Numa entrevista ao canal Fox News, e não num comentário apressado a meio da assinatura de mais um decreto Presidencial, como têm sido feitas muitas das suas declarações mais "ousadas", citada pela France Press, Trump afirmou que "a Ucrânia pode voltar a ser russa".
Esta frase, cuja polémica é garantida embora seja ainda cedo para perceber a dimensão da discussão que vai gerar, porque a entrevista onde surgiu teve lugar há escassas horas, aparece no momento em que o seu vice-Presidente, JD Vance, vai reunir com Zelensky esta semana.
Não seria nada de especial se não se soubesse e fosse público que JD Vance é, na Administração Trump, a figura menos simpática para o apoio norte-americano aos ucranianos no contexto da guerra com a Rússia, tendo mesmo defendido o seu fim como forma de acabar com a guerra.
O encontro entre Vance e Zelensky vai decorrer na Europa, para onde o número dois de Trump vai para participar na Conferência de Segurança de Munique e reuniões da NATO e com a União Europeia, onde alguns analistas esperam que o Presidente ucraniano fique a conhecer com mais proximidade o que Washington pretende vê-lo ceder para Moscovo aceitar o fim do conflito.
Isto, porque, neste período onde parece que está a suceder um turbilhão de decisões sobre a guerra na Ucrânia, entretanto Sergei Ryabkov, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, veio deixar um claro aviso à navegação: "A Rússia não aceita parar os combates sem que as condições apresentadas pelo Presidente Vladimir Putin em Junho de 2024 estejam preenchidas".
O que Moscovo está a fazer com esta vinda a terreiro de Sergei Ryabkov é dizer a Donald Trump que o seu plano de paz para a Ucrânia é inviável, o que a Casa Branca parece ter percebido porque Keith Kellogg, o enviado especial para Kiev e Moscovo, acaba de anunciar que o plano em questão está suspenso.
E a razão é simples: depois das palavras de Ryabkov, mantê-lo activo seria aumentar muito as tensões com Moscovo, porque os russos não vão cessar as hostilidades quando estão a ganhar a guerra sem verem as suas exigências aceites por Washington e Kiev.
O plano de Kellogg passa por congelar o conflito nas actuais posições, enviar para o terreno um contingente internacional para garantir o seu cumprimento, manter a Ucrânia fora da NATO mas dentro da União Europeia e preparar a reconstrução do país.
O que choca de frente com o que Putin disse em meados de 2024 (ver links em baixo), que passa por três pilares de forma simplificada: A Ucrânia fica fora da NATO com garantias alicerçadas num acordo alargado de segurança entre Moscovo e Washington, Kiev aceita que as cinco regiões anexadas em 2014 (Crimeia) e 2022 (Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia) são parte integral da Federação Russa, e a cultura, religião e língua russas são respeitadas constitucionalmente.
O alerta para o vigor redobrado com que os russos estão a lidar com esta "performance" de Trump sobre os seus esforços para acabar com a guerra ficou ainda mais claro quando o Kremlin, pelo seu porta-voz, Dmitry Peskov, veio dizer, depois das notícias sobre Trump ter dito que tinha falado com Putin, que não podia "nem confirmar nem desmenti-las".
O Presidente ucraniano percebe que o terreno debaixo dos seus pés está cada vez mais pantanoso, até porque foi o próprio enviado de Trump que lhe disse que teria de realizar eleições para se legitimar no cargo, visto que as eleições deveriam ter sido realizadas em Maio de 2024 e foram sendo proteladas ao abrigo daa Lei Marcial que vigora no contexto do conflito.
É por isso que Zelensky já veio dizer que aceita quaisquer que sejam as condições para falar com Putin, dinamitando as restrições legais nesse sentido que o próprio se auto-impôs por decreto, em 2022, desde que "os EUA garantam a segurança da Ucrânia".
Isto, porque uma das condições do Kremlin é que qualquer acordo a assinar com os ucranianos não pode ser, nas actuais condições, com Zelensky por não lhe reconhecer legitimidade ao estarem em falta as eleições, apontando Putin com interlocutor, ao abrigo da sua leitura da Constituição ucraniana, o Presidente da Rada, o parlamento.
Alguns analistas admitem que Putin pode ceder e aceitar Zelensky como interlocutor se o que vier a ser assinado estiver alicerçado num acordo de âmbito mais vasto com os Estados Unidos sobre segurança na Europa.
Apesar deste contexto de elevada complexidade, Donald Trump, depois de lançar a "bomba" sobre a Ucrânia, fazendo voar a ideia de que o país pode voltar para a esfera de controlo da Rússia, vem aligeirar o discurso falando, na mesma entrevista, de um acordo para breve "porque Zelensky quer um acordo" e porque "Putin quer um acordo".
Na frase polémica, Trump diz que a Ucrânia "pode fazer um acordo, pode não fazer um acordo, pode um dia ser russa, pode não ser russa...", mas deixou aberta a porta, e os dados confirmam isso mesmo, para continuar a enviar apoio militar e financeiro para Kiev, a troco de minérios estratégicos existentes no seu subsolo, tendo falado pela primeira vez em valores: 485 mil milhões USD a receber de Kiev em recursos naturais.
Este passo pode ser problemático porque se sabe que as reservas de "terras raras", 17 minerais que surgem na natureza em conjunto, quase sempre, e muito relevantes para as indústrias 2.0 ocidentais, estão em grande parte nas áreas actualmente sob controlo russo e dentro das quatro regiões anexadas em 2022.
Entretanto, na linha da frente (ver links em baixo), as forças russas estão claramente a avançar no leste ucraniano mas a sentir mais dificuldades em Kursk, a região russa parcialmente invadida pelos ucranianos em Agosto de 2024.
E ainda numa altura em que Zelensky assume dificuldades sérias em alimentar as trincheiras com novos soldados, o que fica ainda mais claro quando The Washington Post, o jornal norte-americano mais próximo de Kiev, divulga uma notícia sobre os crescentes ataques aos centros de recrutamento na Ucrânia para evitar as incorporações forçadas ao abrigo da Lei Marcial.