A guerra na Ucrânia, na cabeça de Donald Trump, é a guerra de Joe Biden, o ainda Presidente dos Estados Unidos, e não a quer como herança quando a 20 de Janeiro entrar na Casa Branca, sabendo-se isto porque o próprio não se cansou de dizê-lo durante a campanha eleitoral.

Primeiro, foi que despachava o assunto Ucrânia nas 24 horas a seguir a tomar posse, que é como quem diz, o mais depressa possível, mas depois mudou ligeiramente o "timing" para resolver o assunto logo depois de ser eleito e bastante antes de tomar posse.

E é isso mesmo que está a fazer, porque a Ucrânia não está, na política externa, entre as suas prioridades, embora tenha de atirar este assunto para fora da sua mesa de trabalho de uma forma ou de outra porque o foco vai passar a ser a economia e as suas envolvências.

O seu foco vai ser o conflito de Israel com o Irão, por causa do poderoso lobby judeu impregnado na textura financeira norte-americana e a sua guerra comercial com a China e a Europa, a quem já prometeu dois "bouquets" de "maravilhosas" tarifas.

A Ucrânia, para Trump, um sorvedouro de fundos que fazem falta para resolver os problemas internos, e a China, o adversário global, e os aliados europeus, aproveitam-se da bondade norte-americana para prosperar... e há que acabar com o pagode. Disse-o e repetiu-o.

Alias, a expressão mais famosa foi quando chamou ao Presidente ucraniano "o melhor vendedor do mundo" porque sempre que se desloca a Washington regressa a casa com os bolsos cheios de milhões USD que fazem falta às famílias norte-americanas afogadas em inflação e divida pública.

O que está a fazer é o que tinha dito que iria fazer, resolver o assunto antes mesmo de tomar posse do leme da maior potência económica e militar do mundo, porque o seu "destino" é manter os EUA nessa condição impedindo a China de subir rumo ao topo parece querer.

E a chamada que The Washington Post disse este Domingo que Trump fez para o Kremlin não foi sequer o primeiro passo para fechar este capítulo.

Isso aconteceu quando, na quinta-feira passada, esteve ao telefone com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e com o seu agora melhor amigo, Elon Musk, o bilionário da Tesla e da Space X e do X (ex-Twitter)...

Sobre esta participação de Musk na conversa com Zelensky, pouco se sabe, apenas o que o próprio escreveu no X vale, e ali, na sua rede social, o "Sr Tesla" disse que a guerra na Ucrânia e a mortandade que provoca "vai acabar muito em breve".

E não é segredo que o apoio que a Ucrânia recebe há anos dos EUA para alimentar o seu esforço de guerra com a Rússia vai deixar de existir com a chegada de Trump à Casa Branca, que é o mesmo que dizer que Kiev ficará sem "combustível" para a sua "máquina" militar.

Várias fontes, citadas de forma anónima por media norte-americanos, garantem que Volodymyr Zelensky foi devidamente informado das condições e que terá mesmo de mudar o "chip" para abordar o conflito através de uma maior abertura para negociar com Moscovo.

Esta perspectiva é confirmada pelo primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, o melhor amigo de Putin e de Trump na União Europeia, que há muito defende o fim do apoio militar à Ucrânia como caminho mais rápido para acabar com o conflito e voltou agora a dizer que é isso que os EUA vão fazer já a partir de Janeiro.

Orban foi ainda mais longe, já depois da vitória de Donald Trump, ao admitir que sabe que é isso que vai acontecer, porque em Washington a torneira será fechada e na Europa ocidental não há capacidade nem financeira nem militar para continuar a apoiar Kiev.

E a conversa com Putin?

A chamada entre Trump e Putin terá acontecido este fim-de-semana, depois de o chefe do Kremlin, como o Novo Jornal abordou aqui, ter aproveitado o fórum de discussão global em Sochi, Valdai International Discussion Club, para se dirigir publicamente ao Presidente-eleito dos EUA.

E tanto foi assim que o Valdai International Discussion Club, que tem lugar normalmente no início de Outubro, foi este ano mudado para Novembro de forma a proporcionar a Putin um palco para se dirigir ao novo Presidente norte-americano, fosse ele Trump ou Kamala Harris.

Foi o seu "amigo", como Trump se refere a Putin, que ganhou, o que, de resto, se desejava fortemente no Kremlin, mesmo que por ali isso não fosse dito em público, e foi ao seu "amigo" Donald que Vladimir se dirigiu de forma amistosa mas com uma mão cheia de recados...

E após Putin ter usado esse palco como ferramenta diplomática para mandar alguns recados para Washington, por um lado, e passar a mão pelo pelo de Trump, por outro, eis que, ao invés de ser o Presidente russo a ligar para felicitar o amigo acabado de vencer as eleições...

... foi o amigo americano que ligou ao amigo russo, embora o Kremlin já tenha desmentido que esta conversa tenha existido, para falar da guerra na Ucrânia que o Presidente-eleito dos Estados Unidos da América tem mais que fazer que chegar à Sala Oval e ter em cima da mesa a chatice ucraniana ainda por resolver...

Segundo The Washington Post, a chamada de Trump para Putin teve como tema a questão da segurança na Europa e a guerra na Ucrânia em particular, sabendo-se pouco sobre o que os dois "amigos" terão falado, mas sabe-se que neste momento o Kremlin já sabe tim tim por tim tim o que vai a Casa Branca fazer a esse respeito, mesmo que tenha, como normalmente sucede, negado a existência da chamada de Trump.

As fontes citadas pelo "Post", um dos media mais indefectíveis de Kiev, provavelmente o maior defensor de Zelensky entre os grandes media internacionais ocidentais, dizem que Trump aconselhou Putin a não escalar o conflito porque os americanos têm muitos solados na Europa, naquilo que parece uma ameaça ao chefe do Kremlin.

