Os Estados Unidos já tinham obtido de Israel a aceitação dos termos da sua resolução, que foi aprovada por 14 dos 15 membros, tendo a Rússia optado pela abstenção, deixando passar o documento, e foi a pronta reacção do Hamas o elemento que faltava para o seu sucesso.

Só que, quando o mundo se preparava para a festa da paz em Gaza, porque os termos da resolução de cessar-fogo são de uma paragem nas hostilidades de longa duração até à assinatura de um acordo de paz definitivo, Israel voltou a ceifar a vida de civis inocentes em Gaza.

Pelo menos oito pessoas foram mortas durante a noite de segunda-feira para hoje, terça-feira 11, em ataques a zonas residenciais da Cidade de Gaza e em Rafah, todos mulheres e crianças civis, de acordo com as autoridades locais citadas pela Al Jazeera, o que é no mínimo estranho quando o mundo rejubilava com as possibilidades reais do fim da guerra em Gaza.

Isto é ainda mais grave quando estes ataques surgem horas depois da aprovação da resolução norte-americana no Conselho de Segurança das Nações Unidas (UNSC, sigla em inglês), no final do dia de segunda-feira, e apenas 72 horas depois de um dos maiores massacres perpetrados por Israel nos 8 meses desta fase da guerra israelo-palestiniana.

No Sábado, quando já se sabia que a proposta de resolução para um cessar-fogo dos EUA iria a votação no UNSC, Israel matou quase 300 pessoas, ferindo mais de 700, num devastador ataque a uma zona de edifícios do campo de refugiados de Nuseirat, uma das poucas zonas habitadas que tinham sido poupadas pelos bombardeamentos israelitas.

Mas, ainda assim, e apesar de já terem sido mortos mais de 37 mil civis palestinianos, sendo que mais de 25 mil são mulheres e crianças (17 mil), o conteúdo do texto aprovado no UNSC não está a ser posto em causa pelos posteriores ataques israelitas contra civis em Gaza, que, no mínimo, vem alimentar a desconfiança sobre as verdadeiras intenções do Governo de Benjamin Netanyhau.

Isto, porque se as condições do documento forem cumpridas, até porque ambas as partes incorrem em sérios riscos se assim não for, depois de darem a sua anuência aos mediadores, Catar, Egipto e EUA, e, neles, à comunidade internacional, porque tanto israelitas como o Hamas estão hoje em situações de grande fragilidade política, militar e económica.

Ou seja, Hamas e Israel estão ambos de acordo nos princípios plasmados na resolução, que são, em termos gerais, constituídas por três fases distintas, começando pela saída das forças israelitas dos centros populacionais de Gaza, com o Hamas a libertar os reféns que tem na sua posse, ao mesmo tempo que a ajuda humanitária deixa de ter restrições no acesso ao território.

Na sua fase inicial, o cessar-fogo durará seis semanas e será prolongado à medida que os negociadores consolidam condições para o fim permanente das hostilidades.

A desconfiança histórica

Há, contudo, alguns indicadores que geram desconfiança sobre as intenções de um e do outro lado, porque, o Hamas não renegou a sua fundamentação histórica de deixar de combater o ocupante sionista, em Israel o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau está consciente que esta resolução é a sua sentença de morte política.

Isto, porque, se todos os objectivos deste documento forem alcançados, o maior dos objectivos por si anunciados logo após o ataque do Hamas e da Jihad Islâmica ao sul do país a 07 de Outubro, não será cumprido, que era a destruição total e inequívoca do Hamas.

Além disso, dos restantes dois objectivos dos três decisivos então anunciados, apenas a libertação dos reféns será alcançado, porque Gaza manter-se-á um território de onde podem voltar a ser lançados ataques com roquetes contra Israel.

O que, lendo este "mapa" sob a perspectiva do jogo político interno de Israel, tal como já sucedeu noutras alturas, pode-se estar perante uma jogada arriscada de xadrez que visa apenas retirar os reféns das mãos do Hamas para depois reiniciar os ataques aos "terroristas".

Até porque Netanyhau já sabe, porque foi tornado público, que se a guerra contra o Hamas não continuar, com ou sem acordo de cessar-fogo, dois dos partidos radicais que integram a sua coligação de Governo o abandonam, fazendo cair o Executivo de imediato. (ver links em baixo nesta página)

Além disso, Benjamin Netanyhau sabe igualmente que assim que o conflito terminar e ou deixar o poder, voltará a ter de enfrentar a barra dos tribunais, onde está arguido e acusado de sérios crimes de corrupção e branqueamento de capitais, um processo que só foi interrompido devido ao eclodir do 07 de Outubro.

Por outro lado, alguns analistas entendem que este acordo pode muito bem estar a ser acolhido pelo Hamas apenas para ganhar tempo e restabelecer as suas linhas de abastecimento e capacidade militar muito debilitadas pelos ataques das Forças de Defesa de Israel (IDF).

Até porque o Hamas e a Jihad Islâmica em momento algum anunciaram que renunciavam ao seu maior objectivo e que é o húmus da sua existência, a expulsão dos "sionistas" da Palestina.

O mundo só quer mesmo que a guerra acabe

Para já, estas questões não parecem atrapalhar o reconhecimento global do potencial sucesso de um acordo que acabe com as hostilidades.

A embaixadora norte-americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, autora da proposta de resolução entretanto aprovada, sublinhou terem sido ultrapassadas as divisões históricas no Conselho de Segurança para aprovar a 4º resolução nos 8 meses deste conflito.

Já o embaixador palestiniano na ONU, Riyad Mansour, destacou o cessar-fogo como o ponto essencial deste acordo que terminará com a guerra, manifestando a sua determinação para que se prolongue até ao fim definitivo do conflito em Gaza.

O coordenador político da missão israelita nas Nações Unidas, Reut Shapir Ben-Naftaly, advertiu, contudo, que Telavive não vai aceitar negociações posteriores sem fim que permitam ao Hamas explorar essa situação para ir adiando o seu desfecho conforme os seus interesses.

Entretanto, o embaixador da Federação Russa no Conselho de Segurança, menos optimista, depois de se ter abstido, permitindo assim a passagem do documento, questionou sobre o que é que Israel tinha efectivamente acordado.

E aconselhou o UNSC a não aceitar parâmetros vagos que permitam a Israel encaixar no futuro uma série de condições sobre as quais nada se sabe hoje e podem subverter os princípios supostamente existentes.

Amar Bendjama, representante no UNSC da Argélia, o país que mais tem pugnado neste órgão pela causa palestiniana nestes longos meses de guerra acesa em gaza, disse que o seu país acredita no conteúdo desta resolução por representar um passo decisivo para uma paragem definitiva nas hostilidades.