Donald Trump tem repetido com insistência que "ele" pediu um encontro, de forma a colocar Vladimir Putin como aquele que lhe pediu para se encontrarem, enquanto o chefe do Kremlin não se cansa de lembrar que nunca esteve indisponível para se encontrar com o Presidente dos EUA.

A diferença é que o americano não parece ter outro assunto para colocar na mesa que definir um "road map" para acabar com a guerra na Ucrânia, enquanto o russo parece estar mais apostado em desenhar o esboço de um futuro acordo de segurança mais vasto com os EUA.

Para já, e sem dúvidas remanescentes, existe vontade de ambas as partes para organizar um encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin, até porque estes dois homens têm uma longa história de declarações de admiração mútua, faltando "apenas" encontrar o lugar do... reencontro.

Reencontro que não deve acontecer muito depois de 20 de Janeiro, quando Trump toma posse como 47º Presidente dos Estados Unidos da América, faltando apenas encontrar o local, que pode ser, de acordo com os convites já feitos, na Europa, em países como a Eslováquia, a Hungria, a Suíça ou a Servia, ou na Ásia, em países como a Arábia Saudita ou o Azerbaijão.

Os analistas, como Tiago André Lopes, especialista em relações internacionais, na CNN Portugal, avançam que por estes dias, a equipa de Trump e Moscovo estão a procurar definir os temas que vão ser discutidos, quem fará parte das comitivas e onde terá lugar.

Mas, desta feita, o "elefante na sala na sala de porcelanas" não é um dos participantes, pelo menos nesta fase, é o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que não tem qualquer interesse em que este encontro Trmp-Putin ocorra sem que Kiev tenha uma palavra a dizer.

E é por isso que, por exemplo, o analista e especialista militar Jacques Baud, antigo coronel da intelligentsia suíça e da NATO, afirmou recentemente que os últimos dias da Administração Biden serão tumultuosos porque o ainda Presidente dos EUA tudo fará para criar dificuldades a uma aproximação entre Washington e Moscovo após a tomada de posse de Donald Trump.

E isso está claramente a ser tentado de várias formas, seja com o envio do que resta do pacote dos 61 mil milhões USD em armamento para Kiev, que eram cerca de 9 mil milhões duas semanas antes de 20 de Janeiro, e com o reforço acentuado das sanções contra as exportações de energia russa...

Além disso, em Kiev, Zelensky e a sua entourage buscam a melhor forma de obrigar Trump a manter os EUA alinhados com o apoio à Ucrânia.

E esse esforço está a ser feito através dos seus aliados europeus mais "zangados" com a Rússia, embora também aí esteja a perder per devido aos brutais impactos das sanções na economia europeia, nomeadamente na alemã, na francesa, na italiana, ou nas da Hungria, Eslováquia e Áustria, que sufocam sem o gás e o petróleo baratos russos.

Mas também com constantes galanteios de Zelensky à "força e à inteligência" de Donald Trump, que diz ser quem pode "obrigar Putin a sentar-se para negociar o fim do conflito", de acordo com as exigências de Kiev.

Só que os sinais emitidos até agora por Donald Trump não são os que Zelensky mais queria ver. Primeiro, porque Trump só fala em encontrar-se com Putin, ignorando-o totalmente, não avançando sequer que se poderá encontrar com o Presidente ucraniano numa segunda fase.

Segundo, porque Trump, na conferência de imprensa da semana passada, na sua casa em Mar-a-Lago, na Florida, disse de forma explícita que percebe as razões da Rússia para não querer a Ucrânia na NATO.

E terceiro porque próximo Presidente dos EUA está a mudar os planos do seu enviado para o conflito ucraniano, o general Keith Kellogg, que inicialmente queria, contra a vontade dos russos, congelar a guerra e a entrada da Ucrânia na NATO por 10 a 20 anos de forma a ganhar tempo para desenhar um acordo entre Kiev e Moscovo.

Quando Trump anunciou Kellogg como o seu homem para resolver a questão ucraniana, em Moscovo a ideia não foi bem acolhida, porque o Kremlin há muito que diz que não aceita congelar o conflito porque isso só serviria para o ocidente rearmar os ucranianos.

