O Pentagono, primeiro, e depois a NATO, organização militar ocidental liderada pelos EUA, confirmaram a presença dos soldados de Kim Jong-un na Federação Russa, mas não sabem se estão ali para entrar directamente no conflito, se vão apoiar a logística de retaguarda ou nem uma coisa nem outra.
Mark Rutte, o novo secretário-geral da NATO, depois de obter a autorização de Washington, veio confirmar que se os soldados de Pyongyang entrarem na guerra, isso será uma "perigosa escalada" no conflito na Ucrânia, que já vai para o seu terceiro ano.
A porta-voz do Pentagono, Sabrina Singh, é mais cautelosa, afirmando aos jornalistas que alguns dos soldados norte-coreanos foram colocados perto da fronteira com a Ucrânia, mas a preocupação é se essas unidades "vão ser usadas em combate ou em operações de apoio ao combate", mostrando que não sabe exactamente o que se passa.
A fogueira de Kursk
O que os media ocidentais dizem, quase em uníssono, é que este contingente da Coreia do Norte deverá "apenas" ser usado na frente de combate na região de Kursk, território russo invadido por forças ucranianas em Agosto, evitando assim a acusação de internacionalização da guerra.
Isto, porque as forças russas procuram Agosto expulsar os ocupantes ucranianos, com pouco sucesso, para já, embora com elevado número de baixas de um e do outro lado, podendo os coreanos acrescentar capacidade de combate de proximidade nas trincheiras ou, como dizem alguns media norte-americanos e europeus, "fornecer a carne para canhão que falta aos russos ou a que não querem expor os seus próprios cidadãos".
Todavia, o Pentagono não tem ainda informação segura de que os soldados de Kim Jong-un estejam envolvidos no conflito de uma ou de outra forma, porque nem Pyongyang nem Moscovo confirmam essa possibilidade.
O que em Moscovo admitiu o Presidente russo Vladimir Putin foi que a Rússia e a Coreia do Norte têm uma parceria na área da defesa abrangente e que o que dela fazem os dois países apenas a ambos diz respeito.
Apesar desta polémica que inundou quase totalmente o pouco espaço mediático que os media ocidentais já dão à guerra na Ucrânia, tapando com este assunto o contínuo avanço russo no Donbass, com as unidades de Kiev em constante retirada, os EUA e a NATO consideram que se trata de uma perigosa escalada no conflito.
Conflito que, como é sabido, já conta com milhares de mercenários ocidentais ou oriundos de países asiáticos e latino-americanos a combater ao lado das forças regulares ucranianas, tendo mesmo o Presidente Zelensky assinado um decreto a autorizar que estrangeiros comandem unidades ucranianas.
O mesmo ocorre do lado russo, que tem mercenários oriundos de diversas partes do mundo a combater lado a lado com as suas forças regulares, sendo que existe uma substantiva diferença entre mercenários e forças enviadas por um país estrangeiros, como será o caso da Coreia do Norte se se confirmar que estes 10 a 12 mil homens entram efectivamente no conflito e não estão na Rússia para exercícios conjuntos ao abrigo do acordo bilateral.
Para já, o porta-voz do conselho de segurança norte-americano, almirante John Kirby, avisou que os soldados norte-coreanos "são alvos militares legítimos se se juntarem aos russos na linha de combate" directamente ou em operações de apoio logístico.
Outra linha editorial unânime nos media ocidentais é que a chegada de tropa norte-coreana ao conflito na Ucrânia significa que "a Rússia está desesperada" porque, afiançam Pentagono e NATO, "já não consegue de per si alimentar o esforço de guerra" e está com "mais problemas do que se pensava".
Mais folgado no verbo, o novo secretário-geral da NATO, o holandês Mark Rutte, disse que a cooperação entre russos e norte-coreanos "é uma ameaça para a segurança tanto para a região do Índo-Pacífico, como para a região Euro-Atlântica".
O cenário que está a ser erguido enquanto possibilidade mais forte, seja por media ocidentais e por analistas mais próximos dos russos, é que as forças da Coreia do Norte, que atingem o tamanho aproximado de uma Divisão, cerca de 10 mil a 12 mil soldados, vão ser colocados em missões de retaguarda a apoiar a logística russa.
Alguns analistas, como o major-general Agostinho Costa, citado pelos media portugueses, apontam para que estes militares norte-coreanos façam parte de uma estratégia de Pyongyang para dar treino em cenário real a um Exército que não conhece o campo de batalha efectivo desde 1953, quando terminou a denominada Guerra da Coreia, dando lugar à divisão da Península Coreana tal como a conhecemos hoje, mantendo o conflito congelado porque não houve um acordo de paz assinado.
