Apesar disso, a democracia nigeriana tem conseguido lidar com as sistemáticas suspeitas sobre a idoneidade dos seus governantes... mas pode é não resistir à soma da dúvida com uma crise histórica que agrega desemprego, alta inflação, insegurança e agora a falta de dinheiro a circular.
A Nigéria é há mais de duas décadas um caso raro em África de cumprimento escrupuloso das normas constitucionais pelos seus Presidentes, que, pelo menos nas últimas duas décadas, cumprem os dois mandatos limite de quaro anos e deixam o poder para o sucessor, embora a corrupção, o peculato e a incapacidade de combater com eficácia a insegurança, possam desestabilizar o país neste período crucial.
O jihadismo do Boko Haram, no nordeste, as guerrilhas no Delta do Níger, no sul, onde se concentra a sua fatia de leão da produção petrolífera, ou os bandos armados que aterrorizam as populações dos estados do centro e noroeste do país, ou os rebeldes do Biafra, na fronteira sul com os Camarões, no sudeste, que protagonizaram nas últimas horas um ataque a um grupo de polícias deixando oito mortos no local, são uma ameaça permanente à solidez da resiliente, apesar de tudo, democracia nigeriana.
Este Sábado, não deverá ser diferente, com os três principais candidatos a disputar agressivamente esta corrida à Presidência do mais populoso país do continente, mais de 200 milhões de pessoas - 93 milhões de eleitores registados -, numa campanha eleitoral que segue o seu curso o mais normal possível.
Estádios cheios de apoiantes e comícios repletos têm marcado esta campanha eleitoral, como notam os jornalistas dos media internacionais no terreno, deixando como o mais provável ser que, em Maio, o Presidente Buari deixe o poder e o vencedor deste Sábado, assuma o "trono" do também país mais rico do continente, cujo Produto Interno Bruto ultrapassou o da África do Sul nos últimos anos, sendo o primeiro em que isso aconteceu 2013.
À crise junta-se a falta de dinheiro a circular
Mas há neste processo eleitoral algo que o distingue dos passados: uma crise económica colossal, que começou mais ou menos ao mesmo tempo que a angolana, em 2014, com a queda abrupta do valor do barril de crude, ganhou tracção com a pandemia da Covid-19 e em nada melhorou com a guerra na Ucrânia, que é o desaparecimento de dinheiro físico de circulação desde que o banco Central da Nigéria iniciou, em Outubro de 2022, um processo de substituição de notas de Naira, retirando as existentes sem mostrar capacidade de distribuir as novas ou de impedir a sua acumulação ilegal.
Tudo somado gerou um desemprego historicamente alevado, inflação sem precedentes em muitos anos, mas com um novo "picante" que pode, como admitiram alguns analistas, embora essa seja uma hipótese remota, levar mesmo ao adiamento das eleições. O que não seria uma novidade, porque em 2019 foi isso que aconteceu, embora a razão tenha sido o desaparecimento de blocos de boletins de voto, como o Novo Jornal noticiou na ocasião.
Com isso, as famílias deixaram de poder fazer o seu dia-a-dia normal, porque, num país onde apenas pouco mais de 40% da população tem conta bancária, o dinheiro físico é essencial, e com os bancos a não terem como responder à demanda de notas, o Presidente Buari viu-se na obrigação de ordenar que as notas antigas de 200 Nairas fossem repostas em circulação por mais 60 dias... mas nem assim o problema parece estar a desaparecer e os tumultos sucedem-se em várias cidades.
Como se pode perceber da leitura dos media locais na Nigéria, ou nas agências de notícias, em várias cidades do país foram destruídas agências bancárias por grupos de pessoas cansadas de esperar pelo seu dinheiro, ocorreram tumultos em cidades como Lagos, com mais intensidade no final da Passada semana, mas alguns organismos ligados ao sector bancário admitem já que este problema possa crescer para Março, ou mesmo transformar o dia das eleições, Sábado, num vendaval nacional de protestos que inviabilizem a ida às urnas.
