E tudo, porque, contra todas as expectativas, uma brigada com pouco mais de 1.500 soldados, nessa noite de 06 de Agosto, avançou sem oposição ao longo de 10 kms em profundidade do território russo, na região de Kursk, no sudoeste russo, numa muito bem planeada operação militar que tirou, e ainda está a atrapalhar, o sono no Kremlin.
Ninguém parecia saber muito bem o que se estava a passar, embora alguns canais nas redes sociais pró-russos se tivessem apressado a dizer que era mais uma armadilha montada por Moscovo para destruir pelo atrito mais material e unidades militares ucranianas.
Aparentemente, era, por não existir quaisquer objectivos militares ao alcance das forças ucranianas que entraram no território de Kursk, apenas um operação mediática, de forma a trazer de novo o foco dos media ocidentais para os interesses de Kiev quando o mundo estava a olhar apenas para o Médio Oriente e para a iminente guerra israelo-iraniana.
No terreno, no dia seguinte, e nas horas subsequentes, as forças ucranianas passaram rapidamente para três brigadas, ou perto de 10 mil militares, os mais bem treinados e equipados com material da NATO, avançando ainda mais no interior daquela região da Federação.
E foi então que os media ocidentais passaram a dividir as suas páginas nobres entre o Médio Oriente e a Ucrânia, retomando as narrativas efabuladas dos feitos militares de Kiev, voltando a ouvir-se e a ler-se que a Rússia teria de retirar forças da frente do Donbass para proteger Kursk, que as unidades ligeiras ucranianas estavam a conquistar dezenas de povoações todos os dias...
Afinal havia um objectivo estratégico nesta ousada operação e não apenas umas veleidades tácticas com efeito momentâneo mediático mas sem densidade, que era fragilizar os russos no leste ucraniano para travar os seus avanços em Donetsk e Lugansk, o que rapidamente se percebeu que não estava a suceder... apesar de os media ocidentais insistirem que sim.
Nem as forças russas reduziram o ímpeto no Donbass nem em Moscovo o Presidente Putin mostrava temer qualquer efeito dramático nos avanços do "inimigo" em Kursk, pelo contrário, a partir do Kremlin, o líder russo avisava Kiev de que se até aí poderia aceitar negociar, agora era tarde, porque "a Rússia não negoceia com quem ataca civis e estruturas civis" sem qualquer justificação.
Depois, afinal existia um objectivo militar importante na operação ucraniana: tomar militarmente a central nuclear de Kursk, a cerca de 50 kms da fronteira com a Ucrânia, porque era nessa direcção que as forças de Kiev seguiam... Aparentemente com pouca resistência.
Até ao final de sexta-feira, 09, três dias após o início da incursão, a Ucrânia já tinha tomado perto de 20 aldeias e tinha chegado aos subúrbios de Sudhza, a pequena cidade de 7 mil habitantes que é um importante "hub" do crude e gás russos que seguem para a Europa Ocidental via Ucrânia. Pouco ou nada mudou entretanto...
No fim-de-semana, mesmo os bloggers de guerra pró-russos foram noticiando fulgurantes avanços ucranianos enquanto em Moscovo o Ministério das Defesa começa a reagir, anunciando que as tropas de Kiev estavam a ser rechaçadas e já havia mais de 1.200 mortos.
Além de dezenas de veículos militares ocidentais destruídos, nomeadamente strykers dos EUA e mader"s alemães, ambos de transporte rápido de infantaria, o que também mostra a natureza relâmpago desta operação.
Em Kiev falava-se em milhares de vítimas, mas do lado russo e eram difundidas imagens humilhantes de dezenas de soldados russos feitos prisioneiros...
E também em Kiev era quebrado o silêncio, com o Presidente Zelensky a vir a público dizer que era preciso "fazer os russos sentirem na pele o que estão a fazer aos ucranianos" há dois anos e meio, ao mesmo tempo que ia aumentando a extensão do território ocupado e passa a mais de 70 aldeias e vilas ocupadas.
Nos mapas de guerra mostrados pelos bloggers pró-ucranianos e pró-russos, curiosamente, não havia discrepâncias, como ainda hoje não há, sobre os avanços ucranianos, que se vão entranhando mais densamente em terras russas, mas com mais atrito letal nas direcções mais melindrosas, como da central nuclear e, como se soube entretanto, de um conjunto de silos nucleares com ogivas activas desde o tempo da União Soviética.
