Faltavam alguns minutos para as 09:00 desta quarta-feira, 18, hora de Luanda, quando o "air force 1", o avião presidencial dos Estados Unidos da América aterrou em Telavive, com o Presidente Joe Biden a bordo e a esperança de que em Washington se tenha cansado de apoiar um regime israelita que não encara outra solução para resolver os problemas na Palestina senão a violência de dimensão bíblica que está a fazer cair sobre Gaza e os seus 2,3 milhões de habitantes desde 07 de Outubro.

Na madrugada desse Sábado, há 12 dias (ver links em baixo nesta página) o mundo, e, de forma inaudita, as famosas estruturas da intelligentsia israelita, Mossad e Shin Bet, acordou com milhares de combatentes do braço armado do Hamas, as Brigadas Al Qassam, terroristas, como são vistos no ocidente, resistentes à ocupação, como são encarados no mundo árabe, dentro de Israel, espalhando morte e destruição nos aldeamentos (kibutz) e cidades como nunca tinha acontecido desde a criação do Estado hebreu, em 1948.

A resposta foi a que se esperava, avassaladora, pela aviação e artilharia israelita, que rapidamente juntou aos mais de 1.300 israelitas mortos, entre militares e civis, cerca de 3.000 civis palestinianos da Faixa de Gaza, aos quais se juntaram na noite de terça-feira para hoje, pelo menos mais 5.000, no ataque, que Israel nega ser o autor, acusando a Jihad Islâmica - negar tem sido a táctica israelita sempre que se repetem estas situações -, ao único hospital cristão de Gaza, o al-Alhi.

Com o mundo árabe em polvorosa, com as ruas de Riade, Bagdade, Cairo, Damasco, Ramallah, na Cisjordânia, a parte da Palestina ocupada por Israel, ou Amman, a encherem-se de fúria e raiva logo após o ataque, que todos os analistas só admitem como erro de cálculo ou mau funcionamento da arma usada, ao hospital de Gaza, as condições para manter a audaz agenda de Joe Biden ficou sem chão, arrastado pela violência da explosão que ceifou centenas de vidas e deixou milhares de feridos num hospital onde já estavam a ser, na sua maioria, tratados por causa de outras explosões produzidas pela artilharia e aviação de guerra israelitas.

Assim, Joe Biden, que devia seguir de Telavive para a Jordânia, onde manteria um encontro tão ou mais importante que aquele que teve logo após a sua chegada a Israel, com o primeiro-ministro Netanyhau, já não irá porque o Rei Abdullah II desconvocou uma Cimeira a quatro - EUA, Egipto, Jordânia e Autoridade Palestina - que devria ocorrer em Amman.

Declarações fortes e complexas em Telavive

Com essa etapa da Jordânia queimada, Joe Biden aproveitou o momento prévio ao encontro com Benjamin Netanyhau para reforçar a ideia de que "os EUA estão e estarão com Israel" e isso ficou logo claro quando disse aos jornalistas ali presentes que o ataque ao Hospital Baptista al-Alhi, de Gaza, a maior carnificina em décadas num só ataque na Palestina, foi da autoria "da outra equipa", uma estranha formulação para se referir ao Hamas ou à Jihad Islâmica.

O Presidente dos EUA foi ainda mais longe e, ignorando que a sua agenda passava pela Jordânia, com encontros com o seu homólogo egípcio, el-Sissi, com o Rei Abdullah II e com Abu Mazen (Mahmoud Abbas), Presidente da Autoridade Palestina, disse que a única razão pela qual está ali é para "garantir ao povo de Israel que os EUA estão e continuarão a estar ao seu lado".

Acusou de forma vincada a mortandade provocada pelo Hamas a 07 de Outubro e passou ligeiramente pelo tema das vítimas inocentes em Gaza, aludindo à ideia de que "nem todos os palestinianos apoiam o Hamas", deixando claro que o que está "para além da imaginação" são as atrocidades cometidas pelos terroristas palestinianos do Hamas, que "fazem o `estado islâmico" parecer uma organização racional".

"Os americanos estão em luto com o povo de Israel", disse, admitindo, todavia, que "este não é um mar fácil de navegar", admitindo, por fim, "tristeza pela explosão" no hospital Baptista de Gaza, sobre a qual disse ter "elementos que indicam que foi a outra equipa e não Israel" a provoca-la, embora "exista muita gente lá fora que acredita que foi um ataque israelita".

Este episódio dram+atico está a virar o mundo árabe do avesso, onde ninguém acredita na tese da autoria do ataque ser a Jihad Islâmica, como ficou claro na noite de terça-feira, quando a totalidade dos embaixadores do universo árabe se impuseram nas Nações Unidas para acusar Telavive e exigir uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU esta manhã de quarta-feira, 18.

Passando por cima deste tema escaldante, Biden sublinhou não ter dúvidas de que "Israel vai ter e está a ter dos EUA tudo o que precisa para se defender".

Assunto que, provavelmente, abordaria após estas declarações à imprensa, quando a sós com Netanyhau, Biden não fez qualquer observação sobre a gigantesca máquina de guerra que está a montar junto à fronteira com Gaza, com milhares de carros de combate e peças de artilharia, mais de 300 mil soldados, e um permanente atapetamento daquela chão de bombas que chovem sobre a Cidade de Gaza há dez dias ininterruptos, no norte do território, pela aviação israelita.