Isto, num momento histórico em que muitos desses analistas admitem que começa a ser inevitável o reatar da guerra entre as duas Coreias, que, para todos os efeitos, nunca acabou, efectivamente, como o demonstra o crescendo de hostilidades mútuas.
Mesmo a tempo...!
O tema das forças da Coreia do Norte foi lançado há pouco mais de uma semana pela Coreia do Sul, que divulgou um vídeo onde mostram soldados norte-coreanos a trocarem as suas fardas por faras russas, mas sem que isso prove claramente que se trata de um contingente a caminho da guerra ou parte de exercícios militares conjuntos.
Após a divulgação desse vídeo, o Presidente ucraniano cavalgou o tema, insistindo na internacionalização do conflito iniciada por Moscovo como mais um argumento para puxar a NATO para a guerra de forma directa, porque indirectamente são os países que constituem a Aliança Atlântica que alimentam o esforço de guerra de Kiev.
Alias, Moscovo acusa repetidamente a NATO e os EUA de manterem instrutores militares na Ucrânia em apoio a Kiev, de enviar militares das suas forças regulares mascarados de mercenários para a linha da frente e de colocar a sua rede de satélites e aviões espiões permanentemente no ar ao serviço do esforço de guerra ucraniano.
Kiev acusa os russos de, além de norte-coreanos, agora, terem a combater ao seu lado mercenários idos de países como a Síria e a Líbia, ou de países como a Índia, Bangladesh ou Paquistão, na condição de mercenários.
Mas, a pedra de toque do tema da tropa norte-coreana é que esta está igualmente a servir para fazer esfumar o insucesso de Zelensky com o seu "Plano de Vitória" que foi totalmente rechaçado por Washington, e que, em síntese, propunha como fórmula para derrotar a Rússia a entrada imediata da Ucrânia na NATO, o envio de forças ocidentais para as trincheiras e a disponibilização de quantidades de armamento para Kiev que todos os especialistas militares dizem que não existe sequer nos arsenais ocidentais.
Esconder o problema com a oportunidade
Além disso, com o tema da Coreia do Norte, o regime de Kiev afasta as suas fragilidades no terreno das capas dos jornais ocidentais aliados, que cada vez as expõem mais e começam claramente a admitir a derrota militar de Kiev, como é o caso do Financial Times, da Bloomberg ou, entre outros, The New York Times ou o Politico.
E foi ainda tema que permitiu aliviar a pressão da Cimeira dos BRICS em Kazan, na Rússia, onde Putin reuniu cerca de 30 líderes mundiais, incluindo alguns dos gigantes globais, como China, Índia, Brasil, ou perto de 30 candidatos a entrar na organização que ameaça a hegemonia ocidental assente na Ordem Mundial Baseada nas Regras criadas pelos EUA após a II Guerra Mundial. (Ver links em baixo)
Existe ainda como tese avançada por alguns especialistas militares a possibilidade de, ao abrigo do acordo na área da Defesa entre Pyongyang e Moscovo, o Kremlin esteja a tentar fazer o que até agora não conseguiu, que é não apenas expulsar os ucranianos de Kursk, como fazer colapsar o que resta da capacidade de resistência de Kiev no leste, especialmente em Donetsk, Kherson e Zaporizhia.
E com isso obrigar o Presidente Zelensky e o seu círculo de poder a aceitar negociar de acordo com os termos de Moscovo, que são, em síntese, a capitulação total de Kiev, aceitando que as cinco regiões anexadas - Crimeira (2014), Lugansk, Donets, Kherson e Zaporizhia (em 2022) - são parte inteira da Federação Russa, que a Ucrânia não entra na NATO e garante a neutralidade para o futuro e retoma o uso do russo como língua permitida na Ucrânia, bem como os elementos da cultura russófila no país, que foram totalmente banidos nos últimos três anos.
Do outro lado, no que Moscovo quer quebrar, Zelensky mantém a sua muralha de aço retórica exigindo, para começar a negociar, a saída de todos os militares russos das fronteiras ucranianas reconhecidas pela comunidade internacional, a condenação da Rússia a pagar a reconstrução e os líderes russos julgados em instâncias legais internacionais.
Perante a solidez destas posições, Putin já afirmou que a guerra, ou a "operação militar especial", como ainda é oficialmente denominada por Moscovo, só terminará quando todos os objectivos forem alcançados, que passa notoriamente pela derrota cabal de Kiev no campo de batalha, ou da Rússia, como Volodymyr Zelensky mantém na forma de objectivo inamovível.