Volodymyr Zelensky, que esteve sentado na plateia da 78ª Assembleia-Geral da ONU, cujo acto central começou na terça-feira, 19, com os discursos dos lideres de mais de 50 países e representantes de quase 100, onde primaram pela ausência os Presidentes da Rússia, China, França, ou até o primeiro-ministro britânico, percebeu isso mesmo através da prioridade dada à "sua" guerra nos discursos do Presidente dos EUA, Joe Biden, do Brasil, Lula da Silva, ou mesmo do português, Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve em Kiev há poucas semanas, e do Secretário-Geral da ONU, António Guterres. (Ver links em baixo nesta página)
É sabido que os discursos preparados para estes fóruns de topo, salvo muito raras excepções, seguem uma ordem cronológica de importância dos temas abordados, e, tanto no caso de Joe Biden, como de Lula, ou mesmo de Marcelo, ou ainda o de Recep Erdogan, o Presidente da Turquia, só se debruçaram sobre o tela "guerra na Ucrânia" para lá da metade do tempo que falaram, tendo mesmo o norte-americano escolhido este como o penúltimo tema.
Mas, da parte dos EUA, os sinais mais claros de que a guerra na Ucrânia e os já mais de 110 mil milhões USD enviados para Kiev em armamento e apoio orçamental, estão tanto na forma como a oposição republicana no Congresso, com maioria na Câmara dos Representantes, exige agora prestação de contas sobre os montantes enviados para KIev, como na clara mudança de abordagem entre os media mais relevantes e também mais próximos da Administração Biden, tanto The New York Times como The Washington Post ou The Wall Street Journal.
Estes media, ultimamente, surgem nas bancas com destaques sobre o esfumar do apoio popular norte-americano à causa ucraniana, sondagens que mostram que a guerra na Europa interessa cada vez menos aos eleitores e sobe o tom de crítica sobre o volume dos apoios da Casa Branca a Kiev, além de, pela primeira vez, esta terça-feira, o que seria impensável há alguns meses, The New York Times ter publicado uma extensa reportagem a desmentir Zelensky sobre o ataque de um míssil a um mercado a uma cidade do Donbass, onde acusa os russos mas foi um projéctil disparado pelas forças ucranianas.
Apesar disso, Zelensky ouviu de Joe Biden as mesmas palavras de sempre, embora longe de um lugar de prioridade no seu discurso, repetindo a promessa de apoio contínuo ao esforço de guerra contra os russos, ouviu o seu principal aliado a dizer que "ninguém mais que os ucranianos quer a paz na Ucrânia" e que é em Moscovo que está a solução imediata para acabar com este conflito...
Sendo esta a primeira vez que Volodymyr Zelensky está numa Assembleia-Geral da ONU, sendo isso mais relevante ainda desde que começou a invasão russa, a 24 de Fevereiro de 2022, a caminho dos dois anos de mortandade no leste europeu como não se via desde a II Guerra Mundial, este era um momento fulcral para apalpar terreno sobre o que pode esperar no futuro, não só dos seus aliados principais, europeus e norte-americanos, mas tambe+m dos grandes países que desde o início optaram por uma neutralidade activa, como a Índia, a China e o Brasil, que insistem na ideia de que só as negociações podem ser solução.
Para já, as negociações, embora ainda falte ouvir a intervenção do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, parecem estar em banho-maria, porque o discurso de Joe Biden, que poderia dobrar a postura desafiante de Zelensky, mesmo não tendo a efusividade de outrora, foi ainda no sentido de exigir a saída dos russos até ao último soldado dos territórios ocupados, incluindo a Península da Crimeia.
Isto é um obstáculo a quaisquer negociações, porque a Rússia, que tem como bónus uma posição confortável no campo de batalha, onde a contra-ofensiva ucraniana falhou, ou está mesmo a falhar rotundamente, tem igualmente repetido, com vigor inabalável deste sempre, que as cinco províncias ucranianas ocupadas - Crimeia(2014), Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia (2022) - são parte inteira da Federação Russa e, por isso, inegociáveis, o que deixa em suspenso saber o que pode então Moscovo levar para cima da mesa para negociar com Kiev.
