Para piorar a situação de Denis Mukwege, as Nações Unidas acabam de lhe retirar a protecção que era garantida pela presença permanente de militares, "capacetes azuis", tanto na sua residência como na sua clínica, colocando, de forma inesperada, em risco a vida de um dos mais notáveis defensores da paz e dos mais fracos na RDC, país largamente dominado por grupos de guerrilha e milícias que disputam o território, especialmente no leste.
De acordo com seus familiares e amigos, citados pelo The Guardian, Denis Mukwege está agora mais que nunca em risco de ser assassinado por aqueles que não lhe perdoam a sua acção em defesa das suas principais vítimas, as mulheres, vítimas de violência sexual, ou forçadas a trabalhos inumanos, nos territórios que dominam e onde exploram, de forma ilegal e com recurso a violência sem regras, os recursos naturais do Congo.
Foram várias as ameaças que Denis Mukwege recebeu nas últimas semanas depois de ter feito declarações condenando episódios repetidos de violência no seu país e clamando por justiça para aquilo que considera crimes de guerra e contra a humanidade perpetrados no leste da RDC por grupos de guerrilhas e milícias armadas, muitas delas oriundas dos países vizinhos, como o Ruanda e o Uganda, de onde são originários alguns dos grupos mais violentos.
Recorde-se que as províncias dos Kivu, Norte e Sul, e Ituri, as três localizadas no leste e com fronteiras com os pequenos países dos Grandes Lagos, estão, desde a década de 1990, mergulhadas em violência por acção de guerrilhas como, entre outras, a ADF (Aliança das Forças Democráticas do Uganda) e as FDLR (Forças Democráticas de Libertação do Ruanda), que se instalaram na região depois do genocídio de 1994 no Ruanda, onde mais de 800 mil tutsis foram massacrados pela maioria Hutu.
Com os seus mais recentes comentários e declarações, Denis Mukwege enfureceu, como relata a imprensa do país, algumas altas chefias militares do Ruanda, de onde e onde chegam e têm apoio grupos de guerrilha, cujas tropas são acusadas de envolvimento em episódios de terror naquela região da RDC, especialmente em 2010, debruçando-se ainda sobre o martírio do povo congolês ao longo das múltiplas "guerras do Congo", que se prolongaram de 1995 a 2003, deixando largas centenas de milhares de mortos e milhões de deslocados e feridos.
Denis Mukwege tem sustentado as suas declarações numa investigação da ONU sobre esse período nefasto no Congo e em toda a África, que as forças aramadas ruandesas, incluindo o seu antigo ministro da Defesa, que chefiou estas forças na RDC, nessa época, entre 1996 e 1998, refutam e consideram "propaganda", apontando o médico congolês e Nobel da Paz como uma marioneta ao serviço dos que "perderam a guerra", nota o The Guardian, numa peça escrita pelo seu correspondente Jason Burke, que adianta ainda que os media estatais ruandeses têm dado ênfase a essa refutação e criticado o ginecologista do país vizinho.
A exposição de Mukwege ao perigo resulta da decisão da ONU de retirar, aparentemente devido a um surto da pandemia da Covid-19, uma unidade de 12 militares que estava localizada em Panzi, área onde está a clínica do médico e a sua residência, proporcionando ainda escolta quando este se deslocava na região, especialmente a Bukavu, capital da província do Kivu Sul.
Face a este cenário de evidente perigo, uma ONG norte-americana, os Médios para os Direitos Humanos, já veio a público denunciar o perigo a que está sujeito um "campeão dos Direitos Humanos" e um "combatente contra a impunidade para a violência sexual e outras atrocidades", lançando fortes críticas à ONU pela retirada da protecção a Denis Mukwege.