Há duas semanas que em Israel se olha para os céus à procura dos esperados misseis e drones iranianos prometidos pelos lideres iranianos para punir Israel pela morte do seu hospede quando este estava no país para assistir à posse do novo Presidente Masoud Pezeshkian. (ver links em baixo)

Em Washington, as secretas norte-americanas anunciavam nos primeiros dias de Agosto que o ataque iraniano estaria por um fio, depois eram 48 horas, 72 horas... e a tensão em crescendo à medida que mais e mais jornalistas internacionais chegavam ao país para presenciar o "espectáculo".

Entretanto, afinal, seria no dia 12, segunda-feira, quando se comemora o Tisha Bav judaico, o dia do jejum que marca algumas das mais simbólicas tragédias do povo judeu, que os iranianos teriam escolhido para vingar a ousadia israelita de assassinar um dos seus hospedes ilustres. Nada.

Depois de tanto tempo em permanente tensão, os efeitos começaram a fazer-se sentir, mas não na forma de explosões ou novas ameaças, mesmo que em Teerão, dia sim, dia não, se fosse reafirmando que o ataque estaria quase, quase a ser lançado...

Em Telavive, com os jornalistas enviados pelas grandes cadeias de televisão e jornais de todo o mundo sem explosões para relatar, vão imaginando como será esse ataque, ouvem-se especialistas, ausculta-se o sentir do povo, lembra-se o arsenal que o Irão possui...

E dão-se garantias, com base nas análises dos especialistas, tão nervosos como os jornalistas porque os oráculos estão a falhar, que o famoso sistema de defesa antiaéreo em três camadas, o iron dome, a David"s Sling e o Arrow 3, vai abater tudo o que chegar aos céus de Israel... excepto o que os radares não detectam, e a contenção estratégica não surge na forma de beep nos ecrás.

À vez com Teerão, o Hezbollah, o movimento xiita apoiado pelo Irão, reafirma que sim, que a retaliação pela morte de Hanyieh, e também pelo nº2 desta organização militarizada, o general Fuad Shukr, em Beirute, dias antes do líder do Hamas ter sido abatido, está iminente. (ver links em baixo)

O que estarão a fazer os iranianos?, começam agora a indagar analistas ocidentais, que não querem acreditar que o Irão tenha movido a inesperada peça da surpresa no tabuleiro deste xadrez pouco usual no histórico dos movimentos retaliatórios em Teerão.

As dúvidas engordam com a tensão, ou é a tensão que cresce com a dúvida. Certo, certo é que a tal jogada dos mestres iranianos, ou do acaso, nunca se saberá, e se se vier a saber, só muito mais tarde, começa a fazer efeito: em Telavive o Governo israelita está em colapso nervoso.

Ou nervous breakdown, como estarão a analisar os amigos americanos em Washington, que já enviaram a mais poderosa força naval alguma vez vista no Mediterrâneo Oriental, com dois porta-aviões, submarinos nucleares e dezenas de navios de guerra, além de centenas de aviões e milhares de militares acabados de chegar às bases norte-americanas e britânicas na região.

Netanyhau atira-se a Gallant

Jà como consequência deste nervosismo, Benjamin Netanyhau, o primeiro-ministro israelita, cansado das subtilezas do seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, que tem vindo a moderar a sua retórica belicista desde que pouco depois do 07 de Outubro considerou os palestinianos "animais que devem ser abatidos", veio publicamente acusá-lo de ter agora "uma narrativa anti-israelita".

Isto, porque Gallant discorda em absoluto da forma como Netanyhau está a conduzir a guerra em Gaza, que levou, devido a práticas que se enquadram, segundo os tribunais internacionais, TPI e TIJ, no crime de genocídio, à emissão de mandatos de captura internacionais contra os dois...

Depois de 40 mil mortos em Gaza, na maioria crianças, mulheres e idosos, mais de 120 mil feridos, a destruição em mais de 80% dos edifícios no território, com a totalidade da sua população, 2,3 milhões de pessoas, à beira da fome severa e na condição de refugiados e deslocados, Yoav Gallant descobriu que o Hamas não pode ser derrotado porque "é uma ideia".

Segundo os media israelitas Haaretz e Canal 12, Benjamin Netanyhau e Yoav Gallant têm, nas reuniões do gabinete de guerra, manifestado posições claramente distintas e de forma rude, a ponto de, agora, o primeiro-ministro ter trazido o seu azedume para a praça pública.

Depois de Gallant ter dito que os objectivos para Gaza eram irrealizáveis, Netanyhau veio acusar o seu ministro da Defesa, que alguns analistas admitem estar já querer afastar-se de uma derrocada por dentro do poder do primeiro-ministro, de estar a "prejudicar os interesses de Israel" e de bloquear as possibilidades de libertar os reféns em Gaza.