Há uma abordagem que passou a ser inevitável quando já passavam mais de 10 dias deste o início da operação "Kursk": s ucranianos querem tomar territórios russos para trocar mais tarde, na mesa das negociações, por territórios na posse dos russos no leste.
Só que, esta tese, que foi alimentada por Kiev através de fontes anónimas nos media ocidentais, tem uma falha estrutural, como veio lembrar Caroline Galacteros, ex-militar e especialista em geoestratégia: Porquê?
Ou seja, porque é que Vladimir Putin aceitaria negociar nestas condições quando é evidente, enunciava esta antiga coronel do Exército francês, que os meios ocidentais denominam como sendo pró-russa, como fazem com todos aqueles que se desligam do guião oficial de Kiev e de Washington, que não apenas mantém o ímpeto vitorioso no Donbass, como é evidente que a Ucrânia não tem nem meios nem pessoal para aguentar posições numa linha tão estendida em Kursk com apenas três brigadas.
Enquanto do lado ocidental, no que é verificável no terreno, como sublinhou esta quarta-feira, 14, o CEMGFA ucraniano, general Syrsky, os homens de Kiev somam território ocupado, tendo mesmo avançado em menos de 24 horas mais de 4 kms, do lado russo, a tendência é para enfatizar que as forças ucranianas estão a avançar sobre uma geografia sem valor militar algum, na qual a aviação, a artilharia e as unidades de drones russas aproveitam para destruir material e concentrações de pessoal militar.
Com sérias dificuldades de aguentar a narrativa vitoriosa de Kiev nesta operação, porque nos media norte-americanos começaram a surgir notícias em que se destacam fontes oficiais de Washington a questionar o valor estratégico deste movimento, como que alijando responsabilidades, começa agora a surgir outra justificação, provavelmente a mais certa.
Com esta entrada retumbante em território russo, afinal o núcleo duro de Zelensky não pretende nem ter moedas de troca em futuras negociações, nem retirar forças russas do Donbass, nem capturar a central nuclear de Kursk, ou mesmo levar o pânico para a sociedade russa e para o Kremlin...
O que pretendem os estrategas ucranianos de serviço é, afinal, criar uma armadilha para obrigar os norte-americanos, claramente a sair de cena, a voltarem a abrir os cordões à bolsa e a voltar a abrir as portas dos seus arsenais e paióis para fornecer armamento a Kiev, que está a demonstrar uma extraordinária capacidade combativa mas a quem faltam armas e munições...
Enquanto em Bruxelas, o chefe da diplomacia europeia, Joseph Borrell, se apressou a vir manifestar total apoio a Kiev nesta invasão histórica da Rússia, coisa que não sucedia deste que os alemães de Hitler o fizeram na II Guerra Mundial - já antes tinha sucedido em Belgorod, mas eram, segundo Kiev, unidades de dissidentes russos a combater pela Ucrânia - , nos Estados Unidos, o Presidente Joe Biden veio dizer que Kiev tinha criado "um dilema para Putin".
Sem explicar que dilema era esse, até porque Putin já tinha avisado que esta situação tirou de cima da sua mesa de trabalho qualquer possibilidade de negociar com Kiev por muito tempo, Biden admitiu que "tudo o que admite dizer é que está com a sua equipa a acompanhar a situação de perto".
Já um dos seus principais conselheiros para a segurança, e porta voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, disse, mostrando que Biden não disse mais porque mais não sabia, que Washington está em contacto com Kiev para "ter um melhor entendimento do que está a suceder, quais são os objectivos e qual a estratégia da Ucrânia".
Ou seja, as fontes dos media norte-americanos que começaram a questionar a valia desta operação, condenada a não ser sustentável por muito mais tempo, coincide com o que John Kirby disse de forma directa: os EUA não sabem o que pretende Kiev nem percebem que mais valia dali pode vir para os seus interesses relevantes.
No que é, mais de uma semana após o avanço das forças ucranianas em Kursk, evidente, é que Zelensky foi bem sucedido tacticamente, pela forma como isto lhe permitiu disputar a atenção mediática com Israel, mas, estrategicamente, pode ser uma derrota pesada se não conseguir aguentar as posições por mais algumas semanas, pelo menos.
Uma das acusações que estão a ser feitas a Zelensky é que estas forças que entraram em Kursk, das mais bem treinadas e melhor equipadas, podem não vir a ganhar nada de estrutural e estão a fazer falta na frente do Donbass para travar os avanços diários e relevantes dos russos...