As televisões de todo o mundo, da comedidamente pró-palestina Al Jazeera, com sede no Qatar, à claramente pró-israelita norte-americana CNN International, não se têm furtado a mostrar à evidência os resultados da assimétrica flagelação israelita sobre a Faixa de Gaza, destruindo centenas de edifícios e com eles a vida de milhares de inocentes, mais de 2.900 mortos, entre estes perto de mil crianças, e mais de 9.000 feridos.

Para trás desta linha de fogo ficam os mais de 1.400 israelitas mortos e perto de 2.000 feridos, com imagens igualmente excruciantes de brutalidade dos militantes do Hamas, no raide que fizeram a 07 de Outubro sobre os colonatos e cidades do sul de Israel, de onde emerge com especial horror a mortandade de cerca de 300 jovens que participavam num festival de música moderna no Deserto do Neguev, a cerca de 7 kms da fronteira com a Faixa de Gaza.

Com o cada vez mais ruidoso rugido por vingança da máquina de guerra que Israel está a concentrar na fronteira com aquele território, o mundo teme que o pior ainda esteja para chegar, porque é um facto que ninguém se atreve a contestar: se este monstro de aço e pólvora avançar mesmo sobre os domínios do Hamas, todo aquele chão se transformará num devorador de vidas entre os soldados israelitas e os militantes do Hamas e ainda mais difícil de aceitar, entre os milhares de civis que ainda estão na densa malha urbana de Gaza.

Unidade para a guerra...

Esta guerra está a ser gerida em Telavive por um Governo de unidade nacional a partir do qual foi criado o gabinete de guerra para gerir a crise em Gaza, integrado pelo extremista de direita e primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o seu falcão de guerra e ministro da Defesa, Yoav Gallant, e Benjamin Gantz, um antigo general e político da oposição centrista.

Face à crescente contestação internacional, incluindo de alguns aliados incondicionais de Israel, como a França e o Reino Unido, apesar de ter recebido "carta branca" dos EUA para agir como melhor entendesse, e os pedidos veementes de contenção de China e Rússia, Israel optou por travar as lagartas do seu gigantesco aparato de guerra na fronteira e ordenou a evacuação do norte de Gaza, metendo em marcha mais de 1,1 milhões de pessoas em direcção ao sul, onde está a fronteira com o Egipto, a última porta de esperança para salvar milhões de vidas, seja os que conseguem sair, seja pela ajuda humanitária que está a caminho mas tarda a chegar.

Desde o dia 09, logo dois dias após a carnificina provocada pelo Hamas na população israelita e estrangeiros no sul do país, muitos deles trabalhadores asiáticos nos Kibutz da região, que pende sobre os 2,3 milhões de habitantes da estreita Faixa de Gaza, apenas 40 kms de extensão e oito, em média, de largura, correspondendo a uma das maiores densidades populacionais do mundo, a ameaça de uma invasão, embora pelo ar não tenha ainda parado a chuva de bombas despejadas pela aviação e artilharia israelitas.

Dúvidas sobre a invasão...

Até ao momento, depois de quatro adiamentos da invasão terrestre israelita, justificadas com "razões humanitárias" primeiro, depois com a "meteorologia adversa", e agora, aparentemente, por causa da chegada ao país do Presidente dos EUA, Joe Biden, na quarta-feira, o cenário a que se assiste é a uma continuada sucessão de roquetes disparados pelo Hamas sobre Israel, sendo que a esmagadora maioria é travada pelo eficaz sistema de defesa antiaéreo "cúpula de ferro" e os ataques sobre Gaza, mantendo a fluir um rio de morte sobre uma população civil e sem ligações aos terroristas e indefesa.

Há ainda quem defenda, entre os inúmeros analistas que se têm debruçado sobre esta grave crise miliar, que Israel travou o passo à sua máquina de guerra depois de o Irão ter avisado que se a invasão acontecer, é inevitável o alastramento do conflito ao resto do melindroso Médio Oriente, logo a começar pelo sul do Líbano (e norte de Israel), onde o Hezbollah, um braço-armado oficioso do Irão, e o único grupo que já derrotou as forças de defesa israelita (IDF, na sigla em inglês), em 2006, tem estado a trocar tiros de artilharia e misseis com a tropa de Israel ali estacionada.

Alias, as coisas estão ainda mais escaldantes entre Teerão e Telavive depois de se conhecer, na noite de segunda-feira para hoje, terça-feira, 17, uma declaração do ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amir-Abdollahian, proferida no Sábado, a uma televisão libanesa, após uma conversa com o chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah, sobre a possibilidade em aberto de um ataque profiláctico sobre as forças israelitas para impedir a invasão a Gaza.

