O Paquistão é um país do Sul da Ásia e o Irão tem, igualmente, parte do seu território nesta região, embora, oficialmente, seja um dos nove Estados que compõem o Médio Oriente, para onde, na verdade, se dirige o grosso da sua atenção e das suas preocupações político-diplomáticas, o que evidencia que o conflito em Gaza entre Israel e os palestinianos do Hamas, se está a expandir no continente asiático.
Isto, porque os ataques lançados pelo Irão na terça-feira à noite no Curdistão iraquiano, em Erbil, contra, alegadamente, a "sede" local da secreta israelita Mossad, e sobre alvos na Síria, do ramo local do `estado islâmico", que Teerão acusa os EUA de estar a usar como "ferramenta" contra os seus aliados na região, e, pouco depois, no Paquistão, são, inequivocamente, faíscas projectadas pela guerra em Gaza.
Conflito esse que já passou os 100 dias, com mais de 24 mil mortos provocados por Israel entre civis palestinianos na Faixa de Gaza, e que tem cada vez mais projecções de fogo para outras paragens, seja o sul do Líbano, mais próximo, onde o pró-iraniano Hezbollah mantém as posições militares no norte de Israel sob fogo permanente, e vice-versa, seja o ligeiramente mais distante Estreito de Bab al-Mandab, no Iémen, onde os rebeldes Houthis infernizam o tráfego marítimo de e para o Canal do Suez, via Mar Vermelho, provocando disrupções graves em cerca de 15 por cento do comércio mundial e 12% do trânsito do petróleo do Golfo Pérsico para o ocidente.
E se estas faíscas já estavam a elevar as preocupações para o limite do sustentável, especialmente depois de a força naval liderada pelos EUA no Mar Arábico ter atacado centenas de alvos dos Houthis no Iémen, e terem já sido realizados, por estes rebeldes aliados do Irão, novos ataques contra navios comerciais na região, como na noite de quarta-feira para hoje, com a decisão das autoridades iranianas em subir as apostas para limites que há muito não se viam, alguns analistas admitem já que estamos perante uma guerra alargada a uma região tão vasta que dificilmente poderá ser controlada.
Apesar de a resposta paquistanesa ter apenas atingido um grupo separatista paquistanês que se refugia no vizinho Irão, sendo os sete mortos confirmados todos de nacionalidade paquistanesa, mesmo as duas crianças que sucumbiram os ataques com drones e misseis lançados por Islamabad, o Irão, tal como tinha antes feito o Paquistão, acusou o vizinho de violação da sua soberania territorial.
Estes episódios são considerados pelos analistas como graves e isso fica ainda mais claro com a chamada a casa dos respectivos embaixadores para "consultas", o que é uma escalada evidente na demonstração da insatisfação mútua.
Mas o facto de ambos os países terem atacado apenas grupos de separatistas ou terroristas, assim denominados pelas autoridades de Teerão e Islamabad, sem provocar a morte a "civis", o que é duvidoso de aceitar, visto que foram mortas várias crianças de um e do outro lado da fronteira, existe a possibilidade de as tensões arrefecerem depois de vários países, como a China e a Rússia, terem entrado em cena a pedir contenção na acção de um e do outro lado.
Até porque o Irão já tinha anunciado que iria punir os autores confessos, o ramo afegão do `estado islâmico", do ataque de há duas semanas que fez cerca de 90 mortos na cidade de Kerman, durante uma cerimónia religiosa junto ao túmulo do general Qassem Soleimani, antigo comandante da Guarda Revolucionária e herói nacional iraniano, morto por um drone dos EUA em 2020, em Bagdad, capital do Iraque.
E ainda porque o Paquistão tem como justificação ter apontado os seus misseis e drones apenas a alegados membros do Exército de Libertação de Baloch, um grupo que reivindica há décadas a independência do Balochistão, uma área que abrange o parte do Paquistão e do Irão, mas também do Afeganistão.
As próximas horas dirão como vai evoluir a situação, até porque este grupo separatista já ameaçou vingar o ataque paquistanês. Se o fizer a partir de território iraniano, a situação pode evoluir negativamente e de forma acelerada.
Este alargamento do conflito de Gaza para a vasta região do sul da Ásia, incluindo a potência nuclear que é o Paquistão, além do risco de gerar uma III Guerra Mundial, como muitos analistas temem poder suceder, testemunha ainda o falhanço da "missão" assumida há duas semanas pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, que se deslocou pela 4ª vez à região com o objectivo de topo de evitar um alastramento do conflito. (ver links em baixo nesta página)
Assim que o chefe da diplomacia dos EUA deixou a região de volta a Washington, a 10 de Janeiro, tento o Hezbollah e Israel, na fronteira israelo-libanesa, como os Huthis no Iémen, aumentaram a intensidade dos seus ataques, assim como foi relançada a operação contra as bases destes rebeldes pela coligação naval ocidental liderada pelos Estados Unidos... e agora a faísca de Gaza está a chegar ao Sul da Ásia.
Recados de Teerão
A ligação entre o conflito em Gaza e as suas faíscas lançadas para outras geografias, incluindo o sul da Ásia, está em evidência nas declarações do ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Hosein Amir Abdolahian, quando este, na quarta-feira, na sua intervenção no Fórum Económico Mundial de Davos, na Suíça, disse que esta escalada terminará com um cessar-fogo completo em Gaza.
O chefe da diplomacia iraniana entende que a solução para este conflito em expansão é acabar com a guerra em Gaza, nomeando como crises que dependem do que acontecer em Gaza os ataques dos Houthis no Mar Vermelho.
Mas é do conhecimento comum, até porque o Governo de Teerão já o verbalizou, que também o atrito entre o Hezbollah e Israel na fronteira israelo-libanesa terminará pela mesma via, ou, pelo menos, descerá de intensidade.
Mas, perante a plateia de Davos, Hosein Amir Abdolahian sublinhou com especial empenho a questão dos Houthis, uma organização próxima do Irão, pelo facto de os seus ataques estarem a dar tremendas dores de cabeça às grandes economias e grandes companhias internacionais de transporte marítimo.
Isto, porque a interrupção no Canal do Suez obriga a maior parte do comércio entre a Ásia e o ocidente que usa esta rota está agora obrigado a fazer o percurso pelo sul do continente africano, o que leva pelo menos mais duas semanas e encarece de forma exponencial cerca de 15% dos bens comercializados em todo o mundo, incluído petróleo.
E os últimos dados indicam que desde que começaram os ataques dos Houthis aos navios no Estreito de Bab al-Mandeb, mais de 50% do trânsito pelo Canal do Suez, no Egipto, que liga o Mar Vermelho Oceano Índico) e o Mar Mediterrâneo (Oceano Atlântico) foi desviado para o Cabo da Boa Esperança.
Porem, o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros também alertou as potências ocidentais que as várias frentes manter-se-ão igualmente activas, incluindo os ataques aos interesses israelitas e norte-americanos na Síria e no Iraque, bem como na fronteira israelo-libanesa, onde actua o Hezbollah.
Hosein Amir Abdolahian dirigia-se especialmente aos EUA, um dos países mais visados pela nova postura agressiva do Irão, a quem lembrou que podem terminar com a guerra rapidamente porque "sem o apoio de Washington, Israel não aguenta a guerra em Gaza nem mais um dia".