Para Emmanuel Macron chegou o tempo de os aliados ocidentais da Ucrânia deixarem de ser "cobardes" e exige deles "uma salto estratégico" que compreende a aceitação de que a guerra está de volta à Europa para ficar e quer que a Rússia saiba que tem pela frente um líder forte.
Escolhendo as palavras para descrever a sua visão da actual geografia de guerra na Europa a partir do conflito entre Rússia e Ucrânia, Macron entende que o ocidente europeu está a abeirar-se de um momento em que "não é apropriado ser-se cobarde".
Numa nova demonstração de que escolheu as palavras, na visita à Chéquia, em Praga, o Presidente francês, num tom grandiloquente, a querer recuperar as frases históricas no contexto da II Guerra Mundial, disse: "Vamos ter de estar à altura da História e da coragem que esta exige".
Só não disse o querem dizer estas palavras escolhidas para rimarem com a imagem do grande estadista que Macron busca incessantemente, mas é possível perceber que a Europa ocidental está num frenesi belicista que começa a assustar os mais sensatos e com memória histórica.
Até porque estas palavras surgem numa linha de tempo marcada recentemente pela ideia defendida por Macron de enviar tropas dos países da NATO para a Ucrânia em apoio ao esforço de guerra contra a Rússia.
Essas palavras foram rapidamente trucidadas por todos os líderes europeus, deixando Macron pendurado na incessante busca de protagonismo, mas isso não o levou a refrear a nova impetuosidade belicista que o define nestes tempos, sendo natural a tradução das suas palavras por uma ideia de inevitabilidade de uma guerra entre a NATO e os russos.
Economia de guerra na Europa
E o momento carece claramente de avançadas interpretações, porque, horas antes destas palavras estranhas de Macron, a Comissão Europeia avançou com o anúncio de um programa de apoio financeiro à criação de uma economia de guerra na União Europeia.
Esse programa, que não foi explicado pela presidente da Comissão, Ursula Leyen, que tem estado bem menos entusiasta dos desafios a Moscovo que a caracterizaram há dois anos, onde defendia que a Rússia devia ser "derrotada até ficar de joelhos no campo de batalha", mas sim por um desconhecido comissário europeu.
Quando um país, como a história regista, entra em economia de guerra, isso significa que o Estado canaliza verbas de outras áreas, quase sempre das áreas sociais, para a produção de armamento, o que conduz ao enfraquecimento da segurança social, piora a saúde e diminui a qualidade do ensino público.
E é a primeira vez, desde a II Guerra Mundial (1939-45) que o bloco europeu admite estar em curso uma transformação das mentalidades na Europa ocidental do pacifismo para uma frenética ameaça à Rússia, onde o Kremlin já disse ser agora claro que, mais cedo ou mais tarde, a NATO vai atacar o país.
Como já o tinha dito também o Presidente Putin, no discurso à Nação, na semana passada, a entrada de tropas da NATO na Ucrânia é o mesmo que carregar no botão vermelho de um cataclismo nuclear mundial.
Mas nem isso é novo, porque tanto Putin como o Presidente dos EUA, Joe Biden, em Março de 2022, pouco depois da invasão russa, admitiram que no dia em que tropas da NATO e da Rússia trocarem os primeiros tiros, isso ditará o fim da Humanidade tal como a conhecemos.
Alias, se na Europa é já visível uma efervescência marcial entre os lideres das principais potências, como a França, o Reino Unido ou mesmo a até agora pacifista Alemanha, do outro lado do Atlântico, os EUA estão claramente a retirar o foco deste campo de batalha no leste europeu.
Começou por surgir um imbróglio no Congresso dos EUA onde o Presidente Biden encontrou na oposição republicana na Câmara dos Representantes a razão para ir adiando o envio de novos apoios em armas e dinheiro para a Ucrânia.
Depois surgiram as primeiras notícias de que em Washington se começava a dar como perdida a guerra na Ucrânia, acabando isso por ser claro quando The New York Times, na semana passada, denunciou a existência de dezenas de postos da CIA na frente da guerra.
Essa denúncia, no jornal americano de maior proximidade à Casa Branca levou à saída dos espiões norte-americanos deste conflito, o que é o mesmo que dizer que o Governo dos Estados Unidos está de malas feitas deste problema que se torna cada vez mais insolúvel com o passar do tempo.
E o derradeiro sinal de que em Washington já está em curso a operação "Out of Ukraine" é a inusitada e ruidosa demissão de Victoria Nuland (ver em baixo "Quem é Nuland?"), a subsecretária de Estado norte-americano para os Assuntos Políticos, que era a mais férrea defensora da guerra contra os russos na Ucrânia.
