Este assumir de um risco existencial para a Ucrânia, num momento em que as forças russas tomaram mais uma cidade fortificada na frente de combate, Velika Novossilka, na região de Donetsk, e quando em Washington Donald Trump fecha a torneira do apoio à Ucrânia, revelou-se uma má jogada de Budanov, o mestre das operações militares mais arriscadas.
E, depois de ter sido o Ukrainska Pravda, com fortes ligações ao regime de Kiev, a noticiar as apreensões de Kyrylo Budanov, o poderoso comandante da secreta militar ucraniana (GUR), numa reunião restrita do Parlamento, gerando um alvoroço nos corredores dos governos ocidentais, os media ucranianos apressaram-se a negar que tais declarações tenham sido proferidas.
Curiosamente, estas declarações de Budanov não fizeram caminho, como seria de esperar, nos media russos, alegadamente porque, segundo alguns analistas pró-Moscovo, ter-se-ia tratado de uma jogada que visava confrontar os aliados de Kiev, especialmente os EUA, para o risco que seria deixar de apoiar o país com mais armas e financiamento.
Todavia, a frase atribuída a Kyrylo Budanov, pelo Ukrainska Pravda, citando uma fonte relevante do Parlamento ucraniano, coincide com a ideia generalizada que começa a ser "aprovada" pelos media ocidentais, onde a iminente derrota de Kiev já não é tabu, como o era ainda há dois meses, sendo disso exemplo The Economist, um dos mais empenhados pró-Kiev, que já admite que a frente ucraniana "começa a desfazer-se".
"Se não houver negociações sérias até ao Verão (Junho ou Julho), então graves consequências para a existência da Ucrânia enquanto país terão início", disse Budanov, segundo o Ukrainska Pravda, um jornal online publicado quase em exclusivo em língua ucraniana.
No entanto, os serviços de imprensa do GUR vieram já esta terça-feira, 28, negar que o seu chefe tenha proferido essa frase, embora, segundo o Kyiv Post, sem se alongar em explicações.
Mas, ao mesmo tempo, de acordo com The Kyiv Independent, jornal ucraniano em língua inglesa, o deputado da oposição, Oleksii Honcharenko, confirmou que Budanov disse no mesmo encontro restrito do Parlamento, afirmou que "se nada mudar na frente de guerra, a resistência ucraniana poderá começar a colapsar e aí haverá problemas sérios"
Por detrás deste momento polémico em Kiev está a convicção generalizada de que os EUA, o ainda grande financiador da guerra na Ucrânia (ver links em baixo), e os russos, poderão iniciar conversações em breve, e organizar um encontro a dois entre Donald Trump e Vladimir Putin, com o fim da guerra na agenda, embora se fale ainda num acordo abrangente de segurança euroasiática.
Face a esta pressão sobre a frente, onde os ucranianos têm reconhecidos problemas de recrutamento, com os aliados ocidentais a pressionarem para que comecem a ser arregimentados os jovens a partir dos 18 anos, e não dos 25 como actualmente, e o apoio dos aliados fraqueja visivelmente, as negociações podem ser a melhor e inteligente forma de garantir que os russos não conquistam mais territórios.
O problema da falta de gente nas fileiras não pode ser resolvido baixando a idade de recrutamento porque, admitem analistas ucranianos, isso levaria a sérias consequências sociais e políticas para o Presidente Volodymyr Zelensky.
Por detrás da estratégia do chefe dos espiões militares ucranianos estará, segundo vários analistas, assentar as decisões com base na realidade e não na propaganda, aproveitando a disponibilidade do Presidente dos EUA e do seu enviado especial para este conflito, o general Keith Kellogg, para encontrar uma solução rápida e que "congele" as posições no terreno.
Uma das abordagens possíveis é que Budanov, como notou Alexander Mercouris, analista britânico, está consciente que a Ucrânia terá de recrutar gente cada vez mais nova se quiser manter a guerra, mas isso significa que vai ter na frente de batalha centenas de milhares jovens mal preparados e desmotivados a combater um Exército russo cada vez mais profissional e eficaz, no que resultaria numa catastrófica mortandade da juventude de que o país vai precisar para garantir o seu futuro.
No entanto, a perspectiva de Budanov poderá estar desviada da realidade no terreno, porque aos russos, como Putin já confirmou, não interessa nem vão aceitar um cessar-fogo sem um acordo abrangente e sólido, elaborado nos termos já definidos por Moscovo.
Termos esses que são conhecidos e não encaixam no desenho de Kellogg, que passam por congelar o conflito, manter Kiev fora da NATO por uma ou duas décadas, e enviar uma força de paz internacional para a zona da frente actual, Zelensky aprova e quer que seja de 200 mil militares europeus.
Para os russos, as condições são as que foram enunciadas em Julho pelo chefe do Kremlin, e passam pela saída de todas as forças das regiões anexadas em 2022 (Zaporizhia, Kherson, Donetsk e Lugansk), e o seu reconhecimento de pertença à Federação Russa, tal como a Crimeia, garantir constitucionalmente que o país se mantém neutral e desiste da adesão à NATO, bem como o respeito cabal pela língua, cultura e religião russas.
O Kremlin já avisou que quaisquer contingentes ocidentais enviados para a Ucrânia serão vistos como alvos legítimos e serão atacados pelas forças russas.
Provavelmente é por esta posição inamovível de Moscovo que russos e norte-americanos ainda não confirmaram o início das conversações bilaterais, como Trump e Putin dizem que estão disponíveis para isso.
De Moscovo, alias, segundo a russa RT, nem sequer a preparação de um telefonema entre Putin e Trump foi iniciada, o que mostra que um encontro presencial é algo que está ainda muito longe, perspectivando que os combates podem prolongar-se ainda por largos meses, nos quais os russos vão aproveitar para somar parcelas de territórios ucranianos ao mapa da Federação Russa.