O aviso de quem mexe no dinheiro
A importante Associação Nacional de Quadros Bancários, das Seguradoras e das Instituições Financeiras veio a público advertir para os riscos que os seus associados correm em algumas cidades, tendo-os aconselhado a ficar em casa, o que agrava mais o problema, podendo mesmo ser uma crise nacional se esta indicação for dada a todos os funcionários bancários dos 36 estados do país.
Para já, foram registados protestos em cidades como Lagos, Abuja, Port Harcourt, entre outras.
Embora mantenha a defesa da utilidade da decisão de substituir as velhas notas de Naira pelas novas, o Presidente Muhammadu Buhari admite que o processo não foi suficientemente bem conduzido de forma a garantir que não haveria escassez de notas físicas nas mãos dos nigerianos, especialmente a de 200 Nairas, a mais comum e útil, embora também circulem de 500 e mil.
As antigas notas de 200 vão manter-se em circulação durante os próximos 60 dias, período que Buhari entende como suficiente para acalmar a situação e normalizar a circulação das novas notas.
O tema da escassez de notas tem sido um dos principais temas de conversa na campanha eleitoral, com a oposição, especialmente o maior partido da oposição, o Partido Popular Democrático a acusar o partido no poder, o Congresso de Todos os Progressistas, de responsabilidade pela crise, e vice-versa.
Na corrida à Presidência estão 18 candidatos mas com mais probabilidades de vitória estão três candidatos, Bola Tinubu, do partido no poder, e antigo governador de Lagos, Atiku Bubakar, do PDP, que foi vice-Presidente nos primeiros anos deste século, e, pelo Partido Trabalhista, Peter Obi, cujo lema de campanha é acabar com o já histórico bipartidarismo entre o Congresso de Todos os Progressistas e o Partido Popular Democrático.
Os três estão marcados pela suspeita aos olhos dos eleitores
Há, porém, outro problema que pode levar a Comissão Nacional Eleitoral Independente a equacionar o calendário eleitoral, que é o fraco registo da idoneidade dos principais candidatos, Peter Obi, do Partido Trabalhista e antigo governador do estado de Anambra, Atiku Abubakar, do Partido Popular Democrático e antigo vice-presidente nigeriano, e Bola Tinubu, do Congresso de Todos os Progressistas (partido no poder) e antigo governador de Lagos.
Se, por um lado todos foram governantes em diversos períodos seja no governo central ou de estados-regiões, o que lhes confere experiência governativa, nenhum deles chega a esta corrida eleitoral sem manchas no currículo...
Como lembra o Instituto para o Estudo da Segurança de Pretória, África do Sul, em causa estão suspeitas de desvio de dinheiro e corrupção, (Bola Tinubu), ou com citações abundantes em relatórios internacionais, como um do Senado dos Estados Unidos por branqueamento de capitais, (Atiku Abubakar) ou diversos crimes financeiros referidos nos Pandora Papers, (Peter Obi), o que todos eles negam ter fundamento, embora sem convencer a esmagadora maioria dos eleitores devido ao vasto currículo do próprio país.
Isto causa um problema acrescido para os eleitores, claramente já cansados de esperar por um futuro que não chega, de promessas por cumprir e de uma crise que não larga o país há largos anos.
No entanto, a Nigéria, apesar das muitas imperfeições, tem mantido uma regularidade eleitoral formal há mais de duas décadas, o que faz da sua uma das democracias mais robustas no continente.
E é esse exemplo que neste interessante ano de 2023 pode revelar-se fundamental para a democracia em todo o continente, com cerca de 30 eleições, entre referendos, legislativas e presidenciais.
A Nigéria agora e a República Democrática do Congo a fechar o ano, em Dezembro, dois dos mais importantes, mais populosos e problemáticos países continente, estão nas extremidades desta lista, com, claramente, o que se passar neste Sábado no país da costa ocidental a ter um efeito dissuasor ou impulsionador de perturbações...