O jornal diz ainda que, naquilo que deve ser a única parte sustentada pela realidade, porque a "cena" da ameaça é para, mais uma vez, proteger o Presidente ucraniano, os dois homens se debruçaram sobre os objectivos de obter a paz na Europa pela via negociada.

O Presidente-eleito dos EUA, segundo o jornal, mostrou a Putin a sua vontade de "acabar com o conflito na Ucrânia rapidamente", e que os ucranianos foram informados desta chamada previamente, embora o Governo de Kiev já tenha negado ter sido avisado sobre a conversa Trump-Putin e em Moscovo a reacção seja, até agora, o silêncio.

Todavia, existem dados que sustentam a veracidade desta conversa sem que isso indique que o conteúdo seja sequer aproximado ao que foi relatado pelo jornal norte-americano, porque, como é evidente, a este nível, as fontes citadas anonimamente apenas passaram para fora o que foi antes combinado entre as duas partes. Foi assim porque é assim que se faz... sempre.

Um desses factos é que a uma conversa com Zelensky, naturalmente se seguiria outra com Putin, porque sem esse complemento directo, a primeira parte da "sentença" não faria sentido, e depois porque o próprio Trump disse e repetiu que iria acabar com o conflito mesmo antes de chegar à Casa Branca para o segundo turno...

E segundo o britânico The Guardian, Stevem CHeung, que é o actual porta-voz de Donald Trump, este tem falado com dezenas largas de lideres mundiais porque o mundo sabe que os EUA estão de volta à "proeminência no palco global" e que o 47º Presidente dos Estados Unidos "representa a paz e a estabilidade mundiais".

As condições é que são o busílis...

Apesar de pouco se saber sobre a conversa entre Trump e Putin e também pouco se saber sobre a conversa entre Trump, Zelensky e Musk, sabe-se que a usual fanfarronice do norte-americano pode bater contra as paredes solidas do Kremlin, como, de resto, Putin lhe explicou a partir de Sochi, no Valdai International Discussion Club.

Sempre que Putin repete que está aberto a negociar, logo a seguir atira para a frente da conversa as condições mínimas para admitir um cessar-fogo, que são as quatro exigências para dar por finda a sua guerra, ou, na versão russa, Operação Militar Especial...

E são estas: A retirada das tropas ucranianas das regiões anexadas em 2022 (Donetsk, Lugansk, Zaporizhia e Kherson), aceitar que estas, tal como a Crimeia, anexada em 2014, todas após referendos, são parte integral da Federação Russa.

E ainda a garantia sólida de neutralidade, abdicando de forma perene de entrar na NATO; desnazificar o regime de Kiev, que é o mesmo que obrigar Zelensky e a sua equipa a sair de cena; e o respeito constitucional pela cultura e língua russas em toda a Ucrânia que restar no pós-conflito.

A saída de cena de Zelensky parece ser um dado adquirido para Moscovo, porque, nas longas quatro horas de conversa de Putin com jornalistas e analistas em Sochi, no Valdai International Discussion Club, este deixou um aviso claro ao seu amigo Trump para não tentar levar a qualquer cedência nestes quatro pontos considerados fundamentais no Kremlin.

Estas condições são ainda mais relevantes porquanto as forças russas estão claramente a ganhar a guerra na frente de batalha, como, de resto, já o admitem alguns dos mais destacados media aliados de Kiev, como o Financial Times, The New York Times, The Economist ou mesmo The Wall Street Journal.

Só que, do outro lado, Zelensky também não descola das suas condições maximalistas, que são a saída de todos os soldados russos das áreas ocupadas na Ucrânia, a Rússia ser obrigada a pagar a reconstrução e, entre outras, levar os dirigentes russos ao banco dos réus num tribunal internacional.

Um momento decisivo sobre este tema será a ida de Trump à Casa Branca nos próximos dias a convite de Joe Biden, que, recorde-se, tem feito saber que vai manter o apoio total a Kiev, havendo mesmo notícias que apontam para um derradeiro esforço de Washington para armar Kiev e dar aos ucranianos um último fôlego que lhe permita melhorar as condições negociais com a Rússia.

Uma das ideias que tem sido repetidas por Trump, através da sua equipa para a comunicação mediática é que urge acabar com a mortandade na Ucrânia rapidamente porque o desfecho da guerra está bastante claro, como, de resto, o seu amigo húngaro Viktor Orban repete de forma exaustiva.

Terá Trump uma fórmula mágica que permita convencer Biden de que o melhor é antecipar o destino e forçar já o fim do conflito, levando Kiev a negociar com Moscovo sob uma forte intermediação internacional?

Talvez o segredo dessa fórmula mágica seja mesmo a Europa Ocidental, onde a crise económica está destruir a grande potência que é a Alemanha, cujo Governo está em colapso total e à beira de eleições antecipadas.

Sendo que, tal como sucede em França ou na Itália, o fim do acesso aos combustíveis baratos russos, petróleo e gás natural, é o elemento comum a todos eles na lista das razões que levaram a este tremendo declínio económico europeu.

Alguns analistas defendem mesmo que em Berlim, Paris, Roma ou mesmo Varsóvia, aguarda-se ansiosamente que Trump faça o que ali não se pode fazer devido ao grau de compromisso assumido até aqui com os ucranianos: acabar com a guerra dê por onde der e o mais depressa possível!

Como é que Trump o fará? Segundo alguns media, há já alguns planos traçados. Quase todos eles fortemente sustentados em especulação e lançados na forma de engodo... No, fim, o mais certo é que tudo termine com a aplicação de uma versão que contenha grande parte das exigências do Kremlin.