O Porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, visto como se fosse o próprio Presidente Vladimir Putin a falar, sem nunca recusar a ideia de que Moscovo e Washington têm e devem falar sobre tudo e não apenas sobre a guerra, garante que "ainda não existe nada de concreto".
O reatar da comunicação diplomática entre russos e norte-americanos era uma das consequências dadas como certas da vitória eleitoral de Trump e ainda mais depois da sua tomada de posse a 20 de Janeiro, mas, quase três semanas depois, ainda nada aconteceu, excepto a criação de uma "coligação" informal russo-norte-americana para "derrotar" Volodymyr Zelensky em eleições já em 2025.
De oficial, pelo menos, porque nas intenções, Moscovo e Washington estão claramente na fase mais quente do cortejamento à distância que culminará, se nada de muito estranho acontecer, no reatar das relações entre os dois "bons amigos" que são Putin e Trump.
Só que ainda não aconteceu nada. A acreditar no Kremlin. As conversas preliminares estão a correr muito bem, a acreditar em Donald Trump. Provavelmente isto é porque os russos são, reconhecidamente, mais formais, enquanto os "americanos" são mais... desengravatados.
Mais cedo ou mais tarde, o retomar formal das relações bilaterais russo-americanas vai acontecer, o que está, segundo o jornal norte-americano Politico, a "deixar louco" o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky que, em Kiev se está a sentir a ficar de lado.
O que não é para menos, sendo a guerra no seu país, que já dura há quase três anos - o 3º aniversário do início da invasão russa é a 24 de Fevereiro, embora a guerra já venha de 2014, aquando do golpe de Estado apoiado por europeus e norte-americanos que destronou o Presidente aliado de Moscovo Viktor Yanukovych.
E é fundamental para Zelensky não ficar de fora das discussões, até porque, como o próprio avança à agência de notícias norte-americana, Associated Press, "se tal suceder, isso será muito perigoso" e "uma perda de tempo" porque "os russos não querem verdadeiramente um cessar-fogo".
O argumento do Presidente ucraniano é que os russos querem impor as suas condições a partir do campo de batalha, onde estão actualmente com vantagens evidentes mas que Zelensky diz ser possível reverter se os seus aliados assim o quiserem, desde logo com um convite para a Ucrânia aderir à NATO.
O problema é que Zeensky pede aquilo que é a linha vermelha mais carregada das condições russas e que, se se voltar com a fita do tempo atrás, no início estará a hipotética adesão à NATO como a razão maior para a Rússia ter invadido a Ucrânia.
Esta exigência, que ainda tem alguma adesão na Europa ocidental, como na Lituânia ou Estónia, ou eventualmente na Polónia, segundo condições, mas que nos EUA conta com a oposição cabal da nova Administração Trump.
Depois de Marco Rubio, o chefe da diplomacia em Washington, ter vindo dizer que foi um erro crasso dizer aos ucranianos que poderiam ganhar uma guerra com a Federação Russa, a partir do círculo mais próximo de Trump veio o mais severo "ataque" a Zelensky; que é obriga-lo a ir a eleições ainda em 2025.
Este é uma nota que o Politico garante que deixou o Presidente ucraniano furioso e em estado de nervos, porque é o mesmo que o condenar à morte política, visto que todas as sondagens, feitas por organismos ucranianos ou ocidentais, afastam Zelensky da mais remota hipótese de vitória.
O argumento dos "amigos" americanos de Zelensky é o da legitimidade democrática, porque as eleições deveriam ter tido lugar em Maio de 2024 mas foram proteladas por causa da Lei Marcial em vigor no país.
E o argumento dos "inimigos" de Zelensky é o da legitimidade democrática que não tem para, por exemplo, segundo Vladimir Putin, sequer anular o decreto Presidencial que assinou em 2022 a proibir a Ucrânia de negociar seja o que for sobre a guerra com os russos.
