Nairobi, a capital queniana, é a próxima etapa do roteiro para a paz que começou a ser desenhado através dos esforços conjuntos da EAC e da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), liderada pelo Chefe de Estado angolano, João Lourenço, estando prevista uma Cimeira, no dia 21 de Novembro, com a presença dos dois beligerantes de facto, Paul Kagame, do Ruanda, que refuta as acusações de Félix Tshisekedi, da RDC, que diz que são as Forças Armadas ruandesas apoiam os guerrilheiros do M23.

Segundo estão a noticiar as agências de notícias esta terça-feira, as FARDC continuam a travar ferozes combates com os guerrilheiros do M23 ou Movimento 23 de Março, que, depois de lagos anos adormecido, voltou a espalhar violência pelo leste congolês em meados de 2021, tendo sido de imediato acusados por Kinshasa de estarem a receber apoio logístico do Ruanda, com o objectivo de gerar instabilidade, com objectivos ainda pouco claros mas que, segundo algumas fontes de organismos internacionais, permitiria ao Ruanda manter a exploração de recursos naturais, como o coltão, em território da RDC, especialmente nas províncias do Kivu Norte e Kivu Sul.

Mas há ainda teses que apontam para a necessidade de o Ruanda ocupar territórios para alargar as suas fronteiras devido à já difícil sustentabilidade da sua densidade populacional, a maior de África continental, com mais de 400 habitantes por km2.

Apesar de Kagame desmentir que o seu Exército esteja por detrás deste acordar violento dos guerrilheiros do M23, de origem ruandesa e de etnia Tutsi, a mesma do Presidente ruandês, que, recorde-se, foi brutalmente atacada em 1994, onde morreram mais de 800 mil pessoas, maioritariamente tutsis, naquilo que ficou conhecido como o genocídio ruandês, um relatório da ONU aponta claramente para uma ligação estreita entre esta organização terrorista e as forças militares ruandesas.

Face a este cenário, a assinatura de um acordo de paz em Nairobi, no próximo dia 21, é, no mínimo, difícil ser conseguido neste encontro, porque, primeiro, teria de haver um reconhecimento do Ruanda de um envolvimento nas acções violentas do M23, e, depois, porque, no terreno, o que se sabe é que os combates estão a intensificar-se entre as FARDC e a guerrilha, especialmente nas imediações da cidade de Goma, a capital do Kivu Norte.

No entanto, a ronda de conversações de paz de Nairobi, foi precedida de uma forte investimento diplomático do Presidente angolano, que, depois de patrocinar uma cimeira em Luanda com os ministros dos Negócios Estrangeiros congolês e ruandês, no início do mês, esteve agora num périplo entre Kigali e Kinshasa, onde se encontrou cara a cara com Félix Tshisekedi e Paul Kagame, procurando gerar condições para que a Cimeira de Nairobi seja efectivamente um sucesso.

Outro elemento importante nesta escadaria para a paz é que dois dos países que integram a EAC e também estão presentes noutras organizações regionais africanas, Burundi e Quénia, aprovaram o envio de contingentes militares para a formação de uma força de interposição para o leste da RDC, tendo os primeiros perto de 150 já chegado a Goma, prevendo-se, todavia, que esta força seja composta por mais de 1.000 militares.

Num recado claro às partes em conflito, o antigo Presidente queniano, e mediador da EAC para este imbróglio nos Grandes Lagos, Uhuru Kenyatta, disse que os grupos de guerrilha que actuam no leste da RDC "devem pousar as armas e escolher o caminho da paz" porque "não vai ser possível ganhar nada através da violência".

A faísca congolesa

Para embrulhar ainda mais em dificuldades este faiscante problema, começa a crescer na sociedade congolesa uma exigência cada vez maior de ajuste de contas com o Ruanda, o que pode ser percebido de forma clara olhando para os milhares de jovens congoleses que responderam ao apelo patriótico do Presidente da RDC, Félix Tshisekedi, feito no dia 05 de Novembro, para que se juntem às forças de segurança no combate armado aos guerrilheiros do M23.

Para o Governo do Presidente Félix Tshisekedi não há grandes dúvidas de que o Ruanda está por detrás do apoio logístico e financeiro dos guerrilheiros do Movimento 23 de Março que voltaram a atormentar o leste da RDC nos últimos meses.

Depois de acusações graves trocadas entre Kinshasa e Kigali desde meados de 2021, embora este seja um conflito de baixa intensidade que se prolonga desde a década de 1990, sobre violações territoriais de uma e outra parte - o Ruanda tem fronteira com a RDC nas províncias do Kivu Norte e Kivu Sul - e da ocorrência de escaramuças fronteiriças ocasionais entre militares dos dois países, o surgimento do M23, um grupo de guerrilha que estava adormecido desde há quase uma década, levou o Governo congolês a agir acusando o Governo ruandês de estar por detrás da sua acção violenta no leste do país.