O processo, a partir deste ponto, só se torna mais difícil, porque se os russos não estão disponíveis para abrir mão dos territórios ocupados, então o que podem oferecer aos ucranianos em troco de um cessar-fogo, primeiro, e, depois, um acordo de paz?
Alguns analistas apontam para as garantias de segurança para a Ucrânia, fora da NATO, outra exigência de que Putin não abre mão, aceitar a entrada do país na União Europeia, o que muitos consideram ridículo, ou, ainda mais controverso, parar a ocupação onde está, sem avançar com o projecto inicial de tomar igualmente Kahrkiv e Odessa, as duas regiões ucranianas tradicionalmente russófilas.
Dificilmente este cenário pode ser admitido para a mesa das negociações por Zelensky, excepto se a isso for obrigado por Washington e Londres, de quem depende totalmente para manter aceso o campo de batalha.
No entanto, como sugerem alguns analistas, esse passo pode estar a ser equacionado, porque a Polónia, o outro aliado de grande relevo de Kiev, veio, nas últimas horas, com Zelensky já em Nova Iorque, garantir que não vai aceitar quaisquer cedências de territórios ucranianos à Rússia, o que não deixa de ser um evidente sinal de que em Varsóvia se desconfia, pelo menos, de que essa seja uma possibilidade em análise em Washington.
E é, claramente, por aí que uma solução parece ter mais viabilidade, face ao aproximar do período eleitoral nos EUA, com Biden, que procura um segundo mandato em Novembro de 2024, a precisar de se concentrar na política interna, onde a crise económica é, em grande medida, resultado da guerra na Ucrânia, e o seu maior problema.
Ou ainda na Europa ocidental, onde se multiplicam as manifestações anti-guerra, especialmente na Chéquia ou na Alemanha, onde a recessão já é real e os partidos da extrema-direita que se opõem à guerra estão a crescer de forma vertiginosa nas sondagens e ameaçam vários governos e autarquias regionais, tendo já assumido o poder em vários, com foco ainda na Eslováquia e na Polónia, onde as eleições se aproximam e ameaçam, com mais vigor, na Eslováquia, "destronar" os actuais governos aliados de Kiev.
Nada disto parece fazer vacilar o intrépido Presidente da Ucrânia, que, a partir do púlpito do mundo, que é o que é a Assembleia-Geral das Nações Unidas, para falar também para o denominado "Sul Global", a maioria pobre do mundo em oposição ao "Ocidente Alargado", onde se concentram os mais ricos, liderados pelos EUA.
E disse a essa parte do mundo, onde, aparentemente, Moscovo tem ganhado preponderância e influência face às injustiças reveladas nas últimas décadas pela ordem mundial baseada nas regras desenhadas pelo Ocidente após a II Guerra Mundial, e que anseia pela paz por causa das nefastas consequências da guerra, desde logo devdo à disrupção gerada no mercado dos alimentos, com destaque para os cererais, que tem um plano de paz.
E que lhes explicar, se for necessário, insistentemente, e com detalhe, que esse plano de paz tem por base a soberania e a integridade territorial, como, de resto, prometeu igualmente fazer na reunião do Conselho de Segurança que terá lugar ainda nesta quarta-feira, 20, convidando desde já "todos os lideres de países que não tomaram agressões" para uma Cimeira de Paz, ainda sem data nem localização, que, como parece evidente, visa isolar ainda mais a Rússia, chamando a si alguns dos seus aliados ou Estados que optaram por "ficar em cima do muro" sem fazer uma escolha clara.
A expectativa, depois deste discurso aguerrido do Presidente ucraniano, está agora colocada na reacção do chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, a estes discursos na 78ª AG das Nações Unidas, que decorre esta semana em Nova Iorque, onde está a sua sede mundial.