Donald Trump parece ter ouvido os russos sobre este ponto e deu indicações ao seu enviado especial para a guerra no leste europeu para mudar a agulha do seu plano inicial, dando-lhe 100 dias para formular um novo plano que encaixe nas exigências russas.

Naturalmente que esse novo plano terá de conter uma saída airosa para a Ucrânia, embora não seja ainda claro que tipo de cedências o Kremlin poderá fazer, sem abrir a mão das cinco regiões anexadas (Crimeia em 2014 e Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Lugansk, em 2022), da neutralidade ucraniana fora da NATO e do respeito pela língua, religião e cultura russas no que restar do país no pós-guerra.

Uma possibilidade em aberto é que as negociações não tenham já como interlocutores ucranianos Zelensky e os seus "falcões de guerra", como o homem das secretas, Kyrylo Budanov, o seu conselheiro Mikhail Podoliak, e o seu chefe de gabinete Andriy Yermak, o que só seria possível com a realização de eleições na Ucrânia nas próximas semanas, ou meses.

Esta possibilidade seria facilmente aceite por todos os aliados de Kiev visto que o mandato de Volodymyr Zelensky terminou em Maio de 2024 e foi artificialmente prolongado com a Lei Marcial devido ao conflito com os russos, sendo que as sondagens existentes, feitas pelo centro de sondagens britânico YouGov ou pelo norte-americano Instituto Gallup (ver links em baixo), mostram a sua popularidade em baixo e muito longe de poder ganhar as futuras eleições.

Os aliados europeus de Zelensky, que estão a ser tão ignorados quanto o Presidente ucraniano por Donald Trump, estão igualmente a desfazer o muro de protecção a Kiev, de onde se destacam a Eslováquia, a Hungria, a Áustria e, agora, a Alemanha, visto que, segundo a imprensa alemã, o chanceler Olaf Scholz vetou uma nova tranche de apoio financeiro e militar para Kiev.

Mas em sentido contrário continuam os aguerridos países bálticos - Estónia, Letónia e Lituânia -, a França, o Reino Unido e a Polónia, que, alinhados com a ainda vigente Administração Biden, nos EUA, procuram dar a Kiev todo o apoio possível para garantir que o país não colapsa com a chegada de Trump à Casa Branca.

Vai ou não esse apoio europeu, a que se deve juntar o resto do pacote norte-americano dos 61 mil milhões USD, e o reforço das sanções de Washington contra o petróleo e o gás russos, ser suficiente para impedir o colapso da Ucrânia na frente de batalha?

A resposta é, segundo vários analistas, como o norte-americano Ray McGovern, antigo dirigente da CIA, ou Jacques Baud, que a situação na frente já chegou ao ponto de não retorno com a inevitabilidade de uma derrota ucraniana que poderá ser transformada num acordo de paz motorizado por Trump.

Acordo esse que dará a Moscovo o essencial das suas exigências mas poderá evitar uma humilhação para a Ucrânia e, com isso, salvar a face dos países da NATO, incluindo os EUA, embora Trump tenha vindo a insistir ultimamente que "esta é uma guerra do Presidente Biden" e não dele, o que significa que não quer herdar os estilhaços da vitória russa iminente.

Entretanto, segundo os media norte-americanos e russos, Mike Waltz, o conselheiro para a Segurança Nacional de Donald Trump, confirmou que está previsto para os próximos dias um telefonema entre o Presidente-eleito e o Presidente russo.

Essa conversa telefónica tem, usualmente, como função ultimar detalhes para o que vier a ser oficialmente decidido no encontro presencial, que, quase sem excepções, acontece quando já está tudo negociado e consolidado, faltando apenas a assinatura das partes ou a definição de um calendário concreto para a continuação das negociações.

Neste caso, o mais certo é que Trump, já na condição de Presidente efectivo, e Putin definam os contornos do acordo para acabar com a guerra na Ucrânia e confirmam novos encontros para tratar da questão mais abrangente defendida pela Rússia que é a segurança global, para a qual poderá, quase de certeza, ser chamada a China...