Quando os EUA enviaram o maior porta-aviões do mundo, o USS Gerald Ford, para a costa israelita, acompanhado de contratorpedeiros e fragatas, o recado foi bem percebido, estavam a tentar evitar o alastramento desta guerra para o resto do Médio Oriente.
E secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, chegou a Israel, ainda se ouviam os ecos da audaz e mortífera acção do braço armado do Hamas, as Brigadas Al Qasam, sobre dezenas de colonatos e cidades do sul de Israel, e isso foi visto pelos analistas como um reforço da posição de Washington ao lado do plano de resposta de Israel aos "terroristas" palestinianos.
Mas assim que Blinken iniciou um inaudito périplo pelo Médio Oriente, indo para o Qatar, Arábia Saudita, EAU e o Egipto, e voltado a Israel, o mundo ficou a saber que o risco de a fornalha de Gaza evoluir para o caldeirão do Médio Oriente e que os EUA estão claramente conscientes de que são a apólice de seguro de Israel nesta temerária anunciada incursão terrestre sobre o ninho das vespas do Hamas, que é o norte da Faixa de Gaza.
Se dúvidas houvesse de que o mundo está a assistir a algo que pode, efectivamente, não ter semelhante para comparar no passado conturbado da região, mesmo incluindo as três devastadoras guerras israelo-árabes (1948, 1967 e 1973) desde que o Estado hebreu foi criado em 1948, o anúncio dos EUA de que um segundo porta-aviões, e a sua esquadra de suporte, o USS Dwight Eisenhower, está a chegar ao Mediterrâneo Oriental, mostra que o Médio Oriente está mesmo em ponto de ebulição.
A ameaça ao Irão de Joe Biden foi feita 24 horas depois do ataque do Hamas (ver links em baixo nesta página), coincidindo com o anúncio de Israel de que iria "limpar para sempre a região dos terroristas do Hamas" com uma incursão terrestre a Gaza, que começou logo a ser bombardeada pela aviação e a artilharia israelita com um tapete de explosões que continua até hoje, segunda-feira, 16.
Entretanto, milhares de carros de combate pesados e de transporte de tropas começaram a chegar à fronteira de Israel com Gaza, acompanhados dos 300 mil reservistas que foram chamados à acção pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, para a invasão que foi sendo, entretanto, adiada para que mais de 1 milhão de pessoas deixassem o norte de Gaza para evitar uma ainda mais vasta acumulação de mortos do lado palestiniano, como, de resto, a comunidade internacional começou a exigir.
Outro factor que pode estar a pesar na balança israelita é o número elevado de reféns que o Hamas levou para o interior de Gaza após o ataque de Sábado ao sul de Israel, havendo algumas fontes, citadas pelos media do país, que apontam para mais de 200, a maior parte destes levados do festival de música onde os atacantes mataram cerca de 300 jovens e levaram um número indefinido de "prisioneiros" para serem usados agora, ou como moeda de troca ou como escudos humanos.
Irão não ficou impressionado com o "don"t" de Biden
E ao fim de três adiamentos da invasão "por terra, mar e ar" de Gaza pelas forças de defesa de Israel, as IDF, eis que se começou a perceber o porquê: O irão não parece ter ficado impressionado com o aviso de Joe Biden e veio, nas últimas horas, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amir-Abdollahian, dizer ao mundo, mas com os olhos postos em Washington, que se Israel entrar na Faixa de Gaza, isso levará ao risco máximo de alastramento do conflito para o resto do Médio Oriente.
E o Irão tem as ferramentas para o fazer sem sequer meter as suas forças regulares ao barulho, através do Hezbollah, o grupo político-militar pró-iraniano que gere o Líbano integrando o Governo de Beirute, com posições reforçadas encostadas ao norte de Israel e com uma capacidade já demonstrada de olhar as IDF olhos nos olhos, aquando da guerra de 2006, onde os israelitas foram obrigados a aceitar um acordo mediado pela ONU no qual fizeram inéditas cedências ao Líbano, desde logo o levantamento do bloqueio naval ao país.
Sabendo que o Hezbollah tem capacidade militar incomparavelmente superior à do Hamas, e que o Irão já disse que apoia a luta de libertação da Palestina conduzida pelo Hamas, embora negando ter estado por detrás da acção de 07 de Outubro, Israel tem vindo a protelar o avanço sobre Gaza, justificando primeiro com a necessidade de retirar mais de 1,1 milhões de pessoas do norte da Faixa de Gaza em direcção ao sul do Wadi Gaza, ou Rio Gaza, e depois com as condições meteorológicas.
No entanto, a verdade é, muito provavelmente, outra, nomeadamente o receio de um alastrar do conflito ao vasto e complexo Médio Oriente, ou de estar a ser dado tempo à diplomacia norte-americana, com o frenético périplo de Antony Blinken na região.
Em cima da mesa pode estar, por exemplo, o surgimento de um cenário em que os países que apoiam o Hamas, financeiramente, pelo menos, como o Qatar, a Arábia Saudita e o Irão, podem impor ou novas regras ou o desmantelamento do grupo por troca com garantias de Telavive e de Washington de que, finalmente, avança o plano acordado na década de 1990, nos Acordos de Oslo, da criação de dois Estados na Palestina.
