky a Itália, Vaticano, Alemanha (onde recebeu o prestigiado Prémio Europeu Carlos Magno), França e Reino Unido, as quatro grandes potências económicas e militares da Europa ocidental, devendo, como sempre faz, passar pela Polónia a caminho de Kiev, no regresso a casa, algo de muito importante levará na bagagem o Presidente ucraniano.
O quê?
No que se sabe, muito dinheiro e novas remessas de armas, estando agora em cima da mesa a possibilidade de serem enviados para Kiev aviões de guerra modernos, nomeadamente os norte-americanos F-16, os franceses Rafale, os suecos Gripen ou os britânicos Typhoon, os carros de combate pesados que foram prometidos mas ainda não chegaram à Ucrânia e novas sanções à Rússia, como a União Europeia já anunciou que iria aplicar no seu 11º pacote.
O que os analistas admitem que está na bagagem mas não foi noticiado?
A necessidade incontornável de começar a definir uma nova fase no conflito, logo após a contra-ofensiva, onde se espera que Kiev reconquiste uma parte relevante dos territórios já anexados pela Rússia, a partir de onde os ucranianos possam chegar à mesa de negociações com mais capacidade negocial, não apenas pelo que conquistaram (?) mas essencialmente pela capacidade de continuar a guerra com renovado vigor graças aos novos armamentos que equipam as suas forças, especialmente os misseis de longo alcance e eventualmente aviões de guerra modernos.
Para este desfecho, a posição dos Estados Unidos é fundamental. E pode ser mesmo em Washington que este périplo foi "organizado", porque a pouco mais de um ano das eleições Presidenciais, o Presidente Joe Biden, que deverá enfrentar de novo nas urnas Donald Trump, o seu antecessor, que lidera as sondagens, algumas por larga maioria, está em perda e com crescentes dificuldades.
Dificuldades essas que resultam dos dados da economia, onde a inflação tem diminuído mas não sem dar muita luta, problemas com a sua saúde, com cada vez mais pedidos para que se sujeite a testes de despistagem de demência, e com os estudos de opinião negativos a começarem a ser demasiado ruidosos para os dirigentes democratas de topo, e ainda com um velho escândalo que envolve o computador do seu filho, Hunter Biden, onde terão sido descobertas provas de envolvimento em esquemas ilegais com, alguns deles, ligações à Urânia, quando era vice-Presidente de Barack Obama, a ser ressuscitado, pelos media mais conservadores, estrategicamente.
Tal contexto, segundo admitem alguns analistas, leva a que a Casa Branca esteja actualmente a pressionar, nos bastidores - o CEMGFA Mark Milley fê-lo abertamente por duas vezes -, para uma saída negociada para este conflito que está a ser usado pela equipa de Trump para o atacar, tendo mesmo dito que acabaria com ele "em 24 horas", e a ser apontado como uma das razões para a crise bancária que já levou três bancos norte-americanos a colapsarem, além da crise diplomática com a China e o ataque global que está em curso ao dólar como moeda franca planetária, com o eixo Pequim-Moscovo a forçar o caminho para uma nova ordem mundial que retire aos EUA e aos seus aliados ocidentais a hegemonia global de que usufruem desde o final da II Guerra Mundial.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.