Os pressupostos de Donald Trump que levarão Vladimir Putin a aceitar as suas linhas de um acordo para terminar as hostilidades numa primeira fase e, depois, numa segunda etapa, assinar um acordo de paz, como o Kremlin já veio dizer, estão quase todas erradas.
Logo no dia em que tomou posse, segunda-feira, 20, Donald Trump veio dizer que "Putin quer um acordo" porque a economia russa está moribunda, já perdeu 1 milhão de soldados nestes três anos de guerra, e se não parar já o conflito com a Ucrânia vai destruir a Federação Russa...
Ora, de acordo com as perspectivas do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2025, a economia russa vai continuar a crescer a um ritmo superior a algumas das economias mais avançadas do ocidente, seja a Alemanha, a França ou mesmo os EUA, acima de 1,4 %, embora notado um arrefecimento em relação a 2024, onde ficou muito acima de todas elas, nos 3.6%.
Portanto, no que diz respeito ao desempenho da economia russa, atendendo ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), Trump errou o alvo, mas se o azimute for o agora mais em voga, por ser considerado por muitos economistas e organismos internacionais mais realista, a Paridade do Poder de Compra (PPC), a Rússia passou mesmo o Japão e a Alemanha, sendo agora o 4º em todo o mundo, atrás da China, dos EUA e da Índia.
E quanto ao número de baixas no conflito, sendo impossível de obter dados exactos, porque a verdade, nas guerras, é a primeira a morrer, e só meses após terminar se poderá obter essa informação com precisão, o número usado por Donald Trump sobre as mortes nas fileiras russas é aquele que tem sido divulgado por Kiev, perto de 900 mil, enquanto o Governo do Presidente Zelensky admite apenas a perda de 81 mil soldados.
Sendo que os dados avançados pelo Ministério da Defesa da Rússia, embora não fazendo referência às perdas do seu lado, aponta para mais de 700 mil baixas do lado ucraniano, o que faz com que este seja um tema com valor reduzido para se medir as consequências deste conflito.
Sem os EUA, a Ucrânia não resistirá muito tempo
Há, porém, um dado factual que faz com que a questão das baixas seja mais relevante para o lado ucraniano que para o russo na medida em que isso pode ser um factor decisivo no campo de batalha, que é o facto de os russos terem mais capacidade de recrutamento, sendo um país com 150 milhões de habitantes, enquanto a Ucrânia está hoje confinada a pouco mais de 25 milhões.
Os aliados ocidentais de Kiev, como os EUA ou a própria NATO, têm insistido na necessidade de Kiev baixar a idade de recrutamento dos actuais 25 anos para 18, porque a linha da frente começa a esboroar-se devido à falta de efectivos nas trincheiras, enquanto cresce o número de casos de confrontos filmados e mostrados nas redes sociais entre as unidades de recrutamento forçado do Exército e os homens, até aos 60 anos, que procuram evitar ir para a guerra.
Além desta imagem distorcida da realidade económica russa e do próprio conflito, onde Trump parece acreditar existir um impasse no terreno, embora os russos, como os media ocidentais já admitem, estão a avançar em ritmo acelerado, Donald Trump parece estar a ignorar propositadamente o que o seu "amigo" Putin tem dito sobre o que considera como mínimo para admitir avançar para o fim do conflito.
Donald Trump parece querer, porque a sua postura vai sendo moldada à medida que os dias passam, apostar no congelamento da guerra nas actuais posições das trincheiras de um e do outro lado, garantindo a cessação das hostilidades através do envio de uma força militar europeia para o terreno, dando tempo a que as negociações continuem sob a garantia que nos próximos 10 a 20 anos Kiev não adere à NATO.
A este plano defendido por Trump, para acabar com "uma guerra ridícula", que é da autoria do seu enviado para a região, o general Keith Kellogg, uma cópia ajustada do que sucedeu na Península Coreana em 1953, o Presidente norte-americano junta ainda uma sucessão de ameaças contra Moscovo de forma a obrigar o Kremlin a ceder, como sejam mais taxas e tarifas aduaneiras e sanções.
Donald Trump mantém esta postura, fazendo de conta que não sabe o que, ao mesmo tempo, em Moscovo, têm dito o Presidente russo e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, sobre o que consideram condições mínimas para desenhar o mapa do fim da guerra na Ucrânia.
Putin aprecia empenho de Trump
Vladimir Putin tem repetido que aprecia a vontade de Trump para acabar com o conflito, que está pronto, naquilo que é já uma vontade mútua, para se encontrar com o homólogo norte-americano, mas a quem avisa que só existe uma forma de o fazer, que é ir à raiz do problema, que é, além da história recente ucraniana, o mais abrangente problema da segurança regional e euro-asiática e a flamejante aproximação da NATO às fronteiras da Federação Russa.
