O chefe do Executivo alemão veio a público, pouco mais de 24 horas após o Presidente francês ter dito que estava em cima da mesa enviar tropa para combater os russos na Ucrânia, garantir que nenhum soldado dos países da NATO irá combater no leste europeu, esbatendo igualmente a satisfação manifestada em Kiev pelo Governo de Zelensky pela possibilidade avançada por Macron.

A entrada de países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) na guerra da Ucrânia, admitida por Macron, foi recebida em Moscovo com uma advertência inequívoca: Se solados da NATO entrarem na Ucrânia, isso será o início de uma guerra directa com a Rússia.

O porta-voz de Vladimir Putin, Dmitri Peskov, foi claro ao afirmar que tal cenário levaria a que se deixa-se de discutir uma guerra directa entre a NATO e a Federação Russa como possibilidade para a situação de "confronto inevitável" entre os dois blocos.

Como a Lusa regista, Scholz afirmou em conferência de imprensa nesta terça-feira que o que foi decidido entre os europeus desde o início "continua a ser válido para o futuro", nomeadamente que "não haverá tropas no terreno, nem soldados enviados por Estados europeus ou pela NATO para solo ucraniano".

"É importante garantir sempre isto", acrescentou Scholz na cidade universitária de Friburgo em Brisgóvia, no estado de Baden-Wurttemberg, no sudoeste da Alemanha, afirmando que existe "uma grande unanimidade sobre esta questão" entre os aliados da Ucrânia.

As palavras claras de Scholz, citadas pela Lusa, seguem-se à primeira vez que um líder de uma potência nuclear, a França, admite enviar tropa para combater russos na Ucrânia, justificando que a agressividade russa é contra a Europa.

O Presidente francês disse em Paris que é possível que a França envie forças militares para combater os russos na Ucrânia, sendo a primeira vez que um líder de um potência nuclear põe em cima da mesa a possibilidade de uma guerra entre a Rússia e a NATO.

Para não haver dúvidas de que se trata de uma ameaça séria, Gabriel Attal, o primeiro-ministro de Emmanuel Macron, não perdeu tempo e, já nesta terça-feira, 27, disse exactamente o mesmo, dando uma dimensão de uma gravidade nunca vista à possibilidade de um holocausto nuclear.

Mas nem Macron nem Attal desconhecem que, pouco depois do início da guerra na Ucrânia, tanto em Washington como em Moscovo houve a preocupação imediata de afastar o cenário que agora Emmanuel Macron vem puxar para o campo das possibilidades.

Pouco depois da entrada das unidades russas Ucrânia, a 24 Fevereiro de 2022, o Presidente norte-americano, Joe Biden, disse que em nenhuma circunstância era admissível um confronto directo entre russos e países da NATO porque isso levaria a uma guerra nuclear.

Logo a seguir, em Moscovo, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, veio concordar com Joe Biden, sublinhando que a entrada de tropas dos países da Aliança Atlântica no conflito da Ucrânia seria uma escalada inevitável para a total destruição mútua assegurada.

Para justificar esta que é a mais ruidosa ameaça jamais feita pela NATO à Federação Russa na Europa, o Presidente francês diz que visa garantir que Moscovo não ganha a guerra que não é apenas contra a Ucrânia mas também contra a Europa Ocidental.

Macron, recorde-se, lidera a única potência nuclear da União Europeia, o que lhe confere maiores responsabilidades mas que delas abdica nesta estranha iniciativa, sabendo que a Rússia, face ao poderio da NATO só teria como saída o recurso ao nuclear.

E diz que derrotar a Rússia na Ucrânia é indispensável para a estabilidade da Europa e que Paris fará tudo para garantir que essa estabilidade não é comprometida pela agressividade russa.

Como sublinharam já alguns analistas, o que Macron não parece estar em condições de explicar é como é que ficará a "estabilidade europeia" no day after a um holocausto nuclear.

A famosa fotografia no Kremlin, pouco depois do início da invasão, onde Putin senta Macron na outra ponta de uma extensa mesa, que foi vista como uma humilhação, pode, segundo alguns analistas, estar ainda a pesar nesta postura mas agressiva de Paris contra Moscovo.

As estanhas declarações do Presidente francês, corroboradas a seguir pelo seu primeiro-ministro, deixaram alguns participantes na iniciativa que juntou cerca de 20 aliados ocidentais da Ucrânia em Paris.

O primeiro-ministro holandês e provável futuro secretário-geral da NATO, Mark Rutte, questionado pelos jornalistas, a propósito das perigosas palavras de Macron, procurou aliviar o pânico e disse que o tema do envio de tropas para a Ucrânia não esteve em cima da mesa na reunião de Paris.

Todavia, estas palavras de Macron podem ter outro enquadramento, que é uma espécie de bluff sobre Moscovo para levar Putin a ponderar outras soluções que não a militar para o conflito na Ucrânia, ou anda levar Paris a recuperar alguma iniciativa neste âmbito.

