... onde disse aos milhares de apoiantes que o esperavam no seu campo de golfe de New Jersey para uma acção de recolha de fundos, que "eles", referência vaga aos poderosos de Washington "colados" a Joe Biden e aos democratas, lhe querer "tirar a liberdade" porque sabem que ele "nunca permitirá que a liberdade do povo seja roubada".

Enfatizando sempre, e de forma repetida à exaustão, a sua inocência, como disse estar à juíza que o ouviu em Miami, onde apareceu acusado de manter milhares de documentos confidenciais e "top secret", explicou aos seus apoiantes que manteve as caixas de documentos, dezenas de caixas na sua casa de Mar-a-Lago, depois de deixar a presidência, em 2020, porque "a lei lhe permitia fazê-lo" e porque a maior parte delas continha "pertences pessoais".

Está ou não inocente Donald Trump? As opiniões, inclusive opiniões de especialistas, dividem-se, porque a denominada "Lei da Espionagem - Espionage Act", que remonta a 1917, não é taxativa quanto aos prazos e formas de entrega dos documentos aos arquivos nacionais, nem sequer define com precisão relojoeira o tipo de informação que tem de estar contida nesses documentos para terem de ser considerados abrangidos pelas disposições legais definidas pelo Congresso há mais de 100 anos.

Aos 76 anos, o multimilionário, como diz ser, apesar de ter sobre si também suspeitas de fugas milionárias aos impostos, está acusado de pôr em risco a segurança nacional ao manter sem protecção documentos secretos, onde estão incluídos planos militares e, entre outros, mapas e especificações das armas nucleares da maior potência militar do mundo.

Seja como for, estando ou não inocente, Trump terá de ter muito estômago para passar pelas múltiplas barreiras judiciais que tem pela frente e que se vão acumulando umas a seguir às outras, com dezenas de acusações sobre os ombros, desde logo os menos severos politicamente, a julgar pelas sondagens, que são os que envolvem alegadas agressões sexuais a uma famosa colunista, o pagamento ilegal a uma artista porno para comprar o seu silêncio (ver links em baixo nesta página) e, agora, aquele que pode ser o de mais difícil digestão, o caso dos documentos secretos.

O que mais gera estranheza entre os analistas é o porquê de Donald Trump ter armazenado dezenas de caixas de documentos classificados e "top secret" na sua casa, algumas em casas de banho, oferecendo resistência durante um ano para as entregar aos arquivos nacionais, e, quando o fez, fê-lo apenas em parte, o que levou o FBI a irromper pela sua casa para levar o resto numa aparatosa operação que foi coberta em directo pelas tvs e sites de todo o mundo.

Questionado sobre o porquê de ter agido desta forma, o antigo Presidente, que é o primeiro na história dos EUA a ser detido, tendo-o sido já por duas vezes - nas duas idas a tribunal, agora e há um mês em Nova Iorque, foi efectivamente detido mas deixado em liberdade a aguardar futuras tramitações -, disse que o fez porque podia, segundo a sua interpretação da lei, e porque, também, as caixas "suspeitas" não eram mais que coisas suas sem importância de Estado.

Uma das questões que está a gerar acesa discussão nos EUA é se estes processos estão a prejudicar ou a beneficiar Trump. As opiniões dividem-se, mas, olhando para as sondagens, a popularidade do ex-inquilino da Casa Branca subiu consideravelmente quando no mês passado deixou o tribunal de Manhattan, em Nova Iorque, e, agora, tudo indica que também assim será.

A única forma de poder ser travado na sua, até agora, caminhada de sucesso rumo à nomeação nas primárias democratas - os partidos escolhem internamente por votação directa o nomeado às Presidenciais - é vir a ser preso antes de Novembro de 2024, porque dessa forma, admitem os analistas, desistiria. O que não é provável vir a suceder porque facilmente a sua milionária equipa de advogados conseguirá arrastar as coisas para lá das eleições.

E se for avante, os democratas de Joe Biden, que já tem a sua própria candidatura a correr, têm um problema entre mãos, porque, se entre os republicanos, a sua vantagem nas sondagens é de quase 50% acima do segundo mais pretendido, Ron DeSantis, governador de Miami, 46% contra 22%, enquanto o ex-vice de Trump, Mike Pence, está fora da órbita das possibilidades, com apenas 5% de intenções de voto e a desajeitada Nikki Halley, anterior embaixadora na ONU, se fica por uns envergonhados 2%.

Mas o que pensa disto tudo Trump?

No primeiro discurso público, logo no final do dia de terça-feira, depois de nessa manhã ter estado em tribunal, com milhares de pessoas na rua, contra e a favor dele, com centenas de media a cobrir em directo todos os seus passos e a sua caravana a ser seguido ao milímetro nas tvs de todo o mundo, foi directo ao assunto, no seu campo de golfe de New Jersey: "Eles estão a abusar abominavelmente do poder judicial para me tirarem da corrida eleitoral".

Acusou com violência os seus adversários democratas de serem "corruptos", com Joe Biden, de 80 anos, a ser "o mais corrupto" e a quem acusa de "abusar do poder para atacar o adversário" naquilo que considera ser "uma intromissão eleitoral".

Mas não parou por aí, ameaçou mesmo Biden de, quando for eleito, nomear com urgência um procurador especial para "o investigar"

"Nomearei de imediato um procurador especial competente seguir os passos do Presidente mais corrupto da história dos EUA e toda a família criminosa de Biden", acusando, entretanto, o procurador encarregado do seu caso de ser uma ferramenta ao serviço dos democratas dedicando-se aos "assassínios políticos".

Sobre estas acusações de Trump dirigidas a Biden, a administração democrata tem recusado fazerem qualquer sentido, repetidamente, sublinhando os seus assessores que o Departamento de Justiça, apesar de ser parte da estrutura governativa, e independente.