É a ela que os analistas mais focados nas razões deste conflito apontam como sendo a "mãe" da intervenção norte-americana na Ucrânia, depois de ter sido também ela que organizou o apoio de Washington ao golpe de Estado de 2014 em Kiev, que afastou o Presidente pró-russo, Viktor Yanukovich.
Desde então, tem sido Nuland a mulher por detrás do plano ocidental de usar o território da Ucrânia para desferir um golpe na Rússia que, como foi dito publicamente pelo seu chefe, Antony Blinken, deixasse Moscovo sem capacidade para se manter entre o grupo das grandes potências mundiais, fazendo da Federação Russa um país "banal".
Saída de cena?
Curiosamente, de alguns meses a esta parte, tanto Blinken, secretário de Estado e Lloyd Austin, o secretário da Defesa, começaram a deixar de aparecer nos ecrãs do mundo a tratar deste assunto.
Tal como a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, o seu chefe da diplomacia, Joseph Borrel, o Presidente polaco, Andrzej Duda, ou o Governo britânico, que eram a frente blindada do apoio a Kiev, iniciaram um fade out deste intrincado problema ao mesmo tempo que Emmanuel Macron e o alemão Olaf Scholz se aproximavam da boca de cena.
Como se fosse pouco, por estes dias, os russos divulgaram, e o Governo de Berlin confirmou a sua veracidade de imediato, por receio de que Moscovo divulgasse outros documentos anda mais inquietantes, um extracto de uma longa e comprometedora conversa telefónica entre generais de topo alemães."
Nesta conversa fica claro que a Alemanha, ao contrário da posição pública e oficial do chanceler Scholz, está a preparar o envio de misseis de cruzeiro Tauros, de longo alcance, para a Ucrânia, habilitando as suas forças a desferir golpes severos bem dentro das fronteiras russas.
Ao mesmo tempo, naquilo que é outro acto de guerra reconhecido pelas convenções internacionais, estes dois generais de topo alemães confirmam a presença de tropa britânica na Ucrânia a apoiar o esforço de guerra ucraniano contra a Rússia.
O que, se fosse levada à letra a palavra do Kremlin, tanto de Putin como do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, tecnicamente estes dois países da NATO já estão em situação de guerra com a Rússia...
A par deste cenário arrepiante, a NATO tem em curso, junto à sua fronteira norte e leste, contígua à fronteira russa no Ártico e na geografia nórdica, e à Bielorrússia, no leste, dois exercícios igualmente contíguos geograficamente, o Steadfast Defender 24 e o Nordic Response 24, que agregam mais de 120 mil militares e um vasto leque de armamento pesado e de elevada densidade tecnológica.
Em Moscovo, o Kremlin já disse estar com os olhos postos nestes exercícios, desconfiando que, como o disse Sergei Lavrov, mais cedo ou mais tarde, a NATO vai atacar a Rússia por terra, mar e ar, mas que vai encontrar a Federação Russa preparada.
Para, como sublinhou Putin no recente discurso à Nação, lhes fazer chegar um castigo como nunca visto no passado, sempre que a Rússia foi invadida, tendo em mente os casos dos nazis alemães na II Guerra Mundial e os franceses de Napoleão Bonaparte em 1812.
Quem é Nuland? (Perfil no jornal ECO)
A diplomata norte-americana desempenhou um papel importante na resposta dos EUA à guerra na Ucrânia, tendo sido alvo frequente de críticas pelas suas opiniões acerca da Rússia.
Nuland trabalhou na embaixada dos Estados Unidos em Moscovo na década de 1990, durante a qual se deu a dissolução da União Soviética, e estava na cidade durante a tentativa de golpe contra o antigo presidente russo Boris Yeltsin.
Posteriormente, tornou-se embaixadora do país na NATO, antes de ser nomeada porta-voz do Departamento de Estado sob o comando da antiga secretária Hillary Clinton, durante o primeiro mandato do ex-presidente Barack Obama.
Durante a administração Obama serviu ainda como Secretária de Estado adjunta para a Europa, mas abandonou o cargo depois da eleição de Donald Trump em 2016.
Voltou ao Governo norte-americano já na presidência de Joe Biden, como subsecretária de Estado para Assuntos Políticos.
Em 2014, em plena Revolução de Maidan na Ucrânia, ficou conhecida por ter declarado "Que se lixe a UE!" durante uma conversa telefónica com o embaixador dos EUA no país, Geoffrey Pyatt, que foi filtrada para o YouTube.
Nuland criticava a hesitação da Europa em relação aos protestos pró-democracia.
Até meados de fevereiro, desempenhou as funções de vice-secretária de Estado interina, na sequência da reforma de Wendy Sherman em julho do ano passado.