... onde o Presidente Recep Tayyyp Erdogan, a voz mais pesada entre os Estados com relações fortes com o ocidente a manifestar o desagrado para com a mortandade em Gaza provocada pelos bombardeamentos ininterruptos das Forças de Defesa israelitas (IDF), não recebeu o chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, deixando todo um manifesto de pensamento em três calculados passos.
Primeiro, Erdogan, que desde 07 de Outubro, data do ataque audaz do Hamas ao sul de Israel, onde deixou um rasto de terror e morte, com mais de 1400 mortos e dois mil feridos, além dos reféns levados para Gaza, se elevou à condição de interprete mais sonoro das críticas a Israel, fez mais um discurso duro contra os EUA e Israel, depois, e quando já sabia da ida de Blinken a Ancara, viajou para a sua terra numa visita à família, obrigando o norte-americano a desviar o avião para Bagdade de forma a reorganizar a agenda.
Como se não bastasse, no dia seguinte, Recep Erdogan voltou a não estar presente, mantendo-se na sua terra natal, no interior profundo da Turquia, deixando o secretário de Estado dos EUA a falar com o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Hakan Fidan que, embora não se saiba se isso foi pensado para humilhar Blinken ou foi um gesto instintivo, deixou-se filmar a evitar um cumprimento mais caloroso do norte-americano, como relata The Guardian, antes de se sentarem a conversar sobre o complexo quadro em Gaza.
Sabe-se que, como era de esperar, Blinken ouviu de Fidan, que sabe da influência determinante de Washington em Telavive, um pedido claro para criar as condições para um cessar-fogo em Gaza, o que, na medida em que a Turquia não é apenas um país aliado dos EUA na NATO, é, se não se contar com os Estados Unidos, o maior Exército desta organização militar ocidental criada logo após o fim da II Guerra Mundial, e estes pedidos, quando não são correspondidos, são guardados na memória para uma posterior resposta simétrica.
O que coloca Blinken e os EUA numa posição cada vez mais exposta à consequência colateral dos excessos de Israel e do seu Governo de extrema-direita, nomeadamente devido à crescente vaga de protestos de rua a favor da Palestina, obrigando Washington a manobras delicadas nos bastidores, porque a Turquia é hoje um cabeça de cartaz no filme da geopolítica global que envolve as grandes potências planetárias, como a China, os EUA e a Rússia, servindo de equilibrador de forças no estratégico Médio Oriente.
Momentos antes de deixar Ancara, Blinken aludiu em breves declarações sem pompa, mesmo à porta do avião, aos esforços em curso para permitir as pausas humanitárias, descreveu rapidamente o que está a ser feito para aumentar a ajuda humanitária aos cidadãos de Gaza, falou que os países da região e os EUA procuram definir um novo quadro regional para garantir a paz duradoura e os esforços no âmbito da libertação dos reféns na posse do Hamas.
Mas quando Blinken for ler a imprensa turca vai ficar a saber que nalguns corredores se começa a adensar a dúvida sobre o que pretende Blinken com estes périplos pelo Médio Oriente, se desbravar caminhos para a paz ou criar uma "firewall" para proteger Israel dos efeitos colaterais da sua agressividade assimétrica em Gaza.
Mas em África...
... as coisas não correm melhor, como o demonstra o gesto diplomático carregado de simbolismo pela África do Sul, que acaba de chamar para casa os seus diplomatas em Israel, todos eles, para consultas, depois de o mesmo ter sido feito já pelo Chile, Colômbia ou a Bolívia, este tendo mesmo cortado relações com Telavive.
Já para não falar das severas, mas mal recebidas, críticas feitas pelos vários embaixadores israelitas em países africanos, como sucedeu também em Luanda, insatisfeitos com as posições destes países na Assembleia-Geral da ONU e na forma pouco assertiva, na visão israelita, da reacção aos ataques iniciais do Hamas.
Em Pretória, a ministra sul-africana da Presidência, Khumbudzo Ntshaveni, explicou esta iniciativa com significado com a insatisfação do país face à punição israelita sobre o povo de Gaza, aludindo à necessidade de "consultas", que, na linguagem diplomática, pode ser traduzido sem equívocos, para descontentamento severo, deixando pelo meio as palavras mais duras, como "atrocidades e genocídio" provocados em Gaza por Israel.
O mesmo disse a ministra dos Negócios Estrangeiros sul-africana, Naledi Pandor, (na foto), que sublinhou ser a resposta de Pretória a uma "situação muito grave e preocupante"."
Com alguns países do continente a serem palco de gigantescas manifestações contra Israel, como Marrocos, Tunírisa, Argélia, Líbia ou Egipto, no resto do continente são poucos os Estados discordantes da posição assumida pela União Africana ou pela Liga Árabe onde estas duas organizações exigem um imediato cessar-fogo e a criação de uma plataforma internacional que permita a ajuda humanitária acelerada à população em Gaza.