Num cenário de total destruição de Gaza, especialmente no norte do território, os hospitais eram os únicos espaços parcialmente protegidos das explosões da artilharia e da aviação de guerra israelita, mas isso já assim não é, porque das quase duas dezenas de unidades hospitalares nesta área em torno da Cidade de Gaza, apenas um mantém a capacidade de funcionar.
Depois de vários ataques a unidades hospitalares, Israel repetiu uma após outra vez que estes ataques visavam as caves onde se refugiavam terroristas e era guardadas armas, mas com esta ataque a Al Shifa, as IDF perderam uma oportunidade de demonstrar que as suas alegações eram reais.
Depois de o maior de todos, o Hospital de Al Shifa, ter sido tomado de assalto pelas IDF para chegar às caves, onde diziam estar células de combatentes do Hamas, com um alvoroço entre pessoal e doentes, havendo registo de dezenas de mortes, incluindo recém-nascidos e hemodialisados, a resposta hospitalar aos feridos pelos bombardeamentos israelitas é agora quase nula em toda a parte norte da Faixa de Gaza.
E por detrás desta acção israelita está uma já quase garantida falsa alegação israelita de uso de hospitais por parte do Hamas, porque nem neste foram encontradas mais de um conjunto muito pequeno de armas ligeiras, que facilmente podem ali ter sido colocadas pelos atacantes, e muito longe da expectativa criada de que se tratava da presença de material de guerra mais pesado, além de dezenas de "terroristas".
Apesar da débil descoberta que não justifica o ataque israelita, pondo em risco a vida de centenas de pacientes, o porta-voz das IDF, o coronel Jonathan Conricus, veio defender que a acção foi justificada porque "aquelas armas não têm nada que estar num hospital".
A Al Jazeera noticiou que, no avanço pelo interior do Hospital Al Shifa, provocando um número ainda por definir de mortos nos cuidados intensivos, e noutros departamentos, os solados israelitas recolheram e levaram os cadáveres para não deixar este registo da sua passagem pelo local-
No entanto, a operação israelita no Hospital Al Shifa não parou na quarta-feira, tendo continuada nesta quinta-feira, 16, apesar de ser já claro que não vai ter qualquer resultado além do que já se sabe.
O que leva alguns analistas a defender a ideia de que Israel não pretende outra coisa que não seja destruir todas as unidades de apoio, saúde e sociais, às populações para que as centenas de milhares de pessoas que ainda não deixaram a área o façam em direcção ao sul da Faixa de Gaza, como ordenaram os israelitas pouco depois do ataque do Hamas ao sul de Israel no dia 07 de Outubro.
Israel quer que 1,1 milhões de pessoas do norte da Faixa de Gaza atravesse o Rio Wadi para sul, deixando esta região, que ocupa um terço de todo o território, e, até ao momento, apesar de quatro semanas de intenso bombardeamento e duas de invasão terrestre, ainda ali se mantém, segundo fontes locais, mais de 250 mil pessoas, o que obriga as IDF a redobrado cuidado no avanço das suas unidades especiais, bairro a bairro, rua a rua, casa a casa.
Moscovo quer fim da mortandade
Com este cenário trágico em pano de fundo, e com os números de mortes e feridos a crescer de forma vertiginosa, com mais de 11 mil mortos, dos quais seis a oito mil crianças, e 34 mil feridos, o volume de pedidos de um cessar-fogo, na forma de pausas humanitárias ou interrupção dos ataques na forma como estão a ser conduzidos pelas IDF, com uma insistências cada vez mais ruidosa até pelos EUA, o mais fiel aliado de Telavive.
E desta feita, também o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, apesar de Moscovo já ter pedido um cessar-fogo humanitário, veio agora elevar a parada e exigir o fim da mortandade "de forma imediata".
Sublinhando a condenação do Kremlin a "todas as formas de terrorismo", seja do Hamas, seja de qualquer organização, Lavrov deixou agora um mais robusto recado a Telavive, ao dizer que é igualmente condenável que um país, Israel, use "métodos que de forma flagrante violam a lei internacional".