Isto, porque como é já assumido internamente, inclusive por analistas ouvidas pelos media estatais, como a France 24, a França é hoje uma irrelevância diplomática, sem qualquer peso no desenho de quaisquer soluções e fórmulas para o futuro deste conflito no leste europeu.

Alias, este encontro em Paris é visto como uma tentativa de Macron para voltar a ser visto como relevante, quando Paris está totalmente relegado para uma posição secundária face aos EUA, ao Reino Unido e à Alemanha no contexto do conflito ucraniano.

Norte-americanos e britânicos, porque são os pesos pesados da diplomacia e do fornecimento de armas a Kiev e os alemães porque pagam as contas da guerra, coisas que, nem uma nem outra, os franceses não estão em condições de perseguir.

Nesse capítulo da procura de uma importância que Paris já teve no passado, Emmanuel Macron anunciou, segundo as agências, que vai voltar a estar na lista das prioridades o envio para KIev de misseis de longo alcance.

Isto, depois de os alemães terem negado a entrega dos famosos Taurus, projécteis que atingem mais de 350 kms e que Kiev considera essenciais para derrotar os russos, porque só assim os ucranianos conseguem interromper o gigantesco fluxo logístico russo para a frente de guerra.

Só que, como alguns analistas sublinham, este esforço de Paris em reganhar uma preponderância que só teve inicialmente porque Macron estava do lado da defesa de uma saída negociada para a guerra, está a falhada ausência da Cimeira de segurança em Munique, na Alemanha.

O risco é, porém, grande, porque ao tentar anular a importância da Cimeira de Munique com esta reunião de Paris, para onde chamou duas dezenas de lideres europeus, Macron pode estar a irritar alemães e norte-americanos.

E essa tentativa de disputar o palco dos mais robustos aliados de Kiev contra os russos fica bem patente nas palavras de Gabriel Attal, o recentemente nomeado primeiro-ministro da França.

Tal como Macrn, Attal não põe de parte a possibilidade de enviar tropas para combater a invasão russa.

"Não podemos excluir nada numa guerra que, mais uma vez, está a acontecer no coração da Europa e às portas da União Europeia", disse Gabriel Attal, citado pelo canal de televisão francês RTL e pela Lusa.

Attal disse que a França não aceita que "a Rússia possa vencer esta guerra" e que o Presidente russo Vladimir Putin possa "dizer que assumiu o controlo de outro país livre e democrático através da força".

Esta possibilidade já tinha sido criticamente denunciada pelo primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, um defensor de negociações entre Moscovo e Kiev, avançando que alguns países ocidentais estão a considerar acordos bilaterais para enviar tropas para a Ucrânia.

Robert Fico, tal como Viktor Orban, da Hungria, são dois dos poucos lideres europeus que não alinham na solução de envio de mais armas para Kiev preferindo uma solução negociada.

Mas...

No entanto, o analista militar, major-general Agostinho Costa defende que o envio de tropa da NATO para a Ucrânia "é a evolução natural" do quadro de guerra na Ucrânia, lembrando que a NATO tem actualmente, em exercícios longos milhares de militares junto à fronteira com a Bielorrússia.

Lembrando que o apoio da Ucrânia está a ficar concentrado na União Europeia, e que na Europa ocidental se repete com mais intensidade que nunca que a Rússia não pode vencer este conflito, a situação de iminente colapso na frente das forças de Kiev só será evitável com a execução das ideias de Emmanuel Macron.

Agostinho Costa, na CNN Portugal, antecipa mesmo que em breve, as forças dos países da NATO vão ocupar a vasta geografia do oeste ucraniano como garante de que a Rússia não faz as suas forças aproximar-se das fronteiras da NATO na Polónia e na Roménia.

Depois disso, a entrada em confronto directo entre unidades russas e forças da NATO é uma questão de tempo, nota o analista.

Resposta do Kremlin

O Kremlin reagiu como se esperava a estas declarações de Macron sublinhando que uma entrada de tropas dos países da NATO na Ucrânia levaria inevitavelmente a uma guerra entre a Rússia e a NATO em larga escala.

Sabendo disso, países como a Suécia, a Polónia ou a República Checa vieram também já negar categoricamente a possibilidade de envio de unidades militares para a Ucrânia, desfazendo, praticamente esta iniciativa insensata francesa.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, lembrou, porém, que só a discussão em publica da possibilidade de envio de militares de países da NATO para a Ucrânia "introduz um muito importante e novo elemento" neste xadrez.

E quando questionado pelos jornalistas sobre as consequências da entrada de soldados franceses na Ucrânia, Peskov disse que, "nesse caso, não estaríamos já a falar da possibilidade de uma guerra entre a NATO e a Federação Russa, mas da inevitabilidade de um confronto directo".

Com o crescer da lista de países que recusam de forma liminar a possibilidade avançada por Macron, provavelmente este tiro estratégico, mesmo que planeado apenas para o campo mediático, saiu claramente pela culatra...