Na terça-feira, 06, a Ucrânia surpreendeu Moscovo com uma operação militar fulgurante e surpreendente na região fronteiriça de Kursk, avançando e capturando várias localidades ao longo de quase duas dezenas de quilómetros em profundidade.

Nesta sexta-feira, 09, Moscovo vem garantir que as unidades de Kiev que protagonizaram esta "provocação em larga escala", como o Presidente Putin a ela se referiu, estão em retirada com mais de 600 baixas entre os perto de mil soldados das unidades especiais que a conduziram.

Num relatório feito pelo CEMGFA, general Valery Gerasimov, o Presidente Vladimir Putin, segundo a TASS, a agência oficial russa, ficou a saber que as forças ucranianas foram rechaçadas de volta ao território ucraniano.

O que Gerasimov não poderia refutar no documento preparado para o chefe do Kremlin é que as unidades de elite ucranianas, colocadas no terreno segundo um plano do chefe da secreta milutar, Kyrylo Budanov, mostraram as substantivas fragilidades de Moscovo na defesa das suas fronteiras.

O esperado recuo

Como era de esperar, apesar de ainda subsistirem combates dentro de território russo, os militares ucranianos, quatro dias depois de iniciada a operação, foram obrigados a recuar depois da chegada de reforços em grande número, incluindo ataques em vagas sucessivas da aviação russa, que despejou dezenas de bombas de grande calibre sobre as forças de Kiev.

Mas os objectivos iniciais dos estrategas ucranianos, apesar do elevado número de baixas, que se os dados de Moscovo estiverem correctos, superam as 600 vítimas, entre mortos, feridos e capturados, foram conseguidos.

Objectivos esses que eram, oficialmente, segundo o Presidente Zelensky, fazer a Rússia "sentir na pele o que provocou aos ucranianos" e o seu assessor principal, Mikhail Podoliak, disse ser forçar Moscovo a mexer no posicionamento das suas forças na linha da frente e a renovar a garantia de que a invasão russa não decorre impunemente.

Porém, segundo vários analistas, como o Novo Jornal noticiou aqui, esta operação, com laivos de suicida, seria reverter o fade out mediático do conflito ucraniano nos media ocidentais, o que é fundamental para Kiev manter a pressão sobre os seus aliados, especialmente os EUA, para o envio de mais armas e mais dinheiro para manter o esforço de guerra.

O 4º objectivo

Provavelmente, os três objectivos foram parcialmente conseguidos, porque o pânico gerado em Moscovo demonstra que o Kremlin sentiu o efeito de uma invasão, a Rússia foi forçada a movimentar as suas unidades e mediaticamente a guerra na Ucrânia voltou às páginas nobres dos grandes jornais ocidentais.

Há um 4º objectivo que, apesar de já ter sido enunciado, está por demonstrar, que é a tentativa de Kiev aproveitar a chegada dos F-16 aos céus da Ucrânia para ganhar um novo ímpeto, tanto entre as suas forças como na reconquista do empenho público dos líderes ocidentais na defesa da causa ucraniana que, claramente, está a desvanecer-se à medida que o tempo passa...

Entretanto, com a incursão em Kursk a dissolver-se, Kiev desviou o foco e o método para a região vizinha de Lipetsk, sobre a qual lançou, na noite de quinta-feira, 08, para hoje, sexta, 09, um ataque com recurso a grande número de drones kamikaze.

Segundo as autoridades russas, este ataque, igualmente surpreendente, acabou por provocar explosões e incêndios de grande dimensão em pelo menos duas grandes unidades de distribuição de electricidade e num aeródromo local, tendo, ao todo, provocado nove feridos civis, segundo o governador local, Igor Artamonov, citado pela TASS.

Nervos à flor da pele

Face a este ataque ucraniano, as autoridades locais ordenaram a evacuação dos habitantes de cinco localidades mais expostas, tendo ainda sido declarado o estado de emergência nesta região vizinha de Kursk, interrompendo transportes públicos e os estabelecimentos comerciais foram encerrados.

A cidade de Lipetsk, que dá nome à região, no sudoeste russo, fica a cerca de 440 kms de Kursk e a igual distância de Moscovo, tendo as autoridades locais contabilizado cerca de 20 civis mortos e mais de 60 feridos, não havendo, no entanto, dados oficiais sobre o número de baixas militares do lado russo.

Entretanto, depois de Kiev ter vindo publicamente afirmar que o "hub" do crude e gás russos que seguem para a Europa Ocidental a partir da cidade de Sudzha, na região de Kursk, que foi momentaneamente tomada pelos ucranianos, não foi afectado, a Eslovaquia veio informar que o fluxo de gás diminuiu de forma significativa depois da incursão ucraniana.

Além deste efeito colateral, não pretendido, aparentemente, por Kiev, os ucranianos começam agora a receber um inesperado refluxo desta inesperada iniciativa militar, com os seus aliados ocidentais a questionarem a mais valia conseguida ou pretendida.

Isto, porque os ucranianos empregaram mais de mil soldados da sua já escassa disponibilidade em forças especiais, sendo algumas fontes referem que foi usada uma brigada inteira, perto de três mil militares, com dezenas de blindados de transporte de infantaria, que foram quase todos destruídos ou abandonados, especialmente os anglo-americanos Stryker e os alemães Marder.

Apesar de os media norte-americanos, como The Washington Post, terem, no imediato, voltado a rejubilar com esta façanha ucraniana, fazendo títulos como "Ukraine, powered by Western arms, stuns Russia in cross-border assault", que em português é algo como "Ucrânia, fortalecida com armas ocidentais, choca russos em assalto na fronteira", a verdade é que nas chancelarias ocidentais ninguém parece ter gostado da iniciativa apesar de serem obrigados a apoiá-la.

O cepticismo ocidental

Isto, porque, como nota o britânico The Guardian, agora que passaram vários dias deste a "surpresa" com que também rejubilou, os analistas revelam um graúdo cepticismo sobre os resultados obtidos, visto que na linha da frente, a oeste da Ucrânia, onde a guerra efectiva decorre, as brechas na capacidade humana das forças ucranianas é por demais evidente.

E quando a Rússia está a avançar com consistência e persistência, que, como recorda o analista Tiago André Lopes, nos media portugueses, já tomou, em 2024, o dobro do território que a Ucrânia recuperou em 2023, nnguém parece perceber a lógica que em Kiev levou a empregar a quantidade de meios humanos e em equipamento, insubstituíveis, numa operação condenada ao fracasso no contexto da guerra, embora com o "plus" mediático momentâneo.

Por saber, porque nem nos media russos isso foi ou está a ser veiculado, está o resultado da reunião convocada de emergência por Vladimir Putin do Conselho de Segurança da Federação Russa, na quarta-feira.

No entanto, de acordo com o canal Millitary Summary Channel, um dos mais factuais veículos de informação sobre o evoluir do conflito no terreno, apesar de tendencialmente pró-russo, essa reunião do Conselho de Segurança pode vir a conter decisões impactantes no âmbito desta guerra.

Nomeadamente no que diz respeito a algumas "fronteiras" que o Kremlin ainda não trespassou, como colocar os dirigentes de topo ucranianos na mira das unidades especiais russas ou ainda uma eventual declaração formal de guerra a Kiev...