Benjamin Netanyhau, como pode revisitar aqui, foi, pela 4ª vez, na quarta-feira, discursar ao Congresso dos EUA, um recorde, batendo mesmo as três vezes que Winston Churchill, o líder britânico que sobressaiu na II Guerra Mundial contra a Alemanha nazi, subiu àquele púlpito.

Na sua longa e imaginativa intervenção, onde, além de dizer que a morte de civis em Gaza é uma mentira inventada pelos amigos dos terroristas do Hamas, defendeu que o Irão se prepara para marchar sobre os EUA se não for travado em breve, agradeceu ao Presidente Joe Biden, elogiou o ex-Presidente Donald Trump, mas nem uma palavra sobre Kamala Harris, a putativa candidata Democrata à Casa Branca a 05 de Novembro.

E esse "esquecimento" começa a dar "frutos", porque, na condição de uma eventual vitória Democrata nas Presidenciais deste ano, Netanyhau foi, depois da sua passagem pelo Congresso, falar com Kamala Harris... e ouviu o que não queria ouvir depois da fábula que foi contar ao Congresso.

A substituta de Joe Biden, com o seu abandono da corrida eleitoral a menos de quatro meses da ida às urnas, depois das palavras de circunstância, como a admissão de que Israel "tem o direito de se defender", disse a Benjamin Netanyhau que "não vai ficar em silêncio" perante as atrocidades em Gaza.

"O que está a acontecer em Gaza nestes nove meses é devastador. As imagens de crianças mortas e o desespero das pessoas que procuram fugir do perigo, por vezes deslocados por duas ou três vezes, é algo a que não podemos desviar o olhar", atirou à cara do primeiro-ministro israelita.

Como é normal, Harris foi igualmente ríspida nas palavras que dirigiu ao Hamas e ao seu brutal ataque de 07 de Outubro do ano passado, quando os combatentes deste grupo que combate a ocupação israelita da Palestina invadiram o sul do país deixando um rasto de mais de mil mortos.

Mas nas palavras da Democrata emerge de forma clara uma contrastante avaliação destes nome meses de conflito em Gaza, onde, para os cerca de 1200 mortos durante a incursão do Hamas, as forças israelitas já mataram 40 mil civis palestinianos, dos quais mais de 20 mil crianças e 15 mil mulheres e idosos.

Além disso, como sublinhou Harris, a situação humanitária em Gaza é de puro terror, com falta de alimentos, medicamentos, hospitais destruídos, escolas em ruínas, sem água potável, e com mais de 75% dos edifícios colapsados pelas bombas largadas por aviões de guerra norte-americanos pilotados por israelitas.

Mas Kamala Harris foi ainda mais longe e pediu que Israel aceite a criação de um Estado palestiniano e que o Governo de Netanyhau trabalhe seriamente para um cessar-fogo com o Hamas que permita acabar com a guerra e a libertação dos reféns ainda na posse do Hamas.

Estas palavras ácidas de Kamala Harris, quando comparadas com a doçura do que Netanyhau ouviu na reunião na Casa Branca com o Presidente Biden, estão hoje, sexta-feira, 26, a ecoar por toda a imprensa norte-americana.

Consubstanciando, mesmo que essa não fosse a sua intenção, uma clara linha divisória na abordagem ao conflito na Palestina entre o ainda Presidente Joe Biden, que Netanyhau chama de "amigo sionista irlandês-americano" e a candidata Democrata, a quem o primeiro-ministro sequer se dirigiu aquando do discurso no Congresso.

Com estas declarações, fica claramente em lados opostos os "amigos" Joe Biden e Donald Trump de Netanyhau, e a ainda vice-Presidente, que, ao longo dos últimos anos, como denotam alguns analistas, não se evidenciou como hostil a Israel mas sim, como agora fica claro, ao radicalismo do actual Governo de Netanyhau, que é o mais extremista desde a criação do estado judaico, em 1948.

Essa distinção ficou evidente quando Kalama disse a Netanyhau que, na condição de senadora foi plantar árvores a Israel e enquanto vice-Presidente sempre pugnou pela defesa do Estado de Israel, o que, segundo analistas, é coerente com o facto de nunca se ter oposto com clareza ao apoio e armas a Israel e o seu suporte financeiro que os EUA são há décadas.

Este encontro com o líder israelita acontece quando este está no fio da navalha no seu país, seja pelas acusações que sobre ele pendem na Justiça, de corrupção e branqueamento de capitais, seja porque o seu Governo está refém de pequenos partidos que se notabilizam por defender o extermínio dos palestinianos ou a reocupação de Gaza para ali instalar colonatos, empurrando os 2,3 milhões de palestinianos que ali vivem para o deserto egípcio.

Estas declarações de Harris não destoam do posicionamento de alguns notáveis do Partido Democrata que recusaram estar no Congresso a ouvir as efabulações de Netanyhau, entre estes a ex-líder dos Representantes, Nanci Pelosi ou a nova estrela da esquerda americana, Alexandria Ocasio-Cortez.

Também Harris não foi ouvir Netanyhau, mas informou que isso não pode ser lido como tendo um significado político, enquanto outros optaram por uma abordagem mais agressiva, erguendo placas apontando, enquanto este discursava, o primeiro-ministro israelita como "culpado de genocídio" ou "criminoso de guerra", como está, de facto, a ser julgado nas instâncias judiciais internacionais...

Já nesta sexta-feira, Netanyhau terá um dia mais ameno, sem riscos, com um encontro com o seu mais fiel amigo, Donald Trump, na sua mansão de Mar-a-Lago, na Florida.