Vladimir Putin, na condição de anfitrião da 16ª Cimeira dos BRICS, na cidade russa de Kazan, e ladeado por dezenas de líderes proeminentes do Sul Global, como o chinês Xi Jinping, o indiano Narendra Modi, ou o turco Recep Erdogan, aproveitou para contrariar as notícias de que se recusa a falar com os líderes europeus.

Insistindo que Moscovo permanece desde sempre aberto a negociações, o chefe do Kremlin, citado pelos media russos, insistiu na ideia de que é um erro dizer-se que está a evitar falar com os seus homólogos da União Europeia.

Porém, esta afirmação encaixa na perfeição num velho truque comunicacional que consiste em referir um ponto inexistente, como é o caso de o ocidente o acusar de não querer dialogar, mostrando, sem ser ostensivamente, que o Kremlin quer falar com Washington para encontrar uma saída para a guerra na Ucrânia.

O que, na verdade, é factual, porque Vladimir Putin, embora sem se afastar um milímetro das suas condições para acabar com as hostilidades, tem repetido com insistência a sua disponibilidade para falar com os lideres ocidentais.

E é, pelo contrário, a posição igualmente intransigente de Kiev e dos seus aliados, de só aceitar negociar depois de Moscovo retirar as suas tropas das fronteiras ucranianas reconhecidas desde 1991, ano da sua independência da então URSS, que tem mantido o impasse...

Há, porém, nestes últimos dois meses, uma alteração substantiva em parte do ocidente, que foi a publica admissão do chanceler alemão Olaf Scholz de que defende o regresso do diálogo com o Kremlin, a que se junta o Presidente Checo Petr Pavel, ou ainda os lideres da Hungria, Viktor Urban, e da Eslováquia, Robert Fico.

Numa conferência de imprensa à margem da Cimeira dos BRICS, Putin procurou claramente o vento favorável da esmagadora abrangência global deste momento na Rússia para relançar um desafio a norte-americanos e a europeus que é negociar a paz na Ucrânia.

"Nunca evitamos contactos e quando ouvimos dizer que eu evito falar com alguns dos lideres europeus, deixem-me dizer que isso é totalmente mentira", apontou, acrescentado: "Nunca rejeitamos e não rejeitaremos nada".

"Se alguém quiser renovar as relações bilaterais connosco, são bem-vindos. Reiteramos isso mesmo, mas não nos vamos impor a ninguém", avisou, naquilo que é, todavia, um empurrão derradeiro para aqueles que estão a analisar essa possibilidade para não temerem dar esse passo.

Recorde-se que os países ocidentais deixaram de dialogar com a Rússia, com raras excepções, em Fevereiro de 2022, quando as forças russas atravessaram a fronteira da Ucrânia para ajudar as regiões russófilas do Donbass que estavam em conflito aberto com as forças leais a Kiev depois de em 2014 um golpe de Estado apoiado pelo Ocidente ter destronado o Presidente Ianukovich, pró-russo e eleito democraticamente.

Nesse mesmo ano, a Rússia ocupou a Crimeia, acabando por anexar esta península após um referendo, e em 2022, fez o mesmo com Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia, num processo que a comunidade internacional, incluindo as Nações Unidas, nunca reconheceu como válido.

Às sanções económicas que se seguiram à invasão russa de 2022, o ocidente juntou o isolamento diplomático, sendo que nem uma nem o outro surtiram efeito, porque a Rússia vingou economicamente - tem mesmo números de crescimento invejáveis face aos apresentados por europeus e norte-americanos, e, como o demonstra esta Cimeira dos BRICS, o isolamento global nunca foi conseguido.

Há, no entanto, dentro de cerca de 10 dias, um acontecimento que pode alterar todo o cenário, que são as eleições presidenciais nos Estados Unidos, a 05 de Novembro, onde, se, como algumas sondagens apontam, ganhar o candidato republicano e antigo Presidente, Donald Trump, Moscovo vai voltar de imediato para o palco da diplomacia ocidental, porque o antigo inquilino da Casa Branca já disse que vai retomar as negociações com o seu "amigo" Putin.

O ponto fulcral para esta evolução no palco da diplomacia global é o conflito na Ucrânia, que já ninguém dúvida estar na génese da progressiva e corrosiva crise económica na Europa ocidental, onde países como a Alemanha estão atolados no pântano da recessão devido ao fim do acesso à energia barata que vinha da Rússia, como o abundante gás natural e o disponível petróleo adequado, pela sua natureza, às características das refinarias europeias.

E Putin também se referi a essa questão, no contexto da Cimeira dos BRICS, onde ouviu os seus aliados a exigirem claramente o fim da guerra através de negociações, desde a China e do Brasil, que têm um plano em curso para o efeito, à Índia e a todos os restantes países, com raras excepções.

"Toda a gente quer que o conflito termine", admitiu Putin, frisando que todos os países dos BRICS querem que esse fim "chegue o mais rápido possível e, de preferência, por meios pacíficos".

O Presidente russo admitiu ainda que muitos dos países dos BRICS apoiam a iniciativa sino-brasileira de paz para o conflito na Ucrânia, ao que a Rússia agradece o esforço para abrir caminhos de paz para a guerra.

Mas aproveitou igualmente para lembrar que "num comportamento irracional dos líderes ucranianos", estes recusaram por diversas ocasiões encetar quaisquer negociações, adiantando manter essa abertura.

Sobre a pressão interna dos BRICS para uma saída negociada para a guerra, em Kiev viu-se nisso uma oportunidade para sublinhar que os aliados de Putin se viraram contra ele, e, na verdade, isso mesmo emerge da declaração final da Cimeira, onde se afirma que o conflito deve acabar e a Lei Internacional e a Carta da ONU devem ser respeitadas.

Ora, o que acontece é que a Rússia também concorda, mas diverge da interpretação que divide o mundo sobre este tema, porque, para Moscovo, as cinco regiões ucranianas ocupadas são já território da Federação Russa e não são geografia em disputa, sendo mesmo os ucranianos que estão a ocupar parte delas, como é o caso de Donetsk, Kherson e Zaporizhia, de onde o Kremlin quer que saiam todos os militares ucranianos para direccionar os esforços das trincheiras no terreno para a batalha diplomática da mesa das negociações.

E do outro lado das trincheiras, Kiev exige que as forças do Kremlin abandonem todos os territórios ocupados para poderem começar quaisquer negociações.

O Presidente Volodymyr Zelensky mantém que tal cenário, segundo o seu "Plano de Vitória", só vai ser possível de construir se a Ucrânia aderir de imediato à NATO, que os países ocidentais entrem na guerra com mais armas e unidades militares no terreno, e que os ucranianos possam alvejar em profundidade objectivos militares na Rússia.

Tal cenário seria o "enter" mais temido para o início da III Guerra Mundial, o que levaria a Humanidade para um Armagedão nuclear, como em Washington e Moscovo se reconhece desde sempre.

Se vai ser possível encontrar um meio termo que satisfaça o orgulho de russos e ucranianos de forma a acabar com uma guerra que já está fora de prazo há muto tempo?

Só os próximos capítulos o dirão, mas, embora com condições irreconciliáveis, ambos os lados reconhecem que é preciso uma saída pacífica...