E, como a União Europeia já não conta neste xadrez, com a economia europeia de rastos, muito por causa do refluxo das sanções à Rússia, que enxugou o gás e o crude russos baratos que alimentavam as indústrias europeias, especialmente a alemã, italiana e francesa, se russos e norte-americanos, como parece estarem, apertarem as condições a Kiev...
Claramente em perda, ainda por cima depois de, já nesta segunda-feira, 03, Donald Trump ter vindo, de novo, mudar as regras do jogo, com consequências ainda não totalmente avaliadas, ao dizer agora que os EUA querem os recursos naturais ucranianos como garantia para o dinheiro enviado para Kiev, Zelensky parece ter apostado em empurrar os problemas com a barriga.
E fê-lo ao insistir que Trump só tem a ganhar se investir em obrigar Putin a negociar pela força, propondo que os EUA aumentem as sanções à energia e aos bancos russos, embora o próprio já tenha dito que a realização de eleições é uma saída inevitável, insistindo que a Ucrânia deve aderir à NATO e que os EUA ganham muito mais com um vitória ucraniana que com uma derrota.
Mas a questão essencial permanece por responder em Kiev: como pode o regime de Zelensky resistir às tenazes que o apertam com assentes no eixo Moscovo-Washington?
Alguns analistas já admitem que o melhor que Zelensly tem a fazer é ficar calado porque o Presidente Donald Trump é de tal modo errático que se hoje o está a encostar à parede, amanhã pode estar a dar-lhe uma saída airosa.
O que já está a acontecer se o que está a ser noticiado esta terça-feira, 04, se confirmar, que foi Trump dizer que os EUA querem "as terras raras da Ucrânia" como pagamento pelo dinheiro e armas que estão a enviar para o país.
É que esta premissa já parece estar cumprida, como já foi dito por um proeminente senador republicano, o mesmo partido de Trump, Lindsey Graham, em Junho de 2024, quando este disse que os norte-americanos têm de defender a "mina de 12 biliões USD em recursos naturais que é a Ucrânia" de forma a que estes fiquem para si e não para russos ou chineses.
Estas palavras de Trump ainda são demasiado frescas para se perceber se se trata de uma mudança de posição, porque, como já admitem vários analistas, ceder os seus recursos aos americanos é o mínimo dos esforços que se podem exigir a Zelensky, porque os EUA e os seus gigantescos conglomerados económicos, como a Black Rock, o maior gestor der fundos do mundo, já detém quase todos os recursos ucranianos, incluindo terras agrícolas e áreas mineiras.
No entanto, se esta condição se vier a materializar publicamente, que Kiev cede os recursos aos EUA que Donald Trump exigir em troca da continuação do apoio em armas e dinheiro, como vai reagir Moscovo e o seu "amigo" Vladimir Putin?
Para já, o Kremlin parece estar a lidar com a situação considerando todas as possibilidades, como se percebe ao negar quaisquer contactos com a Casa Branca quando Trump insiste que "as conversas com a Rússia estão a correr bem".
Conhecendo a forma errática de gerir a sua agenda política, os russos parecem apostar em resolver o problema na frente de guerra onde, como já é reconhecido por todos, incluindo os analistas militares pró-ucranianos mais empenhados, ganham territórios todos os dias e os ucranianos já não têm onde recrutar homens para as trincheiras.
Além desta pressão de falta de gente para preencher as trincheiras da linha da frente, como Zelensky reconheceu já esta semana, ao mesmo tempo que reconhecia haver problemas sérios de localização de 100 mil milhões USD dos mais de 250 mil milhões enviados por Washington para Kiev, a Ucrânia lida agora com uma maioria da sua população que defende abertamente o fim do conflito seja de que forma for, incluindo negociar directamente com os russos.
E nem as palavras do enviado especial de Trump para o conflito no leste europeu, o general Keith Kellogg, quando este vem defender que Zelensky se submeta a eleições, parecem diminuir a solidez do posicionamento de Moscovo, que é não embarcar na discussão pública de assuntos que quer ver tratados oficialmente e na forma de negociações oficiais para contornar a dimensão errática do inquilino da Casa Branca.