Citado pela agência russa oficial, TASS, o chefe da diplomacia russa alargou ainda à Cisjordânia o pedido de contenção de Israel que, como se vê pela forma como reage às condenações nas Nações Unidas, pouco ou nada vai ouvir de todos os pedidos que lhe chegam.
Telavive ignora de novo resolução do Conselho de Segurança (Lusa)
O embaixador de Israel na ONU rejeitou na quinta-feira a resolução aprovada pelo Conselho de Segurança que apela a pausas e corredores humanitários urgentes e alargados em Gaza, argumentando que a medida "está desligada da realidade e sem significado".
"Independentemente do que o Conselho decida, Israel continuará a agir de acordo com a lei internacional, enquanto os terroristas do Hamas nem sequer lerão a resolução, muito menos a cumprirão", escreveu Gilad Erdan na plataforma X (antigo Twitter).
De acordo com o diplomata, Israel "continuará a agir até que o Hamas seja destruído e os reféns sejam devolvidos".
"É lamentável que o Conselho continue a ignorar, a não condenar, ou mesmo a mencionar, o massacre levado a cabo pelo Hamas em 7 de outubro, que conduziu à guerra em Gaza. É realmente vergonhoso", acrescentou Erdan.
A estratégia do Hamas, de acordo com o embaixador de Israel, consiste "em deteriorar deliberadamente a situação humanitária na Faixa de Gaza e aumentar o número de vítimas palestinianas, a fim de motivar a ONU e o Conselho de Segurança a travar Israel", mas "isso não vai acontecer", assegurou.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou hoje uma resolução que "apela a pausas e corredores humanitários extensos e urgentes durante um número suficiente de dias" para permitir a entrega de ajuda humanitária aos civis em Gaza.
A resolução, da autoria de Malta, recebeu 12 votos a favor e três abstenções: Estados Unidos, Reino Unido e Rússia.
Os Estados Unidos e o Reino Unido justificaram a sua abstenção com o facto de a resolução não condenar claramente os ataques terroristas do Hamas.
A resolução tem um forte ângulo humanitário, com especial destaque para a situação das crianças em Gaza.
O texto, que enfatiza a situação das crianças em quase todos os parágrafos, "exige que todas as partes respeitem as suas obrigações ao abrigo do direito internacional, especialmente no que diz respeito à protecção dos civis, em particular das crianças".
Também "apela" à "libertação imediata e incondicional de todos os reféns detidos pelo Hamas e outros grupos, especialmente crianças".
Apesar das resoluções do Conselho de Segurança serem vinculativas, isso não impede que alguns países as ignorem.
Em resposta à adopção desta resolução, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita instou o Conselho de Segurança e a comunidade internacional a exigir "a rápida libertação de todos os reféns israelitas, conforme estipulado na resolução".
"Não há espaço para tréguas humanitárias prolongadas enquanto 239 raptados estiverem nas mãos de terroristas do Hamas", argumentou o porta-voz, Lior Haiat, na plataforma X.
Para o analista Richard Gowan, do International Crisis Group (ICG), apesar de o Conselho de Segurança ter conseguido superar um bloqueio de 40 dias acerca da guerra em Gaza e adotar uma resolução sobre o assunto, a medida provavelmente não terá qualquer impacto significativo.
"O Conselho de Segurança levou um mês para adoptar uma resolução (...), mas temo que isto seja principalmente um dispositivo para aliviar tensões", escreveu o analista, também na plataforma X.
Gowan recordou que o Conselho de Segurança também apelou a um cessar-fogo em guerras desde os Balcãs à Síria "com pouco ou nenhum impacto".
"A resolução foi redigida de uma forma que não coloca nenhuma pressão política real sobre Israel, mas os Estados Unidos provavelmente instarão Israel a mostrar mais flexibilidade nas questões de ajuda para satisfazer a opinião global", disse Gowan à agência Associated Press (AP), citada pela Lusa.