O Presidente ucraniano aceita, afinal, sentar-se à mesa com o Presidente russo, enterrando o decreto Presidencial que assinou em 2022 no qual se proíbe a si e a todo o Governo ucraniano de negociar com o Kremlin.
O problema de Zelensky é que em Moscovo, Putin não o reconhece como Presidente legítimo da Ucrânia, porque as eleições que deviam ter tido lugar em Maio de 2024 foram proteladas no âmbito da Lei Marcial em vigor no país devido ao conflito com a Rússia.
Para Putin, de acordo com a sua interpretação da Constituição ucraniana, quem detém a legitimidade democrática para negociar qualquer acordo de paz é o Presidente da Rada, o Parlamento em Kiev.
Ruslan Stefanchuk recebe a legitimidade democrática, segundo Putin pelo facto de não terem sido realizadas as eleições regulares, o que é visto por vários analistas como uma pressão de Moscovo para afastar Zelensky do poder.
E esse parece ser o mesmo entendimento que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump tem, porque mandou o seu enviado especial para o conflito no leste europeu, o general Keith Kellogg, dizer a Zelensky que tem de realizar eleições até ao final do ano.
Que é o mesmo que dizer que Washington quer afastar Volodymyr Zelensky do poder porque vê nele um entrave à celeridade que quer incutir no processo negocial que levará ao fim do conflito no leste europeu que faz, a 24 deste mês, três anos que entrou na etapa de guerra aberta depois de entre 2014 e 2022 ter sido uma guerra de baixo perfil mas igualmente letal.
Isto, porque desde que em 2014 teve lugar o golpe de Estado, financiado e organizado pelos norte-americanos, em Kiev, que depôs o Presidente Viktor Yanukovych, pró-russo, as forças independentistas do Donbass (Donetsk e Lugansk) mantiveram uma resistência armada aos ataques das forças de Kiev resultando em mais de 14 mil mortos, como reconheceu a Organização para a Cooperação e Segurança da Europa (OSCE).
Agora, com a mudança de poder em Washington, onde o republicano Donald Trump está a desmantelar diariamente toda a política externa do seu antecessor, o democrata Joe Biden, também em Kiev parece estar em curso uma mudança de regime imposta pelos norte-americanos.
Isto, depois de os primeiros sinais já terem sido dados com ruidosa relevância, desde logo com o fecho da torneira do apoio social à Ucrânia através dos fundos gigantescos da USAID, a agência norte-americana de ajuda ao desenvolvimento externo, comummente vista como uma ferramenta da CIA, que está a gerar grande turbulência em Kiev, especialmente no impacto que isso está a ter no sector dos media e do apoio ao veteranos das Forças Armadas.
Além disso, Trump já disse que acabaram as ofertas de armas e dinheiro para o esforço de guerra ucraniano, exigindo que Kiev pague tudo o que receber com os seus recursos naturais, especialmente os minérios que possi no subsolo do leste do páis, incluindo "terras raras" e lítio.
O que, aparentemente, é uma armadilha para Zelensky porque, segundo os relatórios existentes, mais de 70% dos minérios estratégicos ucranianos estão nas províncias do leste, Dnipro, Donetsk e Lugansk, e estas, excepto a primeira, embora as forças russas estejam à sua porta, já estão sob controlo de Moscovo.
É perante este quadro, que começa a ganhar contornos de beco sem saída para a Ucrânia, que Volodymyr Zelensky veio anunciar no podcast de Piers Morgan, ignorando os media ocidentais tradicionais que tanto o apoiaram nestes anos de guerra, a sua disponibilidade para falar pessoalmente com Putin, desfazendo tudo o que vem a dizer há três anos.
Só que Zelensky exige que essas conversas tenham ainda como participantes os EUA e a União Europeia, o que permite perceber que é uma tentativa do Presidente ucraniano de implodir o que parece ser já uma decisão tomada por Washington e Moscovo de negociarem uma solução sem a presença de Kiev e muito menos de Bruxelas, numa altura em que a União Europeia deixou de ser relevante neste contexto.
Entretanto, numa altura e que o Presidente ucraniano mostra já não estar preocupado com a coerência, depois de andar longos meses a espalhar a ideia de que os russos já tinham perdido mais de 600 mil militares neste conflito e os ucranianos apenas 31 mil, agora veio refazer as contas e aponta para 45 mil ucranianos e 350 mil russos mortos.
Uma condição para essas negociações com Moscovo é, explicou ainda nas últimas horas Volodymyr Zelensky, o fornecimento pelo ocidente de armas nucleares para substituir as que país cedeu à Rússia em 1991, ano em que este país ganhou a independência a partir do desmantelamento da então União Soviética.
Numa primeira reacção a este pedido do Presidente ucraniano, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, disse numa rede social que Zelensky é um "maníaco que vive uma doentia ilusão" que pode procurar mesmo uma "bomba suja" - que é um engenho criado com explosivos convencionais misturados com resíduos nucleares - se o ocidente não lhe der armas nucleares.
Nos acordos de separação, Moscovo recebeu as dezenas de silos nucleares existentes na altura em território ucraniano mas de propriedade soviética, cujos herdeiros naturais e reconhecidos pela comunidade internacional foram os russos, logo os detentores da posse desse armamento estratégico que, assim, nunca foi ucraniano, como sucedeu com o arsenal atómico que estava nas repúblicas que se autonomizaram com a queda da URSS.
A justificação de Zelensky para pedir estas armas aos norte-americanos, britânicos e franceses é para servirem como protecção contra futuras agressões russas considerando que a Ucrânia não deverá entrar na NATO como Kiev tem exigido nos últimos anos e lhe foi prometido pelo Presidente americano Joe Biden e pelos líderes europeus que o levaram a abandonar as negociações Kiev-Moscovo de Istambul, em Abril de 2022, que estavam prestes a acabar com a guerra.
Nesta entrevista, o líder do regime ucraniano pede ainda que a NATO ajude Kiev a erguer um Exército de um milhão de homens armados com equipamento ocidental e que os países aliados enviar 200 mil soldados para a linha da frente de forma a servir de escudo protector contra os russos.
Isto tudo, quando em Moscovo, Putin permanece em relativo silêncio, consolidando as suas exigências para negociar a paz com Kiev, nas quais não permitirá a presença de Zelensky enquanto Presidente, embora admita que possa estar como convidado da parte ucraniana.
Para Putin, quaisquer negociações passarão por Kiev aceitar que já perdeu definitivamente para a Federação Russa as cinco regiões anexas em 2014 (Crimeia) e em 2022 (Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia), que se manterá neutral e fora da NATO para sempre, e que a língua, a cultura e a religião russas terão protecção legal na Ucrânia.
Já os ucranianos têm vindo a diluir as condições, admitindo que poderá haver perdas territoriais momentâneas, exigindo ainda a presença de forças ocidentais ao longo da actual linha de confrontação, e a entrada da Ucrânia na União Europeia e, a seu tempo, na NATO.
Provavelmente, se, como exige, Donald Trump, e Putin, a Ucrânia realizar eleições ainda este ano, e se as sondagens realizadas nos últimos meses estiverem certas, incluindo de entidades ocidentais (ver links em baixo), como a YouGov britânica, então já não será Zelensky e o seu Governo a liderar este processo.