Kisangani, a capital da província de Tshopo foi a primeira onde os protestos populares se fizeram sentir a seguir ao anúncio da vitória de Félix Tshisekedi pela Comissão Eleitoral Independente (CENI), na madrugada de hoje, com centenas de apoiantes de Martin Fayulu, o candidato derrotado e que as sondagens apontava, como grande favorito à vitória, a saírem para as ruas.
Um dos alvos dos manifestantes foi a habitação do secretário-executivo da CENI na província de Tshopo, que foi ocupada e alvo de saques por dezenas de jovens, em algumas comunas urbanas, como Mangobo, foram armadas barricadas com pneus a arder nas principais artérias, enquanto na Universidade de Kisangani, grupos de estudantes tentaram barricar as vias mas acabaram por ser dispersos pela Polícia de Intervenção e antimotim.
Dezenas de escolas, lojas e centros comerciais foram encerrados e a maioria dos habitantes da cidade ficaram em casa, com as forças de segurança, incluindo militares das Forças Armadas da RDC (FARDC) a patrulhar as principais avenidas e bairros.
Entretanto, em Kikwit, capital da província de Kwilu, o cenário de protestos populares repetiu-se, com barricadas erguidas em diversas ruas e avenidas da cidade, horas depois do anúncio pela CENI de Félix Tshisekedi como Presidente eleito.
Inconformados com este desfecho, centenas de pessoas tiveram de ser dispersas pela polícia em diversos locais da capital provincial.
Ao mesmo tempo, ocorriam, nesta e noutras cidades, manifestações de regozijo pela vitória de Tshisekedi.
Segundo fontes dispersas, das redes sociais aos jornais online congoleses, durate as primeiras horas do dia de hoje foram registadas quatro mortes entre manifestantes, embora não seja claro se estas resultaram de confrontos com as forças de segurança.
Nestas cidades e noutras como Lubumbashi, Goma, no Kivu Norte ou na província de Ituri, no leste da RDC, como diz a ONU através do seu Escritório para a Coordenação das Operações Humanitárias (UNOCHA), as forças de segurança, incluindo elementos das secretas civis e militares, foram montados dezenas de check points para garantir que não ocorrem perturbações.
Por todo o país as FARDC e a Polícia Nacional do Congo (PNC) estão a agir de forma profiláctica, com patrulhamentos intensos e dispersando pessoas quando estas se juntam a partir de um pequeno número, como é o caso de Kananga, no Kasai, onde o presidente do município emitiu uma mensagem na rádio e na televisão estatais onde diz que é proibido ajuntamentos com mais de três (3) pessoas, sublinhando a existência de severas punições para os infractores.
Recorde-se que Martin Fayulu já veio a público afirmar que rejeita os resultados e alertar para a possibilidade de uma reacção violenta popular contra esta "declarada fraude eleitoral". E a Bélgica e a França já assumiram a linha da frente do protesto internacional.
O povo foi "roubado", acusa Fayulu
O candidato derrotado, e que tinha surgido a liderar as sondagens antes da votação, Martin Fayulu (na foto), considerou o anúncio da eleição provisória de Tshisekedi um "golpe eleitoral".
Fayulu disse aos jornalistas, na primeira reacção à eleição de Félix Tshisekedi, que rejeita aceitar estes resultados porque não têm qualquer ligação à realidade expressa pelos eleitores nas urnas de voto.
"Estes resultados não têm nada a ver com a verdade da urna de voto", disse, sublinhando ainda que se trata de um "golpe" e que é "totalmente incompreensível", afirmando ainda que "o povo congolês está de novo a ser roubado da sua soberania".
O candidato derrotado deixou ainda no ar a ideia de que esta situação é passível de gerar a desordem generalizada no país, rejeitando-os "liminarmente" por se trará de "uma vilania eleitoral".
"Estes resultados foram fabricados no gabinete de Kabila e da CENI", disse Martin Fayulu, acrescentando que "nenhum congolês poderá tolerar tamanha falcatrua", este "grave atentado à dignidade do povo e ao país", pedindo a todos os observadores para fornecerem e tornarem públicos os seus resultados.
Partilha de poder entre Kabila e Tshisekedi em curso?
A imprensa internacional cita diversos apoiantes de Fayulu que afirmam ter sido feito um pacto para a partilha do poder entre Kabila e Tshisekedi.
A Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO), órgão que reúne os bispos católicos da RDC, lançou, horas antes deste anúncio, um sério aviso à Comissão CENI sobre o risco de anunciar resultados que não respeitem a vontade manifestada nas urnas pelo povo.
O presidente da CENCO, Marcel Utembi, presidente da CENCO, enviou mesmo uma carta à CENI onde diz que "entre as irregularidades que irritam a população, a mais grave, que poderá levar o povo a sublevar-se, seria publicar resultados, mesmo que provisórios, que não sejam conformes à verdade das urnas".
Recorde-se que durante o período de votação, fonte da CENCO, que teve 40 mil observadores a acompanhar a ida às urnas dos 39 milhões de eleitores, citadas sob a condição de anonimato, tinha indicado que Martin Fayuku liderava com larga margem a contagem.
É de lembrar também que a UDPS, ainda na quarta-feira, veio a público, através do seu secretário-geral, anunciar a vitória do seu candidato e lider - que se veio a confirmar - mas com um complemento que pode ser a porta aberta para todas as confusões, quando Jean-Marc Kabund disse que Félix Tshisekedi estava em conversações com Joseph Kabila para negociarem a transição de poder num contexto de reconciliação nacional.
Isto, quando o próprio Tshisekedi, bem como a restante oposição, fez numerosas acusações pré-eleitorais à CENI de que estava manietada pelo regime de Kabila e que estava a actuar de forma a garantir que os interesses do ainda Presidente da República estariam salvaguardaos.
Félix é filho do antigo lider da UDPS e político histórico na RDC, Etienne Tshisekei, falecido em 2017, em Bruxelas, um dos mais fervorosos rivais de Kabila, com quem manteve uma "guerrilha" política aberta ao longo dos últimos anos, tendo sido quem liderou os milhares de congoleses que entre 2016 e 2017 saíram para as ruas - tendo morrido centenas em confrontos com a polícia - a exigir a saído de Kabila do poder e a realização de eleições, quer foram adiadas duas vezes e deveriam ter tido lugar em Dezembro de 2016, altura em que Etienne poderia ter sido candidato.
ONU toma nota dos resultados e apela à calma
As Nações Unidas, segundo um comunicado emitido horas depois do anúncio dos resultados provisórios pela CENI, informa que o Secretário-Geral, António Guterres, tomou nota desta informação e apela à calma de todos os partidos políticos e a que estes se abstenham de toda e qualquer manifestação de violência, porque existem mecanismos legais para acomodar os protestos, nomeadamente eventuais recursos constitucionais e recontagens de votos, etc.
Estas eleições são a grande esperança da ONU de ver na RDC as primeiras eleições, desde a sua independência, em 1960, com transição de poder, sem que o país se veja envolvido num banho de sangue.
"O Secretário-Geral apela a todos os partidos que se abstenham de actos de violência e a optarem por regrar os contenciosos eleitorais através de mecanismos institucionais estabelecidos e conformes à Constituição", disse a ONU.
Guterres felicitou ainda o povo congolês e os seus protagonistas políticos pelo desenrolar pacífico das eleições, pedindo a todos os actores políticos e civis para que estejam à altura das suas responsabilidades, prometendo todo o apoio da ONU para o futuro da RDC.