Foi no estado do Iowa que os quatro candidatos republicanos, o ex-Presidente Donald Trump, o governador da Florida Ron DeSantis, Nikki Halley (na foto), antiga embaixadora nas Nações Unidas, e o empresário Vivek Ramaswamy, experimentaram o sentido de voto dos eleitores e o resultado foi o que estava escrito nas estrelas das sondagens.
Donald Trump só não ganhou esta votação, denominada "Caucus", que consiste na escolha por dedo no ar em diversas assembleias locais, com 51%, deixando DeSantis a grande distância, com apenas 21% e Halley com 19%, como conseguiu que Vivek Ramaswamy, face à fraca votação obtida, deixasse a corrida para lhe endereçar o seu apoio. Votaram perto de 100 mil pessoas no Iowa.
O sistema político norte-americano, para quem está menos atento a esta realidade, pode causar alguma confusão, porque os partidos escolhem os seus candidatos através de uma intensa e prolongada disputa eleitoral interna nos 50 estados e no distrito de Columbia, seja através de votações em urna de voto ou dedo no ar (Caucus).
E só depois, em Junho, os delegados eleitos, num mínimo de 1,215 para um total de 2,429, escolhem quem vai disputar a Casa Branca com o adversário democrata e, eventualmente, um ou mais independentes, que podem ter um papel decisivo se a luta entre os favoritos for renhida.
Nesta votação, que os seus adversários internos tinham como termómetro eleitoral para verificar o efeito da exposição de Trump aos múltiplos escândalos judiciais em que esteve e está envolvido desde que deixou a Casa Branca em 2020 (ver links em baixo nesta página), o antigo Presidente conseguiu o pleno, ao derrotar de forma inequívoca os seus adversários internos e a lançar a sua "chama" sobre o seu adversário para 05 de Novembro.
A importância deste resultado é, todavia, limitada, porque se trata de um estado de pequena dimensão e visto como conservador, também era esperada a sua vitória, o que reduz a valia de usar esta votação como medidor da vontade popular para os restantes 49 estados.
Ainda assim, Donald Trump foi ao púlpito comemorar a vitória para agradecer por segundos e aproveitar para atacar por minutos Joe Biden, sublinhando a sua "catastrófica" política externa, acusando-o de deixar os EUA mal na fotografia dos conflitos que continuam a ceifar vidas na Ucrânia e no Médio Oriente, descorando as graves questões internas, da economia à imigração...
"Já fomos uma grande Nação e hoje estamos em declínio", disse Trump aos seus apoiantes, a quem, horas antes, tinha dito, por causa do frio intenso, mais de 25º negativos em vários municípios do estado do Iowa, que mesmo que morressem após terem votado, "valia a pena" para tirar a "esquerda radical do poder".
Pediu união de todos, especificando que pretende reunir democratas, republicanos e independentes num "objectivo comum" para uma "novamente grande América", para "resolver os problemas no mundo", deixando uma chuva de promessas claramente populistas e polémicas, como, por exemplo, garantir "imunidade total para todas as forças de segurança".
Insistiu, na noite de vitória no Iowa, nalgumas ideias fixas e simples para os seus eleitores no próximo dia 05 de Novembro, como, por exemplo, acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas, ser um "ditador por um dia" para "mandar fechar a fronteira com o México, acabar com a invasão de imigrantes e apostar tudo na produção de mais petróleo" e dizer que a prioridade vai ser "a América" e não o resto do mundo, que terá de aprender a viver sem ser às costas dos EUA,
Donald Trump, se conseguir o objectivo de destronar Joe Biden, não será apenas um tsunami na política interna, vai igualmente abanar fortemente a forma como Washington olha para o resto do mundo.
Onde está África no mapa mental do mundo na cabeça de Trump?
E alguns analistas admitem, até porque o seu registo de 2016 a 2020, quando mandou na Casa Branca, o sustenta, que o seu regresso vai ser uma machadada na actual estratégia norte-americana de disputar com Rússia e China, contando com o apoio dos seus tradicionais aliados ocidentais, a nova ordem mundial, podendo o continente africano voltar a deixar de ter interesse para Washington.
Com os EUA de novo a concentrar atenções em África, com a chegada de Biden ao poder, há três anos, Angola foi um dos países do continente que mais alterou a sua posição face à geoestratégia global, tendo isso ficado claro no encontro com João Lourenço na Casa Branca, em Dezembro, sendo o resultado já visível, não só no realinhamento estratégico de Luanda nas organizações internacionais, como a ONU, e no seu posicionamento face às crises internacionais, como a guerra na Ucrânia, distanciando-se claramente de Moscovo e de Pequim.
A questão é, como vai ser se Donald Trump, como todas as sondagens o apontam, ganhar as Presenciais deste ano e cumprir com a sua natureza política isolacionista, esquecer África na sua agenda internacional muito mais limitada, concentrando "fogo" claramente na China como a potência económica adversária e vier a aproximar-se de Moscovo, como sucedeu no seu primeiro mandato?
Devido à volatilidade do seu carácter e à inconsistente posição sobre a agenda externa norte-americana, sendo disso bom exemplo a forma como pretendeu, e nada deixa perceber que mudou de ideias, acabar com a NATO, acusando os países europeus de estarem a viver à conta da protecção e dos gastos na Defesa dos "americanos", tudo está em aberto sobre África, até porque nem Trump poderá ignorar a importância do continente quanto à crescente procura de minerais estratégicos raros e dos quais o mundo depende em boa parte da sua exploração no subsolo africano.
Mas as questões essenciais em cima da mesa são sobre os investimentos prometidos pela Administração Biden, alguns já em curso, nomeadamente em Angola, seja na ferrovia, Corredor do Lobito, seja na área das energias renováveis, mas também noutros países, como a Zâmbia, a RDC, a Nigéria, ou mesmo o Quénia, entre outros, porque ao longo dos últimos meses de pré-campanha, Donald Trump ignorou completamente estas questões.
E das poucas referências que fez a uma hipotética política externa para a sua Presidência, Trump apenas apontou o Médio Oriente, ni caso da guerra em Gaza, mostrando total e inequívoco apoio a Israel, e sobre a guerra na Ucrânia, que disse ir acabar com ela em horas, sem explicar como mas claramente fortalecendo a posição negocial russa, retirando o apoio a Kiev.
Apesar de ser provável uma redução da importância do continente na agenda externa de uma eventual Administração Trump a partir de 2025, a dimensão desse refluxo entre as prioridades de Washington só poderá ser melhor medido e analisado quando se conhecer a sua equipa governativa, especialmente o seu ou a sua nova chefe da diplomacia na secretaria de Estado.
E uma das possibilidades é Nikki Halley, que actualmente disputa a eleição interna com Trump mas tem feito elogios à sua Presidência, sob a qual serviu como embaixadora na ONU, podendo desistir em revê se voltar a ficar em terceiro lugar, atrás de DeSantis, até porque também o ex-Presidente a tem poupado ao mesmo tipo de ataques que dirige ao governador da Florida, elogiando mesmo a sua competência diplomática, embora "incapaz para ocupar a Casa Branca".
A confirma-se este cenário, Halley pode ser um pau de dois bicos para a parte do continente africano interessado em alimentar uma proximidade estratégica com os EUA, porque, se por m lado, a sua passagem pelas Nações Unidas lhe permitiu incorporar uma noção clara da importância do continente na geopolítica global, por outro é nulo ou quase a presença de qualquer pensamento seu sobre o assunto nas suas diversas intervenções públicas.