Isto, depois de Joe Biden, e por isso o interesse alargado sobre a sua chegada a Israel, agendada oficialmente para quarta-feira mas que pode ser já hoje por razões de segurança, ter avisado, logo após o ataque do Hamas sobre o sul de Israel, para o irão não se atrever a aproveitar esta crise para infligir qualquer ataque sobre Israel, naquela expressão que deverá ficar para a história: "Don"t, don"t!",

Os serviços de imprensa da Casa Branca anunciaram esta visita como mais um reforço do que tem sido exaustivamente dito por Biden, que os EUA estão inequivocamente ao lado de Israel, embora nas últimas horas tenha vindo atalhar algum caminho ao dizer que uma ocupação israelita da Faixa de Gaza seria um "grave erro".

EUA na corda bamba

Porém, alguns analistas entendem que os EUA vão agora tentar evitar novas etapas desta confrontação entre Israel e o Hamas porque, aparentemente, o périplo diplomático do secretário de Estado (ministro dos Negócios Estrangeiros - Relações Exteriores), Antony Blinken, por vários países da região, Egipto, Arábia Saudita, EAU, Qatar... não correu de feição, tendo este ouvido como posição predominante a recusa de aceitar a invasão sem consequências.

Alias, a primeira veio de imediato dos sauditas, que mandaram suspender todo o processo de reatamento das relações diplomáticas com Telavive para o qual os EUA investiram fortemente, e o Qatar, onde está parte da ala política do Hamas, assim como o Iraque e o Egipto, criticaram a assimétrica resposta israelita, até porque a isso os seus lideres estavam obrigados depois de em todos estes países, milhões de pessoas terem saído para a rua em apoio aos palestinianos.

O que, de resto, também sucedeu em quase todo o mundo, incluindo a Europa ocidental, onde as ruas se encheram de manifestantes contra a ofensiva israelita e os seus mortíferos bombardeamentos sobre Gaza.

Face a este cenário anti-israelita, apesar das igualmente sonoras posições de condenação da acção terrorista do Hamas, Benjamin Netanyhau e a sua coligação de guerra, está a perder o espaço temporal dentro das ondas de choque geradas pela mortandade de 07 de Outubro e que aparentemente tudo lhe permitiriam.

Mas, apesar disso, o que Blinken disse aos jornalistas sobre a deslocação de Joe Biden a Israel é que este pretende ouvir de Netanyahu tudo o que "precisa para defender o seu povo" e perceber quais os planos de acção de Telavive para Gaza de forma a "procurar sublinhar a importância de reduzir o impacto sobre civis" e não impedir a ajuda humanitária aos milhões de pessoas que estão na estreita Faixa de Gaza.

Acrescentou, porém, Blinken, que o fluxo de ajuda humanitária a Gaza "não pode beneficiar o Hamas", o que não é apenas difícil, é impossível, porque num tão pequeno território, e tão densamente povoado, com o Egipto e a Jordânia a garantirem que não vão acolher refugiados daquele território palestiniano, garantir que parte dos alimentos, medicamentos e combustível que ali chegar não vai acabar nos túneis do Hamas, é mera utopia.

E a questão eleitoral nos EUA está, segundo alguns analistas, a jogar um papel fulcral neste momento, porque depois do problema gerado pela guerra na Ucrânia, onde cada vez menos norte-americanos apoiam o "apoio" de Biden a Kiev, agora, com o risco de uma invasão apoiada pelos EUA poder gerar uma enorme mortandade, seria um cravo espetado na estratégia comunicacional da campanha de Biden para as Presidenciais de 2024.

Alias, com a forte presença naval na costa de Israel, dois porta-aviões de vários contratorpedeiros, muito dificilmente Biden, que enceta aqui uma das suas mais arriscadas deslocações, com forte componente de risco na sua segurança, e sobre a qual analistas admitem não ser razoável fazer neste contexto, poderia convencer o eleitorado americano de que os EUA não são parte desta guerra.

A ajuda não é apenas necessária, ela é fundamental...

... para evitar a morte de milhares de pessoas, seja porque os centros de distribuição de alimentos da ONU estão vazios, os tanques de combustível dos geradores que garantem energia aos hospitais estão vazios, os medicamentos faltam e a electricidade e a água foram cortadas logo após o anúncio do bloqueio a Gaza por Israel, horas depois do ataque do Hamas.

Isso mesmo fica claro nas palavras de Juliette Touma, da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em ingês), quando esta, à BBC, afirmou que "falta tudo em Gaza" e o pessoal que ali trabalha está à beira de não ter sequer para se manterem a si mesmos.

Disse mesmo que os centros da UNRWA também estão a sofrer com os bombardeamentos israelitas "porque nenhum canto é seguro em Gaza".