No que toca ao conflito actual no leste europeu, Moscovo, como tem repetido Lavrov, ainda com mais insistência que Putin, exige que Kiev abdique sem condições da soberania sobre as cinco regiões anexadas em 2014 (Crimeia) e Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhia (em 2022), a garantia constitucional de neutralidade, com a adesão à NATO fora da grelha, e que a cultura, língua e religião russas sejam legalmente respeitadas no que for a futura Ucrânia pós-guerra.
Olhando para este cenário, fica claro que Trump e Putin afirmam publicamente que se querem ver rapidamente num encontro a dois, mas deixam claro que o caminho para chegar a esse tête-à-tête é longo e repleto de buracos para serem tapados pelas equipas negociais de Moscovo e Washington.
Há, todavia, um efeito que esta disponibilidade de Trump para se encontrar com Putin e a aposta no fim do conflito pelo novo inquilino da Casa Branca já está a ter, que a mudança de agulha na retórica do Presidente ucraniano, sobre a necessidade de se chegar a um acordo com a Rússia para acabar com o conflito.
Volodymyr Zelensky, que já aceita, segundo a Bloomberg, negociar com Putin desde que os EUA lhe forneçam garantias de segurança, mesmo que o decreto de 2022 onde se proíbe a si mesmo de o fazer ainda esteja em vigor, já veio dizer publicamente que quer um acordo, mas ainda exige condições que, para Moscovo estão fora do leque de cedências possíveis.
Zelensky quer peacekeepers
O último avanço de Zelensky em direcção ao que Trump tem dito foi feito em Davos, no Fórum Económico Mundial, há dois dias, onde o Presidente ucraniano disse querer 200 mil militares de países europeus da NATO na linha da frente de forma a garantir, como "peacekeepers", que Moscovo cumpre um eventual cessar-fogo ou congelamento do conflito.
A esta proposta, o Kremlin já tinha dito antes que está fora de quaisquer possibilidades, porque se esta guerra foi despoletada, entre outras causas, devido à ameaça existencial que seria a entrada da Ucrânia na NATO, aceitar esta proposta seria aceitar a entrada da NATO para a fronteira imediata da Rússia.
Como sempre sucede, quando se torna incontornável o início de negociações, é natural que as partes coloquem a fasquia alta para irem baixando as exigências à medida que as conversações decorrem, e é isso que Kiev está a fazer, face à exigência de Trump que, no limite, pode acabar com o apoio dos EUA à Ucrânia, condenando este país a uma derrota total em meses.
Mas não é claro que Moscovo esteja a fazer exigências muito acima dos mínimos que podem ser considerados aceitáveis, como antecâmara de futuras negociações, porque Vladimir Putin não vai aceitar em nenhuma circunstância a entrada de Kiev na NATO, a entrada de forças militares ocidentais no país ou mesmo a definição de um acordo sem envolver a questão da segurança mais abrangente entre Moscovo e Washington.
E o que pode fazer Trump para vergar Putin? Os analistas dizem que pouco, porque a Rússia está a vencer a guerra, como, de resto, parece ser já uma evidência aceite pelos media ocidentais e tem uma base industrial de produção de armas superior a quase todo o ocidente, incluindo os EUA.
E mesmo a ameaça de tarifas e taxas sobre as exportações russas para os EUA feita por Trump parece algo estranho porque as actuais sanções já são isso e muito mais, sem que o efeito seja tão agressivo como era inicialmente esperado, sendo que as únicas importações norte-americanas da Rússia são de bens de primeira necessidade, como minerais estratégicos, combustíveis nucleares...
Moscovo quer mais que um simples acordo sobre Ucrânia
Alias, o vice-representante permanente russo na ONU, Dmitry Polyanskiy, reagiu rapidamente às últimas declarações de Donald Trump, sublinhando, citado por The Guardian, que, na perspectiva russa, "não se trata apenas de acabar com o conflito na Ucrânia, é, acima de tudo e o mais importante, abordar e resolver a origem da crise ucraniana".
Com estas palavras, o diplomata russo quis sublinhar que Moscovo espera "perceber com clareza o que quer dizer o Presidente americano quando fala num acordo", porque as interpretações têm sido muitas e, pela forma como o disse Trump, permite que todos, desde o Presidente ucraniano, aos aliados europeus, usem a hermenêutica que melhor se adequa às suas posições e ambições.
Até porque parece cada vez mais evidente, como se percebe pelas declarações de Tatiana Stanovaya, uma analista russa, membro do Centro Carnegie para a Rússia-Eurásia, também citada pelo jornal britânico, que em Moscovo, o Presidente Vladimir Putin prefere mesmo chegar a um entendimento negociado nos termos que considera razoáveis, mas está igualmente disponível para optar por resolver os problemas com a continuação da guerra.
"Um acordo nos termos russos pouparia recursos importantes para a Rússia, mas se esse acordo não for possível (como Trump quer), Putin está preparado para lutar até quando for preciso se concluir que um acordo com Trump não lhe é favorável", disse a analista russa.