Nesse caso, Israel teria, forçosamente, de ceder os inúmeros colonatos com os quais tem vindo a ocupar a vastidão da Palestina, tanto na Cisjordânia como em Jerusalém Oriental, ou ainda no sul de Israel, junto à actual Faixa de Gaza, e mesmo, embora menos provável, sair dos Montes Golã, que ocupou à Síria na guerra de 1967, que ficou conhecida como a "Guerra dos Seis Dias".
Cenário este que pode igualmente estar na agenda do igualmente frenético périplo do ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amir-Abdollahian, que em simultâneo com o de Blinken, esteve no Qatar, no Iraque, nos Emirados Árabes Unidos e no Líbano, para explicar o olhar de Teerão sobre as consequências de uma hipotética invasão terrestre a Gaza.
Hossein Amir-Abdollahian disse, citado pela agência iraniana Tasmin e pela norte-americana Axios, que "ninguém pode garantir que tem controlo sobre a situação e a contenção do conflito para não alastrar regionalmente".
"E aqueles que estão interessados em evitar esse alastramento devem empenhar-se em acabar com a mortandade e os bárbaros ataques de Israel sobre civis em Gaza", acrescentou ainda o chefe da diplomacia iraniana.
Mortos, mortos, mortos...
Os números oficiais dos bombardeamentos israelitas desde Sábado, 07, que estão a ser anunciados pelo ministro da Saúde de Gaza, que é um Governo gerido pelo Hamas, mas que são corroborados pelas agências da ONU no terreno, ultrapassam já os 2.700, entre estes mais de 750 crianças, além de quase 10 mil feridos - números que não integram os terroristas mortos durante o ataque ao sul de Israel -, enquanto do lado israelita às mãos dos homens do Hamas, perto de 1.400 pessoas morreram - cerca de 270 militares - e perto de mil ficaram feridas.
Além da limpeza do norte da Faixa de Gaza, Israel criou ainda, nos últimos dias, uma faixa tampão de 4 kms de território na fronteira com o Líbano, de forma a manter os homens do Hezbollah sob controlo, embora os ataques a um e ouro lado com tiros de artilharia se repitam diariamente, tendo mesmo alguns jornalistas, da Reuters e da Al Jazeera, sido mortos ou feridos por morteiros israelitas.
Mas é na Faixa de Gaza que cresce o terror, com centenas de milhares de pessoas oriundas do norte amontoadas junto à fronteira de Rafah, com o Egipto, sem terem para onde ir porque o Cairo não permite a passagem, segundo algumas fontes, porque isso seria aceitar a responsabilidade sem tempo limite sobre a vida de mais de um milhão de pessoas "alojadas" no Deserto do Sinai, com a entrada, misturados, de milhares de terroristas do Hamas; segundo outras fontes, porque, como sucedeu no passado com o Líbano ou a Jordânia, refugiados palestinos que deixam a Palestina já não voltam, ou porque não querem ou porque Israel não deixa, de forma a colonizar as terras "libertadas".
Mesmo que o Egipto já tenha decidido deixar entrar centenas de camiões com ajuda humanitária, é ali, no sul da Faixa de Gaza, que a atenção das agências de ajuda humanitária da ONU está concentrada, porque, provavelmente, é também ali que vão chegar milhares de feridos que serão retirados dos hospitais do norte, da Cidade de Gaza.
Um dos problemas mais sérios é o destino a dar a milhares de bebes nas maternidades que estão no norte da zona sob ameaça de ataque terrestre israelita e sob ataque de artilharia e aviação ininterruptos há mais de uma semana.
A este cenário de morte e terror, soma-se o bloqueio imposto por Israel a Gaza, onde há uma semana não entra nem combustível nem alimentos ou medicamentos e a electricidade e a água foram cortadas.
O que quer o Hamas?
Não é fácil responder a esta pergunta, porque, se é verdade que o Irão está a tentar impedir a invasão israelita, isso pode ser apenas um braço-de-ferro com Washington para medir forças diplomáticas e na influência na região, onde, por exemplo, recentemente aconteceu o impensável, que foi o restabelecimento de relações diplomáticas com a Arábia Saudita.
Mas o Hamas, segundo alguns analistas, não pretende outra coisa que não seja atrair as IDF para a labiríntica e intrincada malha urbana de Gaza, onde dificilmente poerão ser usados carros de combate pesados e onde quem defende, com posições previamente preparadas contando com uma malha de túneis que permite uma mobilidade subterrânea que à superfície os israelitas nunca terão.
E a demonstração disso mesmo é que, mesmo com a gigantesca máquina de guerra israelita colocada na fronteira com Gaza, o Hamas não deixou de disparar roquetes para as cidades israelitas, algumas a mais de 200 quilómetros, como Haifa, ou Ashqelon, a 40 kms, embora sem atacar as concentrações militares a menos de cinco quilómetros das suas posições.
Com o poderio próprio do mais moderno e maior Exército do Médio Oriente, Israel, provavelmente, levará de vencido o Hamas, mas a que custo essa vitória será conseguida, já está a começar a dividir a opinião pública israelita e a gerar um diferendo interno no Governo de coligação que Netanyhau ergueu para lidar com este momento histórico.
Alias, com o passar do tempo, as manifestações em todo o mundo, da Europa aos EUA, mas com dezenas de milhões de pessoas no mundo árabe, incluindo os amigos de Israel Marrocos e Egipto, multiplicam-se e começam a aquecer as orelhas de Netanyhau e do seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, o mais radical falcão de guerra em Telavive, que chamou "animais em forma humana" aos palestinianos, sobre quem disse ser urgente lançar uma acção militar jamais vista.