A Organização Internacional das Migrações (OIM), das Nações Unidas, diz que existem perto de 170 mil migrantes no Líbano, muitos deles africanos, sendo que, destes a maior parte, no que chega aos milhares, são empregados domésticos sujeitos a um regime considerado por organizações internacionais como "escravidão".

Esse regime "esclavagista" é denominado Kafala e é usual em quase todos os países árabes do Médio Oriente, sob o qual, não sendo legal mas sim baseado em regras tradicionais, os trabalhadores são mantidos sem quaisquer direitos, sendo-lhes os seus passaportes retirados.

A maior parte das pessoas sujeitas a esta condição são ou africanos ou oriundos de países asiáticos pobres como o Bangladesh ou a Índia, entre outros, ocupando-se de trabalhos doméstico ou em trabalhos agrícolas ou na criação de animais.

Normalmente sem quaisquer direitos, sem folgas e pagos conforme a disposição do seu kafeel, como é dominado o indivíduo que "possui" estes trabalhadores, podem ser abandonados nas ruas sem que as autoridades tenham poder para pedir contas aos antigos empregadores.

E foi isso que aconteceu em grande número com o despoletar de mais uma guerra no Líbano (ver links em baixo nesta página), com os bombardeamentos israelitas por todo o Líbano, ou com a invasão do sul do país, que é predominantemente agrícola e onde estavam milhares destes novos escravos.

Agora, depois de alguns países terem feito esforços para levar de volta os seus cidadãos em pontes aéreas, segundo relatos dos media locais, a partir de informações prestadas por organizações humanitárias libanesas, milhares de africanos, com algumas excepções, foram abandonados pelos seus kafeel nas ruas das cidades e vilas libanesas.

Sem dinheiro e sem forma de sair do país, ou até para comprar comida, muitos deles, de onde se destaca, como contam os activistas libaneses, um grupo de largas centenas de mulheres de diversas proveniências em África, mas na maior parte serra-leonesas, estão a ser acolhidas e alimentadas por organizações locais sem qualquer apoio do Estado ou dos seus países de origem.

Foi ao verem tantas mulheres africanas abandonadas nas ruas que grupos de activistas se organizaram para as socorrer ou ainda para as libertar dos seus "donos" que não lhes devolveram os passaportes antes de partirem para locais seguros face ao avanço da guerra.

Acresce em dificuldades o facto de todo o país, com cerca de 5,5 milhões de habitantes, mais de 1,3 milhões estarem actualmente deslocados das suas casas ou em movimento para fugir à guerra, em campos de refugiados improvisados, o que leva a que não fiquem recursos para socorrer os migrantes africanos abandonados à sua sorte.

Como notam os activistas locais que estão a prestar o auxílio possível aos africanos abandonados, o Governo de Beirute está aflito para socorrer os seus próprios cidadãos, o que faz com que a situação dos estrangeiros pobres seja ainda mais dramática.

Citados pela AFP, várias mulheres serra-leonesas mostraram vontade de regressar ao seu país mas não encontraram nem apoio consular para isso nem quem lhes pagasse o regresso, que seria um dever dos seus kafeel pelo trabalho prestado ao longo de anos sem remuneração adequada.

O site africanews refere mesmo que há relatos das Nações Unidas que referem que as pessoas deixadas nas ruas pelos seus "donos" são as afortunadas, porque muitos africanos foram deixados presos dentro das casas onde trabalhavam sem forma de se libertarem.

Ao longo das últimas décadas têm sido feitos esforços por parte de organizações internacionais para abolir o "sistema Kafala", mas o seu enraizamento nas sociedades árabes do Médio Oriente não permitiu até agora grande sucesso neste esforço.

Há mesmo filmes e livros escritos sobre este fenómeno que se aproxima grandemente da escravatura que levou milhões de africanos para o "novo mundo".

Em países como a Índia e o Bangladesh há mesmo fortes movimentos locais criados para exigir aos respectivos governos que vigiem as condições de trabalho que os seus emigrantes encontram nos países do Médio Oriente.

Periodicamente ocorrem massivas manifestações contra esta realidade desumana e criminosa.