E também nada disse sobre o bloqueio total a Gaza, que é um território de 365 kms2, com uma extensão de 40 kms por 9 kms de largura, com 2,3 milhões de habitantes, numa densidade populacional de mais de 6.500 pessoas por km2, o que é denominado por várias organizações internacionais como um crime de guerra e possivelmente com contornos de genocídio.

Ali não entra água, combustíveis, alimentos, medicamentos... e a população não tem como sair para lado nenhum, especialmente para o Egipto, a sul, que mantém a fronteira de Raffah fechada por saber que se mais de 1 milhão de palestinos entrar no país, não voltarão a Gaza, como a história o demonstra na Jordânia e no Líbano, onde há dezenas de anos estão milhões de refugiados.

Biden elogiou ainda a "coragem e a bravura do povo de Israel" que disse também que "é espantosa" e por isso tem "muito orgulho" em estar ali.

Aproveitando estas palavras simpáticas, Benjamin Netanyhau disse que "Israel está unido em limpar de vez o Hamas", garantiu ao seu hospede que "as forças da civilização estão com o povo israelita" e que , vê em Joe Biden "um amigo verdadeiro" cuja única coisa melhor que isso é ter "esse verdadeiro amigo em nossa casa", tendo ainda o mais aguerrido falcão de guerra de Israel ficado "muito comovido" ao ver o "empenho pessoal para garantir o futuro do povo judaico, e o estado judaico" do amigo americano.

Com isto, se alguém pensava que Biden forçaria a paz.... enganou-se. Joe Biden acabou por dar "carta branca" a Israel para manter os seus planos, que passam por invadir por via terrestre a Faixa de Gaza, como sublinharam vários analistas ouvidos pela Al Jazeera.

Fora de controlo

O director-geral da Organização Mundial de Saúde já veio dizer que a situação em Gaza "está claramente a ficar fora de controlo" e que parar a violência já não é uma matéria de discussão, ou acontece mesmo ou o mundo terá à sua frente uma tragédia de dimensões inimagináveis.

"Temos de parar já a violência", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, numa posição tomada na rede social X, onde acrescentou que "todos os segundos são cruciais para quem espera por apoio médico".

Notou ainda que por cada segundo que essa ajuda médica tarda, estão a ser "perdidas vidas humanas", aludindo a uma situação incompreensível que é os "quatro longos dias de espera para que a ajuda da OMS para Gaza aguarda por autorização para entrar" na fronteira de Raffah, entre o Egipto e Gaza, mas sobre a qual Israel tem a última palavra devido a acordos antigos com o Cairo.

Tedros Ghebreyesus aproveitou igualmente para deixar uma veemente condenação do ataque ao Hospital Baptista al-Alhi, de Gaza, apelando à "protecção imediata dos civis" e das unidades de prestação de cuidados de saúde.

Este responsável pela OMS exigiu ainda a Israel que trave as ordens de evacuação do norte de Gaza, incluindo os seus hospitais, onde estão milhares de doentes, ou recém-nascidos, nas maternidades, para os quais não há o mínimo de condições para transferir para o sul do território, que está igualmente sob bombardeamentos israelitas.

Israel, recorde-se, tem em curso uma ordem de evacuação dos mais de 1,1 milhões de habitantes do norte de Gaza, que querem deslocar à força para o sul, o que está a ser realizado com grande prejuízo humanitário, numa população sem acesso a água potável, energia, alimentos...

Com essa evacuação para sul do Wadi Gaza (Rio Gaza), mais ou menos a separar o terço norte do território, Israel ficaria com uma zona livre de civis para mandar avançar a ruidosa máquina de guerra que as IDF montou do lado de lá da fronteira.

Saber se esta poderosa máquina vai avançar ou não, parece não estar ainda garantido, Como recordava ainda esta manhã, na CNN Portugal, o major-general Agostinho Costa, em cima da mesa deve estar um pedido dos norte-americanos para uma reavaliação dessa estratégia.

Lembrou ainda que Israel deve estar a repensar essa estratégia porque sabe que, como já foi dito pelos seus responsáveis, o Hezbollah, estacionado no sul do Líbano, apoiado pelo Irão, se invadir Gaza, este grupo entra no conflito.

E na memória de Telavive está ainda a guerra Hezbollah-Israel de 2006, onde as IDF sofreram uma das mais sérias derrotas, embora esse conflito tenha sido travado por um acordo intermediado pela ONU.

E manter duas frentes de guerra, mesmo para o poderoso Exército israelita, apesar de os EUA terem já no mar próximo dois porta-aviões e uma vasta armada de contratorpedeiros, não é seguro que possa prevalecer, pelo menos sem um preço insuportável a pagar em vidas humanas, tanto militares como civis.

está claramente a Rússia e a China, cujos dois Presidentes, Vladimir Putin e XI JInping, estiveram juntos em Pequim na terça-feira, e uma das suas estratégias é procurar tirar proveito desta sucessão de erros, aparentemente, da diplomacia norte-americana, que em vez de, como no passado, procurar encontrar um lugar de intermediador, mesmo que aliado de Israel, está, agora, a tomar partido sem qualquer alçapão diplomático por onde tentar sair airosamente.

Alias, segundo se soube pela imprensa russa, Putin ligou a todos os protagonistas do Médio Oriente antes de viajar para Pequim, incluindo Netanyhau, Abbas, Sissi... ou ainda os lideres do Qatar, Arábia Saudita, Síria e Irão.