Esta mobilização geral, com manifestações de apoio em todas as grandes cidades da RDC, onde largos milhares de congoleses exigem acção ao Governo de Kinshasa directamente contra o Ruanda, que consideram o verdadeiro agressor, fazendo dos guerrilheiros do M23 a ferramenta da agressão, é uma escalada séria nesta disputa de argumentos entre Kinshasa e Kigali que pode, mais cedo ou mais tarde, empurrar os Grandes Lagos para a condição de palco de um conflito aberto que pode ter consequências devastadoras para toda a África Central.

Isto, porque dificilmente os países vizinhos, desde logo o Uganda, o Burundi, o Quénia, a RCA ou o Sudão, ou mesmo Angola, no sul, embora mais distante, poderão deixar de agir face a um eventual conflito declarado devido aos interesses geoestratégicos em causa e as afinidades geográficas, étnicas e culturais de um dos mais perigosos lugares no Planeta Terra pelo seu potencial desestabilizador.

As imagens transmitidas pelas cadeias de televisão internacionais não enganam. São às dezenas de milhar os jovens congoleses que se mobilizam para as fileiras das forças militarizadas da RDC, mostrando-se em formações de combate e com grande disponibilidade para o que for considerado necessário pelos lideres em Kinshasa, com um volume crescente de mobilizados desde que foi feito o apelo nesse sentido por Félix Tshisekedi.

Esse apelo, recorde-se, foi feito claramente com o sentido de "mobilizar os congoleses contra a agressão" do Ruanda através do M23, estando os primeiros voluntários já a chegar à região para integrar as fileiras das FARDC no leste do Congo.

As razões de fundo para este conflito

O leste do Congo é uma das regiões mais ricas do mundo em recursos naturais estratégicos, desde logo o coltão e o cobalto, dois minerais incontornáveis para as novas industrias tecnológicas e aeronáutica de ponta, sem as quais toda a parafernália tecnológica de comunicações, como os simples smartphones, não existiria tal como a conhecemos, sem o coltão, e a indústria que exige a aplicação de baterias, como a dos automóveis eléctricos, seria algo muito distinto do que é hoje sem acesso ao cobalto, sendo ainda abundantes as denominadas terras raras, com igual uso nas novas tecnologias, o ouro ou os diamantes.

E a piorar o cenário, como combustível para esta fogueira, a RDC possui as maiores reservas do mundo de coltão e cobalto, mais de 80% de um e de outro, quase em exclusivo presentes no leste do país, sendo esta geografia geradora de grandes "apetites" pelas multinacionais do sector, que, segundo ONG"s internacionais de defesa dos Direitos Humanos, usam as guerrilhas para explorar sem controlo estas jazidas, afastar populações ou aterrorizar as forças do Estado que procuram chegar a estas "terras de ninguém" assoladas pela mais hedionda violência.

Mas também os vizinhos, como o Ruanda, desde sempre exploram estas riquezas de forma encapotada, porque, como chegou a ser denunciado publicamente por organizações internacionais, não existem depósitos de coltão no país mas este aparece como um dos grandes exportadores mundiais deste minério estratégico.

A par da questão dos recursos naturais congoleses nos Kivu Norte e Sul, existem ainda questões de natureza territorial com potencial incendiário na região, desde logo por razões étnicas, ou de sobrepopulação, sendo o Ruanda o que apresenta a maior densidade populacional na África continental, sendo apenas ultrapassado pelas Maurícias e Mayotte, pequenas ilhas francesas situadas entre Madagáscar e Moçambique, no Índico.

Este cenário conduz, desde logo, a uma situação em que o Ruanda, um país pequeno, hiperpovoado - mais de 400 pessoas por km2 -, mas um dos mais ricos e desenvolvidos em África do ponto de vista organizacional e económico, se vê fortemente tentado, segundo alguns analistas, a alargar a sua territorialidade para oeste, onde o leste congolês é hoje uma espécie de terra de ninguém, com fraca presença do Estado e dominado por guerrilhas e interesses obscuros ligados às suas riquezas naturais.

É de ter ainda em consideração que o Ruanda foi palco, em 1994, de um trágico episódio, conhecido como o genocídio ruandês, em que mais de 800 mil tutsis, a minoria étnica, foram massacrados com extrema violência, pela maioria Huto.

Este episódio histórico trágico levou a que largas centenas de milhares de ruandeses procurassem segurança na vizinha RDC, onde surgiram, nesse momento, algumas das guerrilhas mais activas, como a Frente Democrática de Libertação do Ruanda (FDLR) que vingou até hoje no leste congolês, sendo, juntamente com a ADF ugandesa, de génese islâmica, actualmente sob domínio do estado islâmico, e o M23, as mais sanguinárias.

Ver links em baixo nesta página para revisitar a cobertura do Novo Jornal à persistente crise no leste da RDC