Alguns analistas israelitas à esquerda do espectro político admitem já que dificilmente o Governo de Netanyhau possa sobreviver ao actual momento, não apenas devido a este episódio com Gallant, mas também porque os seus dois ministros mais radicais não vão tolerar quebras no ímpeto da guerra.

Tanto Itamar Bem Gvir, ministro da Segurança Interna, e líder de um partido anti-árabe, o Otzma Yehudit, que defende a transformação de Gaza num colonato gigantesco, expulsando os palestinianos, como Bezalel Smotrich, ministro das Finanças e líder do Partido Religioso Sionista, os mais radicais entre os radicais, já disseram que vão fazer cair a coligação que sustenta o Governo no segundo seguinte à assinatura de qualquer cessar-fogo com o Hamas.

Com a tensa e estratégica jogada iraniana de manter os israelitas a olhar para os céus à espera dos clarões anunciados, e o Governo à beira de um ataque de nervos, Netanyhau pode muito bem estar num fade out do poder que o mantém longe dos problemas que o esperam assim que regressar à "vida civil".

Isto, sem esquecer que os Estados Unidos, mesmo jurando defender Israel dos "terroristas" do Irão, estão a caminhar sobre as brasas da campanha eleitoral que aconselha a especiais cuidados antes de movimentar as peças no drama do Médio Oriente onde a causa palestiniana ganha mais tracção a cada dia que passa entre o eleitorado democrata do actual Presidente Joe Biden e da candidata Kamala Harris.

E sem o dinheiro dos EUA e do seu arsenal, onde Israel se abastece sem limites, Israel não tem quaisquer possibilidades de manter, além de Gaza, outra frente de guerra com o Hezbollah, na fronteira israelo-libanesa, e ainda ter de lidar com as ameaças do Irão, dos Houthis do Iémen e ainda as milícias xiitas da Síria e do Iraque...

Enquanto isso, no Irão o aiatola Ali Khamenei mostra ter nervos de aço e sustem a espera estratégica por saber que em Israel essa arma é mais letal que quaisquer dos seus misseis, porque a primeira desune e a segunda iria unir Israel internamente e entre os aliados ocidentais.

Essa espera está de tal modo a ser eficaz que, além do atrito entre Netanyhau e Gallant ter vindo para a praça pública, o ministro da Segurança Interna, Bem Gvir, tomou a iniciativa de realizar a mais vil humilhação aos muçulmanos de todo o mundo ao visitar a Mesquita de Al-Aqsa, um dos locais mais sagrados do Islão, sendo natural admitir que se trata de mais um desafio ao universo muçulmano.

Sendo igualmente o local considerado sagrado pelso judeus, Gvir foi ali exigir que as regras sejam mudadas e que os judeus também possam ir rezar ao "seu" Monte do Templo, o que, historicamente, é uma das razões para alguns dos mais violentos momentos da relação entre israelitas (excepto os de raiz islâmica, perto de 10% da população) e muçulmanos.

Este momento serviu ainda para que o primeiro-ministro viesse pela segunda vez a público mostrar uma severa discordância com um dos seus ministros, acusando-o de querer para si uma política privada de acesso a locais proibidos para oração, como é Al-Aqsa para os judeus que, no entanto, ali podem ir apenas como simples visitantes.

realidade ou teatro?

Enquanto alguns analistas notam que estes diferendos são estilhaços de confrontos internos no Governo de Netanyhau, outros admitem que pode muito bem ser parte de um guião para divergir as atenções dos problemas mais densos que Telavive tem pela frente.

E entre esses problemas estão os que derivam do protelamento estratégico do ataque iraniano, que pode ter sido idealizado em conjunto com os aliados russos, depois da visita a Teerão do antigo ministro da Defesa e secretário do conselho de segurança da Federação, Sergei Shoigu, apenas horas depois da morte de Ismail Henayieh.

E que são, entre outros de menor densidade, três essenciais:

- Explicar as razões para que o Exército mais moderno do Médio Oriente, com apoio ilimitado dos EUA, mesmo empregando 350 mil soldados, ainda não ter conseguido derrotar o Hamas, cerca de 50 mil combatentes armados com armas ligeiras apenas, dez meses depois do 07 de Outubro, mesmo tendo destruído totalmente a Faixa de Gaza;

- Responder às dúvidas sobre as estranhas falhas de segurança que permitiram que milhares de combatentes do Hamas e da Jihad Islâmica entrassem no sul do país de assalto sem que a Mossad, o Shin Bet e a AMAN, as três secretas do país e das mais famosas do mundo, dessem por isso;

- Como é que, contra a vontade publicamente reforçada de Washington, Netanyhau ordenou a morte do líder do Hamas, Henayieh, sabendo que isso iria acabar com qualquer possibilidade de negociações, mesmo sendo este um dos líderes palestinianos mais moderados, abrindo as portas à possibilidade de uma guerra sem paralelo no Médio Oriente?