Até que, na semana passada, depois de declarações ambíguas feitas ao longo dos últimos meses, em Tashekent, capital do Uzebequistão, o Presidente russo, Vladimir Putin, não podia ser mais claro, avisando que Moscovo iria responder de forma simétrica à escalada ocidental.
A escalada ocidental a que Putin se referia era o uso de armas de longo alcance ocidentais fornecidas à Ucrânia, como os norte-americanos ATACMS, misseis balísticos com alcance de até 500 kms, para atacar alvos no interior da Federação Russa.
E não apenas material militar ocidental para atacar as regiões russas fora do contexto da guerra, como é o caso de Belgorod e Kusrk, no norte, contíguas a Kahrkiv, onde decorre actualmente uma ofensiva russa.
Porque isso já está a suceder há longos meses, como ficou bem evidente aquando das tentativas de ocupação de áreas russas em Belgorod, nas quais os ucranianos usaram veículos blindados e "jipes" para atravessar a fronteira.
O que é substantivamente diferente para Vladimir Putin, e que está a fazer soar todas as campainhas de alarme no Kremlin, é que os sistemas ATACMS só estão e podem ser usados por unidades especializadas ocidentais a actuar na Ucrânia.
E isso quer dizer, objectivamente, que, pela primeira vez na História, armas ocidentais operadas por militares ocidentais, no aso norte-americanos, estão prestes a ser usadas para atacar directamente a Rússia, coisa que nunca sucedeu até mesmo durante a Guerra Fria.
Nem americanos contra a então União Soviética, nem vice-versa, o que faz deste momento único e sem paralelo, o que coloca à frente dos olhos do mundo uma situação para a qual não há comparação e que, seja qual for a resposta russa, também ela fará história.
Em Washington, o Presidente norte-americano, Joe Biden, já disse que os EUA não querem nem procuram a III Guerra Mundial, e à primeira versão da autorização dos misseis ATACMS para alvejar a Rússia em profundidade, a Casa Branca veio, pouco depois, dizer que estes só podem ser usados para atacar posições russas no contexto da ofensiva em Kharkiv.
Ou seja, os ATACMS norte-americanos, e, provavelmente, os storm shadow britânicos e os scalp G franceses, só serão usados nesta frente, especifica, de forma limitada, e não além da restrita área de Kharkiv e Belgorod.
Será isso suficiente para aplacar a fúria do Kremlin?
Só o passar dos dias o dirá. Mas já há indícios de que, provavelmente, não. Desde logo porque uma das respostas, o que é comum, tanto do lado ocidental como russo, através dos seus media, especialmente nas redes sociais, começou a ser veiculada a possibilidade de Moscovo mandar abater os drones de vigilância americanos que operam no espaço aéreo internacional sobre o Mar Negro.
Isso seria, como referiu já nesta terça-feira, 04, o analista militar da CNN Portugal major-general Agostinho Costa, uma resposta com conta, peso e medida, porque se trata de aparelhos que estão ao serviço da Ucrânia e fornecendo dados fundamentais para preparar os ataques das suas forças contra as unidades russas.
Mas, para já, essa possibilidade, assim como outras, são apenas rumores, embora assentes em palavras do Presidente Putin, que há semanas advertiu que quaisquer interesses britânicos no mundo poderiam ser alvejados se os storm shadow fossem usados na profundidade do território da Federação Russa.
Entretanto, o Kremlin parece incrédulo com a forma como norte-americanos e os seus aliados ocidentais não estão a levar a sério as suas linhas vermelhas, queimando-as todas sempre que são traçadas no mapa deste conflito na Ucrânia.
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Ryabkov, um creditado e sénior diplomata russo, citado pela RT, veio agora dizer que a forma como americanos e europeus estão a ignorar as advertências de Moscovo e "um erro de cálculo fatal".
Dirigindo-se directamente aos norte-americanos, Kyabkov disse que Washington e os "seus clientes" na Ucrânia poderão ser surpreendidos por uma "resposta assimétrica" por parte da Rússia visto que não dão qualquer sinal de compreender os avisos.
"Eu gostaria de deixar claro aos actores norte-americanos que os seus erros de cálculo podem conduzir a consequências fatais. Por uma razão que não se percebe, eles estão a subestimar a seriedade da nossa resposta", disse o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros.
Apesar de norte-americanos, com restrições geográficas, britânicos e franceses, sem propriamente terem colocado limites, embora estes possam estar subentendidos e definidos em privado, terem já autorizado publicamente o uso dos seus misseis, estes ainda não foram usados em solo russo, aqui visto como as fronteiras prévias a 24 de Fevereiro de 2022.
Recorde-se que logo após a invasão russa, tanto o norte-americano Joe Biden como o russo Vladimir Putin vieram a público dizer que estavam cientes de que se um dia fossem trocados disparos directos entre a Federação Russa e a NATO/EUA, nada poderia impedir o descalabro nuclear e o fim da Humanidade.
E até agora, como sublinha a RT, o site do canal de TV estatal russo que emite para o exterior em diversas línguas, a política norte-americana tem sido evitar que esse cenário ocorra de forma a prevenir o advento de um Armagedão nuclear.
Face a este cenário, cujo perigo não sem paralelo, nem sequer nas décadas da Guerra Fria, Sergei Ryabkov apelou para que em Washington os responsáveis "gastem algum do seu tempo, que devem estar a usar em jogos de computador, dado à pueril abordagem a assuntos tão sérios, em estudar as palavras do Presidente Putin".
E advertiu que a Rússia poderá responder de forma assimétrica a quaisquer ataques ao seus sistema de prevenção de ataques nucleares com misseis de longo alcance ocidentais, numa referência clara aos recentes ataques com drones ucranianos aos radares de aviso rápido para eventuais ataques com misseis balísticos intercontinentais com ou sem ogivas nucleares.
Para já, as coisas não estão a ir no caminho mais seguro, porque as mais recentes informações, segundo o britânico The Guardian, os ucranianos, com recurso a HIMARS, que são lançadores móveis de roquetes norte-americanos, destruíram uma bateria de defesa antiaérea russa S-300 em Belgorod.
Esta escalada retórica, para já, pode estar directamente relacionada com, em primeiro plano, as eleições nos EUA de 05 de Novembro, onde Biden procura o segundo mandato, contra o ex-Presidente Donald Trump, que segue na frente das sondagens.
E em segundo plano, com a Cimeira da Paz organizada pela Ucrânia e o Governo suíço, em Lucerna, Suíça, de 15 e 16 deste mês, para a qual a Rússia não foi convidada e países como a China, Arábia Saudita, Índia, Indonésia ou Angola, por exemplo, ou não vão ou far-se-ão representar por delegações de segundas e terceiras linhas.
Os próprios EUA estarão com segundas linhas porque o Presidente Biden já disse que mandaria a sua vice-Presidente, Kamala Harris, que é uma das mais pagadas figuras da sua Administração, preferindo, nessas datas, estar numa acção de recolha de fundos para a sua campanha.
Zelensky recebeu mesmo uma das mais duras provas de vida difícil nesta sua demanda por apoio internacional quando, já esta terça-feira, 04, se soube que o Senado suíço votou contra uma proposta do Executivo de fornecer um pacote de ajuda financeira a KIev de 5 mil milhões USD.
No entanto, esta pressão no contexto do conflito é uma forma de ajudar Kiev a conter o desastre que se adivinha nesta iniciativa, onde o Presidente Volodymyr Zelensky já disse que estarão 100 países, sendo desmentido quase em simultâneo pelo Governo suíço, que apenas confirma 70 participações e apenas metade, quase todos europeus, de alto nível.