A mortandade gerada pela guerra entre Ucrânia e Rússia desde 24 de Fevereiro de 2022 continua, mas a linha da frente começa a ser dobrada para o lado russo, com Moscovo a ganhar vantagens tanto nas trincheiras como com a crise entre os aliados de Kiev que estão a perder o fôlego no apoio aos ucranianos, sendo o caso mais flamejante o dos EUA.

Uma das últimas "primeiras páginas" dedicadas pelos media internacionais ao conflito na Ucrânia teve como tema à iminência de Washington deixar de conseguir, como anunciava o Presidente Joe Biden ser seu desejo, enviar um pacote de 24 mil milhões USD para Kiev que estava a ser travado pela oposição republicana maioritária na Câmara dos Representantes.

E o tema "Guerra na Ucrânia" pode voltar com destaque aos ecrãs e páginas de todo o mundo graças ao "fogo" que arde no Médio Oriente, porque se a Ucrânia não agrega as simpatias de democratas e republicanos, em uníssono absoluto, o apoio a Israel sim.

Essa unanimidade em torno de Israel não só é evidente no Congresso dos EUA como isso é visto como uma questão nacional sem divisões entre os norte-americanos devido à vasta influência israelita nos corredores da Casa Branca e do Pentagono.

A questão agora é que a razão pela qual a Casa Branca viu travado o envio dos 24 mil milhões USD para Kiev é a mesma que pode impedir o apoio massivo a Tel Aviv, ou Jerusalém Ocidental, a nova capital de Israel, e que consiste na ausência de líder da Câmara dos Representantes depois do republicano Kevin McCarthy ter sido deposto pelos seus pares, precisamente por causa da Ucrânia, tema sobre o qual teria feito um acordo secreto com a Casa Branca.

Face ao vácuo de poder na Câmara dos Representantes, para que Joe Biden pudesse manter o apoio aos ucranianos, estaria obrigado a usar mecanismos alternativos de aprovação pelo Congresso, o que só seria possível com o apoio da oposição republicana, algo impensável nos tempos de pré-campanha para as Presidenciais de 2024 que já correm.

Eis que surge um factor inesperado que pode mudar por completo o xadrez em que se move a Casa Branca: o "fogo" que arde no Médio Oriente pode iluminar o Congresso dos EUA para encontrar forma de enviar mais um pacote de milhares de milhões USD para Kiev, pelo simples facto de que tanto republicanos como democratas, em questões de segurança, olharem para Israel como se fosse um dos 50 estados dos EUA.

E para contornar os obstáculos para aprovar o envio tanto de dinheiro como de armamento para Israel manter aceso o combate ao Hamas na Faixa de Gaza (ver links em baixo nesta página), os republicanos devem retirar os obstáculos que permitem ao Presidente Biden agir, sendo que os obstáculos são precisamente os mesmos, o que deixaria a Casa Branca de mãos livres para exercer esses poderes alternativos e enviar remessas de apoio para Kiev como para Tel Aviv, sendo uma possibilidade fazer aprovar apoios aos dois países num mesmo pacote.

Se tal vier a suceder, o que os analistas admitem como altamente provável, esse pode ser um balão de oxigénio para o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que não só está a ver a "sua" guerra sair do espaço mediático internacional, onde joga algumas das suas melhores cartadas, através de uma vigorosa máquina de propaganda apoiada pelos aliados ocidentais, como está a ver a linha da frente a ser dobrada em favor dos russos, que começam a avançar em várias posições graças à sua superioridade em aviação, artilharia e número de blindados, além dos "desencravadores" drones de vários tipos e feitios.

Apesar desta oportunidade estar a ser encarada como prioridade pela Casa Branca, segundo The Washington Post, uma decisão final ainda não foi tomada e deverá, se vier a sê-lo, ser tomada apenas nos próximos dias.

Segundo informações oriundas da linha da frente e veiculadas por alguns bloggers/especialistas de guerra russos ou pró-russos mas que têm, ao longo do conflito, mantido uma abordagem relativamente parcial na informação que recolhem e transmitem, como "Rybar" e Millitary Summary", na última semana os avanços das forças do Kremlin são notórios nas frentes de Zaporizhia e de Donetsk, especialmente na área de Avdiivka.

Zelensky está consciente do risco de perda de "popularidade" mediática do "seu" conflito

Com o deflagrar da guerra entre Israel e o Hamas, neste Sábado que passou, 07 de Outubro, o Presidente ucraniano veio a público dizer que a Rússia espera que a situação no Médio Oriente possa "minar a unidade global" contra Moscovo e "destrua a liberdade na Europa".

Aparentemente desconexas, estas declarações evidenciam o receio de Kiev em perder protagonismo e passar para segundo plano na atenção dos lideres mundiais que integram a coligação que apoia o seu esforço de guerra com a Rússia, especialmente os EUA e a União Europeia.

No seu usual vídeo nocturno, onde costuma surgir com um ar cansado, Volodymyr Zelensky sublinhou nesta segunda-feira que o conflito entre Israel e o Hamas "é de fundamental importância tanto para a Ucrânia como para toda a Europa Ocidental", lembrando The Guardian na peça onde transcreve as declarações do chefe do regime ucraniano que se Moscovo é um antigo parceiro próximo de Tel Aviv, a aproximação recente ao Irão, inimigo figadal dos israelitas, pode causar atrito nas relações do Kremlin com o Estado hebreu.

Nesta publicação vídeo, Zelensky vai ainda mais longe e diz estar na posse de informação de que "a Rússia tem todo o interesse em despoletar uma guerra no Médio Oriente para gerar discórdia e contradições no mundo" que a beneficiem.

Destacou ainda que tem estado a verificar o "contentamento dos propagandistas russos" e dos seus "amigos iranianos" no apoio aos que estão a atacar Israel e sublinhou que está a "criar condições para alargar e defender a unidade mundial em torno da liberdade", afirmando que "cada Estado deve agora escolher a forma como vai defender a lei internacional" quando "mais uma região do mundo colapsa à frente dos nossos olhos".

Sobre uma das mais polémicas observações deste "novo" conflito no Médio Oriente, o aparecimento de armas fornecidas pelos EUA à Ucrânia na posse das forças do Hamas, e sabendo-se que Washington tem sublinhado o receio de que estas possam estar a ser traficadas por redes a actuar no seio das forças armadas ucranianas para fora do país, Zelensky optou por acusar a Rússia pela forma como essas armas chegaram ao Hamas.

Estas palavras de Zelensky são uma óbvia tentativa de apanhar o comboio mediático que atravessa agora o Médio Oriente e deixou as estações ucranianas para trás, porque percebe intuitivamente que sem essa dimensão, a sua causa esmorece nas chancelarias de todo o mundo já assoberbadas pela fadiga popular da guerra na Ucrânia e das suas consequências nefastas nas economias ocidentais.