Que Trump e Putin conversaram ao telefone, não parece ser possível desmentir, até porque o norte-americano confirmou esse telefonema a bordo do Air Force 1, perante um jornalista do jornal nova-iorquino e o seu conselheiro para a Segurança Nacional, Mike Waltz.

O Kremlin, ao que tudo indica, surpreendido por Trump ter divulgado uma conversa que não era para ser dada a conhecer ao mundo, optou por, na voz de Dmitry Peskov, o porta-voz oficial de Putin, dizer que não confirma nem desmente "por não estar a par desse tema".

O cuidado com que os media russos, desde a agência de notícias oficial, a TASS, ao seu canal de tv e site internacional, RT, que tardaram a referir o assunto, sublinham apenas que Peskov não confirmou essa conversa mas também não a desmentiu.

Só que Trump, apesar de The New York Post dar a notícia sem uma citação directa, disse perante o jornalista e Mike Waltz que Putin lhe disse ao telefone que quer ver posto um ponto final na guerra para acabar com a morte desnecessária de pessoas.

Porém, esta conversa é muito mais importante que aquilo que sugere o Kremlin, visto que Donald Trump deu o passo que nem os ucranianos queriam nem os europeus, porque significa que Washington privilegia o diálogo com Moscovo para terminar o conflito no leste europeu.

E o que Trump faz com esta conversa é dar uma pesada indicação ao Presidente Volodymyr Zelensky que não é com ele que pretende fazer evoluir as conversações para acabar com a guerra, ou com os seus aliados da União Europeia e da NATO.

É sim com Vladimir Putin, fazendo-lhe a vontade, depois de o chefe do Kremlin ter vindo a público por várias vezes afirmar que Zelensky não possui legitimidade democrática para assinar ou negociar qualquer acordo, visto que as eleições ucranianas deviam ter tido lugar em Maio de 2024.

Ao prolongar o mandato sem eleições com base na Lei Marcial, Zelensky, aos olhos de Moscovo não prolongou a sua legitimidade Presidencial, o que alguns analistas admitem ter algum suporte, mas com igualmente uma conflitualidade de alguns artigos da Constituição ucraniana.

Aparentemente, ao falar com Putin antes de ouvir Zelensky, Donald Trump e o seu Conselheiro para a Segurança Nacional, Mike Waltz, dá tracção à interpretação do Kremlin, o que já estava mais ou menos consabido depois de o enviado especial para o conflito no leste europeu, Keith Kellogg, ter vindo, há uma semana e meia, dizer que os ucranianos têm de realizar eleições o quanto antes.

Mas, curiosamente, quando os russos poderiam insuflar as velas e aproveitar este momento para retirar ainda mais chão a Zelensky, a opção é a contrária, preferindo diluir a importância desta telefonema de Trump a Putin com a velha expressão que não compromete, de nem confirmar nem desmentir.

E a razão pode ser para não interferir numa situação problemática dentro do regime ucraniano, onde Zelensky aparenta cada vez mais fragilidades face a uma crescente oposição interna, que teve há cerca de uma semana um episódio sério, envolvendo o até aqui poderoso chefe da intelligentsia militar, Kyrylo Budanov.

Este, numa reunião restrito do Parlamento, segundo a imprensa ucraniana, afirmou que se não houver negociações em breve com Moscovo, a Ucrânia pode ter a sua existência comprometida até ao Verão deste ano.

Segundo várias fontes, este episódio criou um forte atrito entre o Presidente e Budanov, que está, segundo algumas fontes, incluindo ucranianas, sob investigação para averiguar o contexto das suas declarações.

E se Zelensky está a ser posto de lado pelos norte-americanos, sabendo-se que a Ucrânia, como o próprio já admitiu, sem o apoio de Washington deixa de poder manter o esforço de guerra, para Moscovo a vantagem em deixar o Presidente ucraniano arder em lime brando são claras...

Moscovo tem ainda em consideração, segundo alguns analistas, quem poderá substituir Zelensky caso este não consiga sustentar o cargo, porque algumas alternativas são de uma linha mais dura que o próprio, especialmente alguns indivíduos ligados aos movimentos neo-nazis de inspiração em Stepan Bandera, o herói nacional que lutou ao lado de Hitler na II Guerra Mundial.

Esta notícia da conversa entre Trump e Putin está, como seria de esperar, a gerar um forte incómodo em Kiev, e num momento que Zelensky e a sua entourage preparam uma semana decisiva, com duas reuniões em Bruxelas no âmbito da NATO e da União Europeia, e depois, em Munique, para a Conferência Internacional de Segurança.

Vendo-se a ficar para trás, como nota The Guardian, o fortemente pró-ucraniano jornal britânico, Volodymyr Zelensky já veio dizer que aceita negociar com Putin em quaisquer circunstâncias e formato desde que "americanos e europeus não abandonem a Ucrânia".

Cada vez menos exigente, o Presidente ucraniano diz agora, numa das mais de uma dezena de entrevistas que já deu para se adequar às posições de Trump, que vão mudando rapidamente em seu desfavor, que o plano de Donald Trump para acabar com a guerra depressa tem apenas de garantir que a Ucrânia não volta a ser atacada pela Rússia.

Estas declarações foram feitas já depois de se conhecer que Trump ligou a Putin passando por cima do Presidente ucraniano e por ciam dos seus aliados europeus, cada vez menos relevantes e cada vez mais apertados por Washington com ameaças de saída de cena na Europa se Bruxelas não aumentar muito as suas despesas com a Defesa.

Entre as ameaças de Trump aos europeus está anda a aplicação de tarifas substantivas aos produtos exportados para os EUA, o que seria um rombo muito importante na já fragilizada economia europeia.

Isto, quando se sabe, como sublinhou o norte-americano Richar Wolf, professor de economia e autor de dezenas de livros, que foi a Europa, especialmente a Alemanha, a pagar o preço mais severo pelo apoio à Ucrânia,

Este catedrático e autor afirma, como convidado de vários podcasts, que a Alemanha está hoje a atravessar uma crise da qual não voltará a recuperar porque aceitou ser a maior vítima do desligamento do gás e do crude baratos russos, no contexto das sanções ocidentais contra Moscovo, que alimentaram durante décadas a sua poderosa e altamente competitiva indústria, que deixou de o ser após ser obrigada a importar energia muito mais cara dos EUA.

Wolf nota com "estranheza" que em Berlim ninguém diga a Donald Trump que quem pagou o "mais elevado preço" no contexto do apoio a Kiev foi a Europa, e especialmente a Alemanha, com a actual depressão económica e a destruição sem remédio de parte da sua base industrial, que deixou o país para se mudar para a China e os EUA.

Entretanto, na linha da frente, os russos continuam a ganhar terreno e a agregar territórios estratégicos da Ucrânia para o seu controlo, deixando Kiev à beira do colapso das suas linhas de defesa por falta de capacidade de recrutamento de novos soldados.